terça-feira, 27 de setembro de 2011

Novo Herói

Os Heróis de banda desenhada no masculino, com seus fatos de lycra justos, cheios de brilho, que representam a sua própria pele e que os carrega de tanto poder fantástico, causa-me alguma curiosidade. Bem sei que, estas criaturas maravilha não são humanas mas inspiraram-se em nós e, portanto, deveriam considerar a faceta do Homem terreno, que preza a sua masculinidade. Não estou a ver o nosso Zé povinho, vestido com um tecido elástico reluzente verde alface, a fazer o manguito e manter o seu ar machão com um traje tão festivaleiro. Seria o fim da picada. Porque é que aceitamos um look tão drag queen nos nossos heróis da BD e não duvidamos da sua força e grandeza de criaturas viris? Será porque não os encaramos como realidade mas sim uma fantasia que nos entretém e nos afasta das nossas amarras morais?
Imagina agora se uma amiga tua te confessasse que marcou um blind date e o seu encontro resultou desastroso, porque seu parceiro decidiu vestir-se com uns leggings pretos justos, um blazer vermelho debruado a dourado, a tapar o peito nú e sem pilosidades, na orelha uma argola em ouro, cabelo húmido a cobrir o pescoço, arrumado por uma bandelete dourada, sobrancelhas arranjadas e pele macia? Nem no perfume ela conseguiu superá-lo. Aliás ela nem conseguiu sobressair. Quem sobressaiu foi ele em tudo aquilo que habitualmente é apreciado numa mulher. Ele pontuou com nota máxima na postura, beleza, elegância, feminilidade, bom gosto e até na falta de pontualidade. Aquele encontro destruiu a sua auto-estima feminina. Até ele chegar ela era o centro das atenções. Mal ele apareceu, cabeças rodaram, silêncios se impuseram, a curiosidade aumentou e o interesse subiu. Ela ficou na sombra aguardando o fim do seu momento de fama. Nem sei como ninguém se lembrou de lhe solicitar um autógrafo.
Se ele fosse um herói de banda desenhada, aquele traje até que seria perfeito e adequado. Quanto mais exagerado melhor. A sua qualidade de carne e osso ajuda a quebrar o feitiço e desdenhar do seu look new age.
Talvez seja altura de mudar o nosso paradigma e encarar o homem moderno e actual como alguém sensível, charmoso, que gosta de se cuidar, que gosta de exibir seu bom gosto, que partilha de alguns gostos femininos, que se comove facilmente, que é bom gestor caseiro, que é bom confidente, que é bom cuidador, que é prestável nas tarefas domésticas, asseado, delicado, saudável e um mestre em compreensão feminina.   

