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sábado, 26 de fevereiro de 2011

Só se recupera o que nunca esteve perdido


Vera estava na iminência de ingressar no clube das divorciadas, após um casamento de quinze anos, atropelado por uma traição sem significado mas uma traição, que ela tem dificuldade em contornar, muito menos esquecer. Miguel escorregou na fragilidade masculina e cedeu aos convites, cada vez mais insistentes, da sua colega de trabalho, para em conjunto, fora de horas, dedicarem-se àquele processo exigente, que implicaria a sua ascensão na carreira. Os seus encontros foram-se tornando recorrentes, sempre com um pretexto estritamente profissional, só que a vontade de estarem juntos era crescente e prolongava-se pela noite dentro. Os olhares que ambos trocavam sem desviar, marcados pelo desejo de se possuírem sem culpa, anunciavam o inevitável, que acabou por acontecer. Ela deu o mote e ele, acompanhou seu ensejo. Dito assim até parece que ele apenas quiz ser cavalheiro e não contrariar os desejos de uma Mulher com necessidades. Cansado da rotina familiar, que inclui inúmeras tarefas, que se repetem e o ocupam sem sinal de abrandamento, acaba por relativizar o seu ambiente familiar, a sua relação com Vera e descobrir em Rute, a novidade, a oportunidade de testar se a sua capacidade de sedução ainda funciona, a fonte do prazer com pecado, a mulher livre e desimpedida, que não aprendeu a cobrar porque também nunca viveu modelos de relação longos. O mais curioso é que Miguel sempre se esbarrara com Mulheres no seu quotidiano e nada aconteceu mas com Rute, foi diferente. O seu carácter manipulador convenceu-o a libertar-se da sua rigidez, esquecer o que pode estar a comprometer, embarcar numa aventura sem arrependimento e gozar de uma felicidade momentânea e fugaz.
O que Miguel não sabia é que as Mulheres são excelentes técnicas de cruzamento de dados e Vera veio a descobrir a sua traição, através da sua amiga Maria, que é cunhada de João, irmão de Bernardo, seu marido, que namora com Débora, a nutricionista de Rute, com vocação de beata, que sem ética, espalha os desabafos confidenciais das suas pacientes, que regulam a sua silhueta, quase sempre para agradar o sexo oposto e fazer inveja às suas rivais. Sem saber, Rute foi tramada pela sua vaidade feminina que a instigou a pronunciar-se sobre  o seu romance secreto com Miguel, sem nunca suspeitar da propagação que tal desatino iria provocar nas suas Vidas. Maria estimulava a sua curiosidade, cada vez que se encontrava com Débora e rogava-lhe que adiantasse um pouco mais sobre a história desses dois desconhecidos, rendidos ao pecado. Aos poucos, essa história de alguém distante foi-se tornando familiar e Maria identificou Rute como colega de trabalho de Miguel. Sem hesitar, alertou Vera da maldade a que estava a ser vítima, pensando estar a defendê-la do sofrimento.
Vera entrou em negação. Inicialmente, não quiz encarar o problema e remeteu-se ao silêncio interior, perscrutando uma resposta para o que estava a acontecer-lhe. Seguiu-se a revolta embrulhada em dor, que não conseguiu calar por muito tempo. Esperou mais uma chegada tardia de Miguel para  o confrontar com a descoberta da sua traição. Ainda Vera não tinha começado o interrogatório e Miguel já se defendia atrapalhadamente das acusações de traição. Desesperada com a constatação do drama familiar que iria ter que enfrentar, fecha-se na casa de banho de serviço e liberta a tensão acumulada, num choro compulsivo, que deixa Miguel em pânico e, pela primeira vez, consciente do cadafalso em que se enfiou. Desnorteado, decide abandonar o palco de guerra e procurar serenidade para reflectir nas consequências dos seus actos e achar uma forma de reparar o estrago. Vera está decidida a esquecer Miguel, erradicá-lo da sua Vida, apagar o passado bom e castigá-lo pelo que fez. Miguel está resignado a aceitar a decisão de Vera, seja ela qual for, mesmo não acreditando ser esse o destino natural  de uma relação promissora. Pensava ele que as promessas desfeitas podiam dar lugar a outras com outro desfecho. Pensou mal.
Maria foi considerada por Miguel a sua inimiga nº1 e a responsável pelo fim do seu casamento, inferiorizando o seu acto de Sultão sem trono. Vera não consegue desculpabilizá-lo do seu acto mas também não consegue deixar de o amar e suspira por dias melhores. Mas esses dias não chegam e o processo de divórcio avança rapidamente sem lugar a recuos e arrependimentos.  Finalmente, chega o dia de assinar o acordo que irá afastá-los definitivamente um do outro. Ambos comparecem ao encontro final sem atrasos. Aguardam em silêncio, cada um no seu canto da sala de espera, repassando rapidamente os momentos da sua Vida em conjunto e  a forma inusitada como se conheceram. Curiosamente, conheceram-se na sala de testemunhas de um tribunal para interceder a favor de um caso de adopção. Passados quinze anos, nessa mesma sala, confusos e sem saber comandar as emoções geradas com a ruptura, reparam disfarçadamente um no outro. Vera repara no desleixo de Miguel, que sempre primou na imagem e num look arranjado. Miguel repara no ar cansado e sem vivacidade de Vera, que aparenta ter ganho mais três anos em cima. Sem conter, Vera interrompe o silêncio e adverte Miguel das nódoas na camisa. Ele ri-se da situação e aproveita para desentalar as saudades desse seu cuidado para com ele. Com os olhos húmidos, Vera não consegue abafar as emoções e vive fortes contradições. Por um lado, quer abraçá-lo e beijá-lo mas por outro quer castigá-lo pelo que a fez passar. Desarmada, deixa-se derreter nos braços de Miguel que a beija apaixonadamente e mostra-se disposto a consultar um terapeuta de casais, para o orientar e sensibilizar para a reabilitação do seu casamento e para a perpetuação da sua felicidade. O tempo será seu aliado no apaziguamento dos tumultos interiores que o crescimento pessoal provoca na adversidade.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Ressentimentos

