Na rádio anunciava chuva para toda a semana, aliviando apenas no domingo mas, sem grande expressão. O humor de Lídia já não estava bom e tais previsões desanimadoras, só vieram agudizá-lo ainda mais. Sentia-se sem energias, descontente, indisposta e com um bad feeling, que poderosamente veio ensombrar o seu dia. Embuída nos seus pensamentos, dobrou esquinas, contornou rotundas, cortou cruzamentos e, obedientemente, estacou no semáforo vermelho para dar passagem ao casal que, indiferente à sua presença rejubilava de cumplicidade. Fitou-os com interesse e alguma curiosidade, mas a chuva intensa baçava a sua visão e o desembaciador entrara em colapso. Algo a intimava a insistir em grudar seus sentidos naquele par romântico. Estremeceu quando percebeu quem eram. Seu coração disparou acelerado, suas mãos agarraram o volante com força para descarregar a ansiedade, seus músculos contraíram-se e foi em alta tensão que arrancou, ao soar estereofónico das buzinas dos desesperados, que atrás de si formavam fila.
Atordoada com o flagrante, em desassossego, não conseguia serenar seus pensamentos e calar as emoções que emergiam sem parar.
Samuel e Bárbara, juntos e felizes, diante de Lídia, ignorando seus sentimentos, massacrando-a de mil e uma maneiras, sem piedade. Ele, o seu Grande Amor, o seu companheiro, o seu ouvinte atento, o seu maior suporte, o seu abrigo emocional, o seu cúmplice, o seu eixo, o seu confidente, a sua referência e também a sua maior desilusão. Ela, a psicóloga, a sua orientadora pessoal, a única a conhecê-la profundamente, a responsável pelo seu estado, a mestre que manipulou a Vida da sua discípula para satisfazer seu interesse pessoal. Nunca suspeitara mas sempre temera ser vítima de uma traição tão arrasadora quanto esta. Ambos acompanhavam a sua Vida de perto e a eles nada escondia. Achava ela que fariam um bom uso da sua proximidade, da sua intimidade, da sua ligação simbiótica. Sentiu-se um pretexto para seus encontros, suas conversas, suas confidências, suas conspirações, tão mais frequentes quanto maior a saturação dos seus desvarios.
Naqueles cinco minutos de paragem forçada, percorrera todos os acontecimentos da sua Vida e o balanço resultara negativo. Abusaram tantas vezes da sua sensibilidade e mesmo assim não conseguira anestesiar a dor, que voltara a desafiar a sua capacidade de resistência.
Chorou de revolta por ter permitido que a magoassem uma vez mais, por ter exposto de mais, por ter amado de mais, por ser carente, frágil, vulnerável e tão indefesa. Derrubaram o seu controle emocional já fragilizado e arrasaram com ela, atriraram-na para mais uma crise existencial sem precedentes.
Não procurou saber suas razões, nem permitiu que o fizessem. Não suportaria conviver com os seus carrascos naquele turbilhão de emoções e, por isso, afastara-se para sempre.
Os anos passaram, a dor foi aliviando mas esse acontecimento virou marca registada na sua Vida, que seguiu seu percurso mas numa outra direcção, que priveligia relações descontraídas, sem obssessões, sem grandes expectativas, sem muito âpego e sem dependência.
Aos poucos aprendeu que a condição para sermos felizes não pode depender do que esperamos dos outros.
