sábado, 29 de janeiro de 2011

Inspiração procura-se

Qualquer artista teme perder um dia a sua criatividade e jamais conseguir criar arte. O Pânico é real e atormenta a classe artística que, por vezes, se vê forçada a abrandar o ritmo das suas criações para não vir a vulgarizar sua arte, tornando-a repetitivamente enfadonha.
Lucien estava a ser vítima desse desânimo. Algo que ele nunca sentiu nem experimentou. Estava apavorado. Precisava criar para lucrar, mas o vazio interior impedia-o de esgrimir os seus pincéis, animar a tela branca com diferentes combinações de cores e voltar a surpreender seus admiradores.
Despiu a bata salpicada de multitons, bateu a porta do atelier e saiu de  cachimbo na mão. Aquele lugar, outrora cúmplice de alegrias,  estava a atrofiar-lhe a liberdade inspirativa. Sair parecia ser a solução mais imediata, para fugir da pressão criativa a que estava sujeito, cada vez que seu marchand o intimava a produzir para mais um ciclo de exposições.
Estranhou a chegada da noite fria quando saiu do seu bunker, mas mesmo assim continuou a caminhar em direcção à ponte sobre o rio Tamisa e suportar o ar gélido na cara, exposta ao vento. Os raros transeuntes com quem se cruzou, caminhavam apressados, indiferentes a tudo o resto, tolhidos pelo frio, tão British. Até ali nada o apelava, nem o impedia de prosseguir seu caminho, agarrado ao seu cachimbo calabash estilo Sherlock Holmes. A noite adensava-se cada vez mais.  Lucien continuava perdido nas ruas de Londres, cenários perfeitos de crimes policiais. Sem perceber, alguém o perseguia persistentemente desde a hora que abandonou seu abrigo criativo. Obcecado pelo seu problema ainda por resolver, Lucien continua arredado do mundo real. Nisto é interrompido por uma voz feminina, atrás de si, que o faz estacar de medo, conquistando a sua máxima atenção. Vira-se indefeso, para encarar o imprevisto e é com espanto que percebe que afinal a figura ameaçadora  é uma Mulher de ar miserável,  possuída pelo alcóol, sem abrigo, esfomeada, estigmatizada pela sociedade, que continua a rejeitar  suas tentativas de inserção. Sem querer, aquela mulher andrajosamente vestida, sem suavidade no rosto, estampado de tristeza, pelo que deixou escapar com a rendição à bebida, desperta interesse em Lucien que, sem hesitar, lhe oferece uma refeição quente e um quarto onde dormir nessa noite insuportavelmente gélida. Sem melhor opção, ela aceita a sua generosidade mas sem se comover. Tudo tem seu preço. Nunca ninguém lhe ofereceu nada sem exigir algo em troca. Todos aqueles que lhe estenderam a mão levaram pedaços de si, que jamais foram repostos e  é sem esperança de os reaver ,  que mendiga pão e atenção.
Lucien tentou provocar conversa mas em vão. As respostas eram curtas e nada adiantavam sobre sua identidade.  A  fome e a desconfiança impediam-na de desenvolver um diálogo contínuo .
Depressa chegaram ao abrigo de Lucien, que estava convenientemente quente e acolhedor. Este apressou-se a aquecer um prato de sopa e a partir a carcaça de pão, para acomodar o steak. Menú sofregamente devorado por aquela Mulher de origem desconhecida.
Sem privacidade, a Mulher é observada por Lucien, que estuda seus traços, sua silhueta feminina, seu modelo de Mulher, a ser retratado na tela em branco, largada a um canto do estúdio. Os olhares grudentos de Lucien assustam-na  mas algo a instiga a ficar.
Lucien percebendo sua inquietação, decide ser sincero e contar o que ele efectivamente quer dela. A Mulher ainda sem nome, escuta a sua proposta, que consiste em posar como seu modelo artístico. Algo que ela nem sabia como personificar. Ela era a antítese do Modelo.
Curiosamente, foi essa antítese que despertou interesse em Lucien. O objectivo era chocar, ferir susceptibilidades, exagerar, dramatizar.
A Mulher aceitou e até revelou o seu nome.  Margaret tinha agora a oportunidade de se inserir com a benção de um  artista conceituado.  Iria ser a sua inspiração, a sua musa, a sua única escolha para figurar nas suas criações. Uma importância que ela nunca teve, nem se soube dar.
Despudoradamente, despiu suas vestes remendadas e dispôs-se na cama de ferro, completamente descoberta e em posição de descanso.  Estava instalado o cenário ideal para Lucien dar continuidade à sua sensibilidade artística.
Propositadamente, as poses não foram refinadas para não camuflar a realidade daquela Mulher marcada pela Dor.
Renasce o artista e a Mulher que lhe serve de inspiração.  

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