Saudade do que não podemos recuperar transforma-se numa mágoa que nem sei se o tempo cuidará de curar. A nossa mudança e a daqueles com quem partilhamos sentimentos de cumplicidade, quando descarrilam em sentidos diferentes e antagónicos, comprometem essa ligação e o diálogo é atropelado por ressentimentos, pelo que não conseguimos controlar. O nosso crescimento pessoal assentou em bases distintas causando sensações estranhas, cada vez que nos reencontramos e constatamos que já não temos pontos em comum nem aprovamos a forma como cada uma conduziu a sua Vida. O excesso de confidências, de cumplicidade, de partilha, de proximidade, de envolvência, atribuiu-nos um estatuto que sempre fizemos questão de assumir com nossas intromissões, nossas opiniões não solicitadas, nossa participação activa na vida uma da outra, nossa sinceridade, nossa frontalidade, nossa autenticidade, nosso excesso de amor, nossas cobranças, nosso acompanhamento incondicional. Apesar de sempre termos apreciado a presença uma da outra em todos os momentos da nossa Vida, nossos egos entretanto conquistaram sua indepedência, destituíndo-nos do nosso papel de orientadoras pessoais. Anos de destaque foram reduzidos ao lugar de espectadoras da Vida uma da outra, sem opção de escolha. Nossas decisões, nossas escolhas, nossas relações, nossa maneira de estar, nossos compromissos, nossas referências, nossos objectivos, nossos desejos, nossa projecção do futuro, nossa percepção, não são mais bem vistas, nem apreciadas e magoa demais encarar essa nova realidade e aceitá-lo como algo permanente e definitivo. Conviver com essa ausência de afecto e compreensão, por parte de quem sempre amparamos e cuidamos, para que não se magoasse por acharmos ser mais frágil que nós e, por quem nos sentimos responsáveis, porque foi assim que nos ensinaram a amar, arrasa connosco.
O que também arrasa são as ofensas verbais, arremessadas como tentativa de defesa daquilo que não suporta ouvir e reconhecer que possa estar errada. Essa fragilidade remete para um sentimento de inferioridade do qual eu nunca me apercebi, mesmo estando por perto. Algo a fez acreditar que sempre nos compararam, mostrando mais preferência por mim e, por isso, eu devo ser culpada pelo seu infortúnio, pela sua tristeza, pela sua infelicidade e pelo constrangimento tantas vezes experimentado.  De certa forma, eu sou sua inimiga por achar que eu me aproveitei dessa condição em que me colocaram, cada vez que estabeleciam uma comparação. Sem saber embarquei em sentimentos de culpa e medo de vir a perdê-la por atitudes de terceiros que a pudessem magoar e atirar para o fundo do poço. Sem querer estraguei nossa relação, fragilizando-a com a minha super protecção e apoio incondicional, tendo servido vezes e vezes sem conta de seu guru espiritual. Incapaz de reverter a sua auto-vitimização e esgotada com a inconstância do seu ser decidi afastar-me e esperar que ela não se veja mais através de mim. Já não corro em seu socorro nem interfiro em nenhum plano da sua Vida, não promovendo assim a comparação das nossas Vidas e a sua comiseração. Entretanto, procuro  recuperar a serenidade perdida e orientar a minha Vida, não em função de alguém que eu cresci a amparar mas, em função de mim e do que eu procuro atrair para a minha Vida. Aos poucos liberto-me da culpa e da ansiedade que a responsabilidade pela reabilitação, que Vida de alguém que amamos nos provoca.    

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...