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Nave Enterprise



E se de repente te informassem que teus dias na terra estão contados e partirias para outra galáxia, livre de impostos, com acesso gratuito a educação e saúde, com um mercado imobiliário protegido pela banca, que empresta com garantias de não abusar muito depois, sem crime, soalheira, com reformas antecipadas livres de penalizações, sem desemprego, sem mendicidade, sem vicíos, com uma política salarial vantajosa e muitos motivos para sorrisos. Parece tentador? De facto, com um panaroma destes, o que mais apetece é apressar a despedida. Mas e se essa despedida implicar abandonar as pessoas que amamos e que se aferroaram à nossa Vida e nós deixamos? Aí tudo muda, não é verdade? Nem aquilo que parecia tão tentador assume o mesmo encanto. 
Só de pensar, minha ansiedade dispara e a vontade de devorar uma pasta de chocolate obececa-me. Aquele barulho enrugado da prata a rasgar-se, ecoa na minha mente e não me deixa aclarar as ideias. Sei que se ceder a este capricho perderei o controle e não me ficarei por uma única dentada. Ou Tudo ou Nada. Nas minhas mãos vira nada. O arrependimento vem depois.
Afinal onde é que eu ia mesmo?
Ah sim, já me lembro. Existe a possibilidade, ainda mal esclarecida, de termos que partir sozinhos e deixar para trás nossas ligações afectivas.  Uma vez tomada essa opção talvez não possamos recuar. Só alguns foram convocados a transitar para esta nova e facilitada realidade, que nos afasta de todos os problemas que infeccionam a nossa sociedade. O meu presumido estado  de privilegiada, condiciona ainda mais a minha decisão de voltar as costas a quem já me estendeu a mão tantas vezes. Que palavras lhes dedicaria antes de me despedir, para lhes prestar a minha homenagem e impedi-los de duvidar do meu Amor por eles? Acho que por mais eficaz que seja a exposição das minhas razões, os imunizaria da dor de ser rejeitados por um futuro de sonho. A liberdade de decisão ajuda a estabelecer compromissos de responsabilidade. Se decidir prolongar minha circunavegação na terra, continuarei a gozar da companhia dos meus suportes emocionais e continuarei a enfrentar as dificuldades, próprias da Vida em directo. Se optar pelo comodismo de uma Vida, programada para me poupar chatices, então estarei comprometida com o egoísmo e a inércia. Uma e outra, estão para as nossa Vidas como o Míldio e o Oído estão para as videiras. Ambas, pragas de destruição.
Com tanta divagação, até já acabei com a tablet de veneno gustativo, que nem sequer careceu de apresentações.
O peso é desigual. O mundo dos afectos vale bem mais que a garantia de um futuro sem complicações. Se partisse para outra galáxia teria que ser numa enterprise familiar, com todos os spock's que preenchem o meu perímetro de proximidade emocional. Viagens sozinha, só aquelas até ao wc. Curtas e de grande alívio.


