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terça-feira, 16 de maio de 2023

Família Imperfeita

A propósito do dia da família que se celebra dia 15 maio (sabe-se lá porquê) e ao qual não consigo ficar indiferente, porque é e continua a ser um tema sensível, alinhado com o meu crescimento emocional, apresento a minha experiência pessoal em contexto familiar.

Adianto já e sem demoras, à queima roupa, que não cresci numa família normal. Somos uma família tradicional portuguesa, nascida no Minho, porém, estamos muito longe de ser a família perfeita. Contudo, posso assegurar que somos uma família real, com problemas reais e onde as emoções se sentam à mesa na hora das refeições principais. Agora, muito mais escassas.
Não estava a resultar e os domingos acabavam remexidos.

Sempre que nos reuníamos à mesa para almoçar ou jantar, parecia que ficávamos mais sensíveis e reativos. Aliás, a comunicação foi sempre um grande calcanhar de aquiles e continua a ser.

Na ânsia individual que cada um manifestava de partilhar um dado novo do seu dia a dia, da sua vida, havia sempre um de nós que interrompia e não sabia aguardar a sua vez ou a sua opinião ou as suas reações ou o seu mau acordar ou o seu espírito de contradição ou a sua impaciência e indiscreta intolerância. Centrados em nós próprios, arrotávamos ego embrulhado em emoção incandescente.

É uma cosa nostra, provavelmente, herdada dos nossos antepassados Corleones.

Apesar de mais desviados (mas não tanto) uns dos outros por questões de segurança, não conseguimos nos desviar por muito tempo e, mesmo à distância, a conexão não se perde ou enfraquece. Quando nos desentendemos é para a vida toda e quando regressamos uns aos outros é para toda a vida. Não há meio termo. Não há temperança. 

A Família está lá com seu temperamento difícil, suas imperfeições mas está lá e há recordações e muitas, muito boas, até mesmo, aquelas que acabavam a vomitar na berma da estrada ou com pai e mãe irados connosco e nossa pressa em chegar, viver tudo de uma vez e amuar por tudo e por nada.

Somos tão reais, tão verdadeiros, tão imperfeitos e talvez, por isso, nos atropelamos a todo tempo e toda a hora. Pode parecer mau mas, até que não é. Percebi que o nosso Amor é grande, doido e muito esponjoso.















 

  

