Gaspar interrompeu as suas férias na Sardenha, para comparecer ao casamento da sua Grande Amiga Ana Diogo, por quem já sentiu um ligeiro arrebatamento amoroso, do qual guarda saudades. Eram muito próximos, impressionantemente parecidos, quase siameses. Tinham a mesma categoria de gostos, menos no que respeita à escolha de parceiros. Nisso destoavam completamente. Gaspar desimpedia o caminho de Ana, ocupando-se das Mulheres canhão e Ana, agradecia-lhe o gesto, entretendo-se com os homens, com talento para arrasar. Ambos marcavam pontos.
A chegada da idade adulta trouxe-lhes algum juízo, que se foi impondo e, aos poucos, afastou-os da diversão inconsequente que os aproximava aos fins de semana na Zona In de todos os vícios. As ausências tornaram-se uma constante, determinando a ruptura do compromisso de se encontrarem e o acordo mútuo de manter contacto, quando a oportunidade surgisse e o interesse também. A partir daí, suas Vidas assumiram rumos mais estáveis.
Os anos passaram por ambos, marcando-os de forma diferente, mas ainda assim não apagou a memória da época que os fez gozar a liberdade para desejar. Porque aproveitaram a disponibilidade para cometer loucuras, numa idade pródiga em rebeldia, hoje sentem que cumpriram sua passagem pela adolescência, sem arrependimento do que desperdiçaram.
Ana é hoje uma Mulher madura, que seduz com sua pele morena, olhos cor de mel, sorriso sadio e uma descomplexada forma de estar. Seu poder de atracção quase atingiu Gaspar e sua fraqueza por mulheres bonitas e de carácter forte.
Desta vez, encontrou-a em sossego, de costas voltadas para a porta, a expiar pela janela os movimentos do staff, responsável pelo evento. Perfeitamente, confortável no seu vestido de cetim cor salmão, definido para realçar sua silhueta de mulher que engana bem a marca do tempo, não se apercebe da presença de Gaspar. Sem a querer sobressaltar, aproxima-se tal qual um intruso cheio de cautelas e, num tom morno e suave, liberta o que toda a Mulher gosta de ouvir mas finge não fantasiar. Estás um espanto!
Ana voltou-se, reconhecendo a voz do seu velho e bom amigo Gaspar, matando seu desejo de o rever. O reencontro foi emocionado, selado com um forte abraço. Lamentaram não se terem reencontrado antes do casamento, para comungarem suas histórias de Vida, mas parece que tudo se conjugou para que tal não acontecesse. Infelizmente, a cerimónia estava prestes a começar e meia hora de intervalo é muito pouco para quebrar com tantos anos de distância. Quando não há alternativa, não se desperdiça a que se tem. Eis uma grande verdade.
Naturalmente que, Ana quiz satisfazer a sua curiosidade feminina e sem rodeios perguntou-lhe se trouxe companhia. Gaspar provocou o silêncio, deixando-a suspensa de interesse, por uma resposta que ele não soube suster por muito tempo, não fosse ela sofrer um ataque histérico desses que atacam noivas ansiosas.
Confirmou a presença de uma companhia mas não revelou sua identidade. Isso era de só menos importância.
Quis saber de Ana e quem foi o responsável pela sua demissão do estado de solteira. Ana sorriu e fez explodir a grande novidade, que mudaria o rumo da conversa. Propositadamente, intranquilizou Gaspar ao soltar o nome do seu futuro marido, sem poupar nos pormenores. Desconfiado das semelhanças entre ele e o seu noivo, deixou-a aprofundar um pouco mais. O pior acabou por ser verbalizado, sem suscitar dúvidas. O seu marido seria Gaspar. Encurralado numa armadilha, desata a agir movido pelo pânico. O choque é grande e a vontade de interná-la compulsivamente é tentadora. Gaspar, sempre habituado a ter opção encara aquele ultimato como o fim da sua liberdade intrinsecamente masculina. De facto, Gaspar antes de reencontrar Ana, estava cabisbaixo com a ideia de perder a sua paixão antiga, que tantas alegrias lhe proporcionou, mas seria demasiado egoísta dissuadi-la daquilo que a fará feliz e que ele jamais saberá corresponder.
Como iria ele demonstrar o seu afecto por ela e convencê-la que não chega, para alimentar uma Vida inteira em comum. Afinal, ele nunca manifestou interesse em casar e ela sempre soube disso. Porque é que insistia em provocá-lo com esse assunto tabu?
Controlando a situação, Ana deixa Gaspar esgrimir as razões que o fazem declinar o convite. Ela esforça-se para não comprometer seu plano tão cruel.
Cansado de lutar contra o silêncio da Amiga, Gaspar prepara-se para abandoná-la à sua própria insanidade e sem mais hesitações, dirige-se para a porta que entretanto se abre, colocando diante de si uma réplica fiel sua, vestida de smoking. Gaspar empalideceu de susto, não acreditando nas parecenças. Já sem humor, exige explicações mas é interrompido pela música de abertura da cerimónia civil que ecoa em todo o recinto, apressando-os a assumir os seus lugares. Entregue à sua confusão mental, Gaspar segue-os. Apesar de atordoado com a sucessão dos acontecimentos, recupera a sua condição de solteirão castiço entre as mulheres. No entanto, sua cabeça lateja por uma explicação. Afinal quem era aquele duplo da sua imagem, que se atreveu a casar com a sua melhor Amiga e, juntamente com ela, troçou do seu estado aflitivo?
Estava a ficar maluco com toda aquela encenação.
Em boa hora abriram o bar, onde ele se barricou para afogar a má digestão de todos os acontecimentos.