domingo, 11 de setembro de 2011

Mãe por Acaso

Vivian entrou no bar Clash, para cumprir mais um turno, a aturar bêbados, chatos, agressivos, deprimidos, exibidos, engatatões, mulherengos e um sem número de intoxicados, fãs daquele lugar decadente e com bebidas a saldo. Aos Sábados à noite não havia folgas para ninguém. Casa cheia e garantia de dinheiro em caixa, não davam margem para prescindir do pessoal de apoio aos bares.
Decote pronunciado, lycra colada ao corpo, sapato de salto alto, cabelo solto, bronzeado artificial, muito sexappeal e desembaraço para atender todos os pedidos que não param de chegar, é assim que Vivian assegura a crescente adesão ao seu balcão de atendimento.
Porém, nessa noite, Vivian estava desconcentrada, distante e não conseguia destacar-se pelo seu alto desempenho. Não atinava com os pedidos, derrubava os copos, tropeçava em tudo, remoía baixinho seu nervosismo, atrapalhava seus colegas com sua desconcentração. Nada parecia funcionar. Anos de experiência a aturar os caprichos dos clientes, não a impediram de prestar um mau desempenho naquela noite de festa. O motivo não era forte mas era bastante íntimo e pessoal. Suspeitava estar grávida e debatia-se com essa incerteza. Só poderia confirmá-lo na segunda feira, até lá tentava sobreviver à agonia. Depois disso teria que reavivar a sua memória sexual e atribuir um autor para aquele deslize, que lhe iria complicar o esquema de Vida.
Barwoman e grávida não combinavam. O momento não era o ideal. Sem parceiro fixo, família emigrada, instabilidade financeira, dependente da sua beleza para se manter, instável emocionalmente, tudo conjugado fazia campanha negativa contra a sua gravidez. Assustada com a evidência dos sintomas, não consegue sossegar e alhear-se dessa possibilidade.
Afunda-se nos seus pensamentos, descuida os seus compromissos e quase compromete a animação alcoólica dos  seus dependentes.
Vivian tenta apressar aquela noite, desperdiçando todos os convites dos seus admiradores, que todos os sábados imploram a sua atenção, sem aliviar. Só queria descansar e adormecer sobre o assunto, que só deveria preocupá-la no dia seguinte.
No domingo de folga, escapou-se para o centro comercial com duas amigas, adeptas do consumo desenfreado de futilidades. Nos corredores de acesso às lojas, que percorreram com diversas paragens pelo meio, era raro não esbarrar com um carrinho de bébé e conviver com uma linguagem própria, que denunciasse grande comprometimento com a nova condição familiar daqueles pais. Um cenário do qual ela se queria libertar mas, não estava a ser fácil desviar-se da epidemia familiar, endémica aos domingos com chuva.
Sem se enternecer, despede-se daquele ambiente e refugia-se na sala de cinema, tentando melhorar o seu humor com a comédia em cartaz. Azar dos azares, a comédia aligeirou o tema filhos, educação das crianças, casais, família. Como se não bastasse o anúncio que interrompeu o filme para intervalo fazia propaganda a fraldas infantis. Um pesadelo para Vivian que se vê pressionada a lidar com esta realidade que começa a acusar demasiada proximidade. Algo que ela ainda não determinou encarar como a sua própria realidade. As circunstâncias que precipitaram a sua presumida gravidez não estão envoltas em romantismo mas, numa inconsciente urgência de satisfazer uma necessidade física. Nunca houve um prolongamento dos seus encontros, que suscitasse a estimulação do seu instinto maternal. Não teve irmãos mais novos, nem sobrinhos para cuidar e, como consequência disso, não teve oportunidade de treinar sua habilidade para criar afectos com crianças. Tinha medo de desiludir e fracassar como mãe. Sem orientação, busca a confirmação das suas suspeições. Os exames despacharam a sua decisão. Ia ter um filho. De quem? Quem quer que fosse não iria querer assumi-lo. Afinal, nem no dia seguinte lhe ligou a marcar novo encontro, demonstrando total desinteresse. Foi tudo tão rápido, no intervalo do seu expediente, comprimidos no apertado espaço da cabine do wc, sustendo gemidos, para no final do acto, sem chamar a atenção, abandonarem o local separadamente. Ele regressou à multidão que ocupava a pista de dança e ela voltou a ocupar o seu lugar de bartender. Romântico? Nem por isso.
Vivian sobreviveu ao trauma da notícia e enfrentou a decisão de ser mãe a tempo inteiro, com grande dedicação e muito amor. Abandonou o Clash e todos os Clash's com quem partilhou a cabine do wc, palco de muitos momentos fugazes e ardentes de prazer. Comprometeu-se totalmente no seu papel de mãe e nunca deixou ninguém sem resposta nem mesmo os mais preconceituosos e moralistas. Felizmente, a cria saiu à mãe. Do pai nem sinal. Pelo menos para já. No entanto, quando a criança crescer e formar a sua personalidade poderão surgir alguns estilhaços do passado, com os quais Vivian terá que conviver. Esperemos que Vivian tenha uma resposta adequada a todas as curiosidades do seu filho.     