terça-feira, 28 de junho de 2011

Reclamar o que se rejeitou não reconhece o erro


Uma personalidade a quatro tons é assim que Vítor retrata a sua irmã Noémia. Há o tom bem disposto e bem humorado, depois há o tom triste e depressivo. Há também o tom irado e intolerante e, por fim, o tom zen, que a remete para outra galáxia, distante da terra e da sua órbita. Noémia transita de tom facilmente e de forma imprevista, sem que haja tempo, para suas companhias do momento, se prepararem para acolher seus múltiplos e variados estados de espírito. Todos eles são excessivos, cada um dentro do seu género. Que o diga Vítor, que convive de perto com as mutações da sua irmã caçula. O que resiste a uma convivência algo tumultuada é o Amor, que ambos nutrem um pelo outro e que se expressa de uma forma contraditória, aos olhos de estranhos, que não aprenderam a aprofundar o imenso mundo das emoções.
Noémia foi a última e derradeira oportunidade de seus pais aperfeiçoarem a beleza, estandarte da família Moreira,  que se desvaneceu com o nascimento de Vítor e Eliseu. Dois rapagões saudáveis mas com cara de Dustin Hoffman. Quem veio salvar o gene bom do clã foi Noémia, com seu porte elegante e suas feições delicadas, que escondem bem sua retorcida forma de ser. Sua ligação com Vítor é bem mais forte do que com Eliseu, que se recusa a aturar seus desvarios repentinos. Gosta de Eliseu mas é de Vítor que ela sente falta quando tem suas recaídas. 
Vítor sempre lhe emprestou seu tempo de qualidade. Bom ouvinte e Melhor Amigo, tornam-no alguém muito especial para Noémia.
Vivem todos juntos, na casa dos pais, que os cercam de mimo e afecto, dissuadindo-os de trabalhar sua autonomia e independência noutro lugar. Aceitam sem reservas todos os caprichos dos seus meninos só para os ver felizes e, principalmente, junto a eles. No entanto, Vítor está determinado a abandonar a casa onde reina a facilidade, que o poupa de consumições e o liberta para se dedicar ao que mais gosta. O motivo que está na base de uma decisão tão definitiva é a sua nova namorada Ligía. Ao contrário de Vítor, Ligía tornou-se independente muito cedo, pressionada pela instituição donde saiu aos dezassete anos, sem garantias de nada e entregue a si mesma. Sua inserção não foi fácil nem isenta de sofrimento. Batalha após batalha desafiou o seu destino condenado ao infortúnio e é hoje médica estagiária no Hospital do Prado, onde foi largada à vinte e cinco anos atrás por uma mãe em apuros. Nunca soube seu verdadeiro nome? A Directora da insituição que a acolheu decidiu chamar-lhe assim. Sem opção, Ligía ficou e hoje até se identifica bem com o nome que lhe foi atribuído.
Apesar de ter ultrapassado vários obstáculos quase insuperáveis, nenhum deles a tinha deixado tão ansiosa e nervosa quanto este que estava prestes a enfrentar. Iria ser apresentada à Família de Vítor e ser alvo da sua aprovação. Estava em pânico. Infelizmente, nunca privara com nenhum conceito de família e por não ter tido nenhuma que lhe servisse de exemplo, o embaraço era maior. Para além disso, eles iriam acusá-la de ter provocado a saída precipitada de Vítor. Mas pior que isso seria a reacção de Noémia, tão dependente de Vítor. Se não o amasse tanto, teria desistido antes mesmo de ter tentado uma aproximação. O cenário não se apresentava fácil nem harmonioso.
Pela primeira vez ficará a saber como são os almoços de domingo em família, que ela tantas vezes ouviu seus colegas de escola comentar com enfado e que hoje, teria a oportunidade de experimentar e, quem sabe até gostar. Tantas novidades num só dia para processar, provavelmente, iriam esgotá-la.
Vítor aguardava por ela no seu carocha amarelo dos anos setenta, herança bem estimada do seu avô Gaspar. Sem pressas, desceu a escadaria de mármore, ganhando algum tempo para se mentalizar para o encontro com os Moreira.
Com ar satisfeito e livre de preocupações, Vítor recebe-a com um sorriso, desimpedindo alguma tensão instalada. Mentalmente, Ligía tentava fabricar um diálogo de boas vindas que a inserisse num contexto tão diferente daquele que foi instigada a crescer. À espera deles no alpendre, estavam os quatro, dispostos numa espécie de barreira fechada, prontos a disparar sua simpatia forçada. Escoltada por Vítor, Ligía foi-se aproximando e apresentando-se a cada um deles. Conforme suspeitava, Noémia recebeu-a sem grande apoteose. Eliseu limitou-se a ser cordial. O Sr Alberto foi mais além e abraçou-a com veemência. Curiosamente, a Srª Elisa agarrou-a nos braços firmemente, fixou-a insistentemente e entrou em estado de choque, bloqueando qualquer manifestação de hospitalidade. Sem nada entender, Ligía fica incomodada e beija-a apressadamente nas faces e agradece o convite para almoçar, libertando-se das suas garras. Ainda sem reacções, a mãe de Vítor parece ter-se reencontrado com seu passado fantasma. Ligía ressuscitou algo que nunca ficou esquecido. Desenterrá-lo era demasiado doloroso mas as evidências estavam diante dos seus olhos, e não a deixavam desmentir a Verdade. Ligía é a filha que ela rejeitou, porque lhe faltou coragem para lutar sozinha contra o estigma de Mãe solteira e marginalizada.

   