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Happy Endings

Esta ideia importada das telenovelas brasileiras "E todos viveram Felizes para sempre", enche-nos de esperanças vãs. Pior que isso, faz-nos acreditar que nossos desejos de felicidade devem ser os primeiros a ser satisfeitos em detrimento dos de todos os outros, que deverão aguardar na longa fila de espera. Nem sequer, invocamos terceiros para connosco partilharem da tão cobiçada e efémera felicidade, julgando-nos o único ser merecedor dessa dádiva. Acontece que, no trailer da Vida real há um leque diversificado de boas pessoas que tal como nós merecem ser Felizes. Só seremos felizes se elas também o forem, porque é com algumas delas que esbarramos no nosso dia a dia, em diferentes ocasiões. As suas manifestações de felicidade irão contagiar-nos, as quais, por sua vez, irão ser devolvidas por nós a outros, que se cruzarão no nosso caminho e, por conseguinte, irão repercuti-lo a outros mais e assim, sucessivamente. Isto claro, se não estivermos demasiado obcecados connosco e com o nosso bem estar.
Dar e receber assumem a mesma importância e é dessa troca de bondades que formamos a felicidade.
Jamais seremos felizes se não desejarmos o bem do outro. Não implica que gostemos de todos ou a todos amemos da mesma forma. Seria inútil contrariar nossos critérios de gosto. É bom que os tenhamos e não nos deixemos encantar com tudo o que aparece e, com isso, fragilizar nosso carácter.
Ao desejarmos mal aqueles de quem não gostamos, estamos a desperdiçar energias em algo que não comunga com a nossa felicidade. Só nós detemos o poder para mudar o que há em nós e criar a nossa própria concepção de Felicidade.
Ao contrário do que muitos pensam, não há um só conceito de Felicidade. Há sim uma base, onde todas as vertentes da felicidade vão beber, mas cada uma dela age independentemente.
Nas mentes mais herméticas, só há uma única forma de viver feliz. Para elas, viver feliz deve obedecer a uma ordem de vontades alheias, que nos tornam semelhantes no modo e estilo de Vida. O conceito de Felicidade aqui subjacente implica cumprir uma série de obrigações de inserção social. Têm pânico de cair na boca do povo e destoar do rebanho. Não importa, o que gostam ou não gostam. O que importa é manter as aparências e desviar atenções.
Ignoram, por completo, que a Felicidade constrói-se de dentro para fora e não de fora para dentro. Auscultar no nosso interior o que nos faz verdadeiramente felizes, sem atender aos caprichos de uma sociedade estilizada é condição essencial para progredirmos e nos distanciarmos de uma felicidade programada. Quem melhor do que nós para saber o que nos torna felizes?
Haverão sempre vozes da reacção a querer impugnar a nossa Felicidade com suas férreas crenças pessoais.
Mesmo que essas vozes nos sejam familiares pela proximidade que nos une, nem tudo o que elas transmitem é digno de ser assimilado. Muitos dos seus discursos devem ser filtrados pelo spam e recambiados para a lixeira.
Voltemos aos finais felizes das telenovelas. Convenhamos, a bobine está um pouco gasta. Que tal desconstruirmos a instituição matrimonial tão tradicional e sem grande eficácia na felicidade dos seus aderentes?
Graças à Evolução do Direito, não temos que carregar o mesmo erro a Vida inteira. O divórcio veio determinar a ruptura legal entre um casal que não quer mais estar junto e procura libertar-se para encontrar a sua felicidade noutro lugar e de um outro modo, que resulte em algo melhor.
Viver em união de facto ganhou expressão e grande adesão por parte dos jovens, que só querem assumir aquilo que existe no momento, sem garantir o que o futuro lhes possa reservar em termos de longevidade da sua união.
Há quem prefira ser livre para amar e transitar de parceiro em parceiro, acumulando novas e diferentes experiências.
Há quem não queira ter filhos e se sinta feliz ao lado do seu companheiro(a) e suas ninhadas de gatos.
Há quem parta para a produção independente e antecipe algo com que sempre sonhou.
Há quem adore famílias grandes e não se canse de gerar descendentes.
Há ainda os pais de coração que adoptam os filhos dos outros e os tornam seus, sem poupar em afectos e amor.
Há os tementes a Deus, que na sua devoção vão saciar sua carência de Amor.
Há também os casais Homosexuais que querem ser livres para Amar sem exclusão.
Transgénicos, travestis, gays, bisexuais, heterosexuais, acomodados, assumidos, não assumidos, viúvos, solitários, prostitutas, promíscuos, puritanos, góticos, satânicos, judeus, ateus, vegan, vegetarianos, budistas, viciados, são alguns exemplos dos frutos libertados pela crescente democratização da felicidade. Todos eles sem excepção querem ser felizes tal como tu e eu.

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...