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Jasmim Maria

Jasmim acelerou o passo. Já estava atrasada para mais um encontro programado, que animaria a sua agenda por tempo indeterminado. As expectativas eram algumas mas, com o tempo, os inúmeros encontros e desencontros, assumiram um lugar cada vez menos importante, diminuindo consideravelmente de intensidade. Já não havia ansiedade, nervosismo ou embaraço. Seria mais uma oportunidade para flirtar e sentir-se desejada, da qual se acabaria por cansar, remetendo-a novamente ao isolamento. Trata-se de uma solidão que jamais aliviará, enquanto Jasmim atrair aquilo que ela acredita ser alvo de cobiça. Quem inveja um caso fugaz, um caso clandestino, sem protagonismo, tendo como parceiro de contracena, um Homem bem parecido, galã, com status social, bom poder de compra, confiante, bom partido, que nos compensa as ausências com presentes caros, que Jasmim exibe como estandartes às suas amigas enjeitadas?
Jasmim adora captar a atenção masculina, independentemente de haver contexto ou não para o efeito. Percebe-se bem porque é que Jasmim não ganha amizades consistentes e sólidas no universo feminino. Ela gera competições disputadíssimas com as suas rivais, principalmente com aquelas que aparecem bem acompanhadas e felizes com o seu estado. Diverte-se a testar a sua capacidade de atracção, para após comprovada a sua infalibilidade, consumar o acto e acumular mais um troféu, sem arrependimento do estrago que possa ter causado. Apesar de ser uma Mulher madura, goza da vantagem de aparentar ser bem mais nova  e agradar a várias faixas etárias. Se bem que o seu target são os homens estilo George Clooney, charmosos, independentes, hedonistas, endinheirados, despojados, com um sentido de humor a roçar a provocação, comprometidos e com muita disposição para pecar. Ora disponível, ora indisponível, é assim que os enlouquece, com alguns truques de alcova pelo meio. Satisfaz-se a observá-los desesperados, solicitando a sua presença nos seus momentos vagos de tesão.
Apesar de ter herdado o nome da sua madrinha de baptismo, tão embuído de energia poética e romântica, sua descendência foi desrespeitada com a má fama de Jasmim Maria, autora de comportamentos lamentáveis, aos olhos dos padrões que prezam a dignidade da Mulher que se sabe valorizar.
Seja qual for o cenário em que Jasmim se encontre, todos os seus sentidos estão focados num possível patrocinador dos seus caprichos de Diva. Há sempre um incauto em sossego, isco perfeito para testar a sorte de Jasmim com o sexo oposto. Uma vez na sua mira, larga tudo e entra em acção. Não aguarda ser escolhida. Prefere influenciar a escolha, receando comprometer o seu lugar de destaque, caso ceda à liberdade de decisão masculina. Por isso, investe na insinuação e usa-a para rodear sua presa. A insistência vem a seguir, quando não há grande interesse da outra parte em cair em tentação. Alvo de uma emboscada, acaba por se deitar na rede de sedução de Jasmim, experiente em suprir carências afectivas temporárias.
Ao contrário dos cães, os homens não têm faro apurado. Aliás não têm faro nenhum e, como castigo esbarram com Mulheres como Jasmim, hábeis em criar experiências mais traumáticas que prazeirosas.
Este novo género feminino nascido no seio das sociedades modernas, contexto ideal para promover a solidão nas Mulheres emancipadas, fabricou Jasmins que continuam a insistir em provar a força da sua feminilidade e abafar as vozes conservadoras que as rejeitam, por não fazerem o estereótipo da Mulher família. Apesar destas Jasmins pretenderem convencer-se que há outros modelos de felicidade que não passam exclusivamente pela constituição familiar, não acreditam nessa possibilidade porque também elas foram  formatadas a conceber um único modelo que implica comungar a sua Vida com alguém e deixar descendentes directos que, por sua vez, irão confirmar essa mesma inevitabilidade. Todas as Mulheres têm em comum este registo, por mais estudadas que sejam, por mais descomplexadas, por mais desprendidas, por mais viajadas, por mais independentes, por mais autónomas, procuram o companheiro perfeito para apresentar à família, amigos e, principalmente, aqueles que as rotularam de encalhadas. Enquanto isso não acontece, aturam falta de sensibilidade, perguntas inconvenientes, juízos de valor, olhares reprovadores entre outros transtornos.

terça-feira, 1 de março de 2011

Crescimento doloroso



Vera nasceu e cresceu num lar aparentemente saudável e harmonioso. Composto por pai, mãe e dois irmãos mais novos. Quando nasceu, estava tudo programado para a receber. Não havia luxos mas muito amor. Seu pai, preferia ter sido brindado com a nascença de um filho varão mas, pressionado pelas circunstâncias, foi intimado a resignar-se à delicadeza feminina de Vera. A Mãe, acolheu-a nos seus braços e encostou-a a seu peito, impedindo que definhasse por falta de amor. Dividida entre duas atenções, o seu Marido e a sua Filha, Dulce acusa cansaço e esgotamento psicológico. Jorge convoca-a, constantemente, a satisfazer seus caprichos, chantageando-a com a sua infelicidade de pessoa marginalizada e carente de afectos. Mesmo com défice de energias, Dulce não descuida os mimos para com seu marido, receando vir a ser abandonada por falta de dedicação. Sofria com a ideia de perdê-lo e, regressar a casa dos seus pais, onde foi vítima do despotismo de seu pai e conformismo da sua mãe, que nunca se atrevera a defender os filhos da sua maldade. Vinte e dois anos aprisionada naquele ambiente austero, marcado pelo rigor, sem carinho, sem afectos, serviram para calar a dor e mostrar cara boa, em todas as ocasiões, mesmo nas mais ruins. Ainda hoje é assim. Sempre sorridente, sempre simpática, sempre amável, sempre fiel ao seu Mestre, que a resgatou das trevas.
Vera sentia pena da mãe e do seu estado. Revoltava-se com a ingratidão do pai, a sua total falta de reconhecimento, a sua supremacia imposta, a sua insensibilidade, a sua deficiente forma de amar.
Jorge estranhava Vera e não reconhecia nela características suas. Por sua vez, Vera debatia-se com esse profundo distanciamento entre ambos. Ainda hoje, tem dificuldade em integrar-se, por achar-se diferente dos demais. Não admira. Seu pai nunca compreendeu a sua reservada forma de ser, suas opiniões próprias, sua sensibilidade artística, suas preocupações sociais, seus medos, suas inseguranças. Por mais pressão que exercesse para que Vera se adaptasse ao seu modelo rígido de aprendizagem para a vida, mais ela resistia e perdia a confiança em si mesma para crescer à revelia desse modelo de coacção.
Incapaz de restringir-se ao modelo inflexível do pai, chega a duvidar das suas origens e a gerar, uma enorme confusão em torno da sua verdadeira essência. A Mãe procurava acompanhar a filha e ampará-la mas aconselhava-a, repetidamente, a não desafiar seu pai. Afinal Dulce conhecia bem o destempero de Jorge. Cada vez mais inconformada com a intransigência do pai, provoca discussões sem fim, para se fazer ouvir e captar atenção daquela família, que a graça ou a desgraça divina lhe designou. Dulce ficava encolhida a um canto e sem se manifestar, assistia aos desentendimentos dos dois. Certo e sabido é que Vera nunca podia contar com a Mãe nestas ocasiões. Dulce era a aliada número um de Jorge. Vera isolada, defendia-se como podia, arremessando suas razões mas, no final, recolhia-se arrasada com seus sentimentos remexidos. Foram tantos episódios dramáticos. Tantas perdas de tempo. Tantas desconsiderações. Tantas penalizações emocionais. Tantas interrupções bruscas do seu discurso. Tantas as desilusões. Tantas vezes procurou apoio e foi-lhe negado pela mãe, que com a sua passividade acreditava prolongar a longevidade do seu casamento. A solidão instalou-se e não tinha data anunciada para retirar-se. Os poucos amigos que foi acumulando, ao longo do seu percurso escolar, nunca suspeitaram do seu drama interior. Era algo difícil de verbalizar e mais difícil ainda de viver. A presença deles faziam-na esquecer-se das brigas com o pai e da revolta, por persistir na crença de vir a ser amada do jeito que merece. Incomodava-a, principalmente, o seu apreço pelo pai, por quem sentia carinho apesar de não ter motivos para isso.
Quando era apresentada aos pais das suas amigas, não conseguia dissociar-se da imagem de patinho feio, cujo pai era o principal responsável.
Os anos passaram. O liceu ficou para trás. Seguiu-se a faculdade, o choque com a realidade, novos colegas, novas amizades, outras competências, novas responsabilidades, a saída de casa, a independência, o peso do passado, a força do presente, a indecisão sobre o futuro, a necessidade de companhia, companheirismo, afecto, compreensão, aceitação, vida em conjunto, compromisso, consumições, cobranças, planos para o futuro, amadurecer e conviver com o que não podemos mudar. Vera continua a debater-se com batalhas interiores profundas, mas isso não a impediu de dar passos no seu crescimento pessoal e esbater a marca do passado doloroso e infeliz, do qual ela continua a defender-se.
Quem sabe um dia, Vera venha a ser o orgulho de si mesma e deixe de crescer com a mágoa de não ter sabido agradar seus pais e o mundo inteiro.

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...