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terça-feira, 1 de março de 2011

Crescimento doloroso



Vera nasceu e cresceu num lar aparentemente saudável e harmonioso. Composto por pai, mãe e dois irmãos mais novos. Quando nasceu, estava tudo programado para a receber. Não havia luxos mas muito amor. Seu pai, preferia ter sido brindado com a nascença de um filho varão mas, pressionado pelas circunstâncias, foi intimado a resignar-se à delicadeza feminina de Vera. A Mãe, acolheu-a nos seus braços e encostou-a a seu peito, impedindo que definhasse por falta de amor. Dividida entre duas atenções, o seu Marido e a sua Filha, Dulce acusa cansaço e esgotamento psicológico. Jorge convoca-a, constantemente, a satisfazer seus caprichos, chantageando-a com a sua infelicidade de pessoa marginalizada e carente de afectos. Mesmo com défice de energias, Dulce não descuida os mimos para com seu marido, receando vir a ser abandonada por falta de dedicação. Sofria com a ideia de perdê-lo e, regressar a casa dos seus pais, onde foi vítima do despotismo de seu pai e conformismo da sua mãe, que nunca se atrevera a defender os filhos da sua maldade. Vinte e dois anos aprisionada naquele ambiente austero, marcado pelo rigor, sem carinho, sem afectos, serviram para calar a dor e mostrar cara boa, em todas as ocasiões, mesmo nas mais ruins. Ainda hoje é assim. Sempre sorridente, sempre simpática, sempre amável, sempre fiel ao seu Mestre, que a resgatou das trevas.
Vera sentia pena da mãe e do seu estado. Revoltava-se com a ingratidão do pai, a sua total falta de reconhecimento, a sua supremacia imposta, a sua insensibilidade, a sua deficiente forma de amar.
Jorge estranhava Vera e não reconhecia nela características suas. Por sua vez, Vera debatia-se com esse profundo distanciamento entre ambos. Ainda hoje, tem dificuldade em integrar-se, por achar-se diferente dos demais. Não admira. Seu pai nunca compreendeu a sua reservada forma de ser, suas opiniões próprias, sua sensibilidade artística, suas preocupações sociais, seus medos, suas inseguranças. Por mais pressão que exercesse para que Vera se adaptasse ao seu modelo rígido de aprendizagem para a vida, mais ela resistia e perdia a confiança em si mesma para crescer à revelia desse modelo de coacção.
Incapaz de restringir-se ao modelo inflexível do pai, chega a duvidar das suas origens e a gerar, uma enorme confusão em torno da sua verdadeira essência. A Mãe procurava acompanhar a filha e ampará-la mas aconselhava-a, repetidamente, a não desafiar seu pai. Afinal Dulce conhecia bem o destempero de Jorge. Cada vez mais inconformada com a intransigência do pai, provoca discussões sem fim, para se fazer ouvir e captar atenção daquela família, que a graça ou a desgraça divina lhe designou. Dulce ficava encolhida a um canto e sem se manifestar, assistia aos desentendimentos dos dois. Certo e sabido é que Vera nunca podia contar com a Mãe nestas ocasiões. Dulce era a aliada número um de Jorge. Vera isolada, defendia-se como podia, arremessando suas razões mas, no final, recolhia-se arrasada com seus sentimentos remexidos. Foram tantos episódios dramáticos. Tantas perdas de tempo. Tantas desconsiderações. Tantas penalizações emocionais. Tantas interrupções bruscas do seu discurso. Tantas as desilusões. Tantas vezes procurou apoio e foi-lhe negado pela mãe, que com a sua passividade acreditava prolongar a longevidade do seu casamento. A solidão instalou-se e não tinha data anunciada para retirar-se. Os poucos amigos que foi acumulando, ao longo do seu percurso escolar, nunca suspeitaram do seu drama interior. Era algo difícil de verbalizar e mais difícil ainda de viver. A presença deles faziam-na esquecer-se das brigas com o pai e da revolta, por persistir na crença de vir a ser amada do jeito que merece. Incomodava-a, principalmente, o seu apreço pelo pai, por quem sentia carinho apesar de não ter motivos para isso.
Quando era apresentada aos pais das suas amigas, não conseguia dissociar-se da imagem de patinho feio, cujo pai era o principal responsável.
Os anos passaram. O liceu ficou para trás. Seguiu-se a faculdade, o choque com a realidade, novos colegas, novas amizades, outras competências, novas responsabilidades, a saída de casa, a independência, o peso do passado, a força do presente, a indecisão sobre o futuro, a necessidade de companhia, companheirismo, afecto, compreensão, aceitação, vida em conjunto, compromisso, consumições, cobranças, planos para o futuro, amadurecer e conviver com o que não podemos mudar. Vera continua a debater-se com batalhas interiores profundas, mas isso não a impediu de dar passos no seu crescimento pessoal e esbater a marca do passado doloroso e infeliz, do qual ela continua a defender-se.
Quem sabe um dia, Vera venha a ser o orgulho de si mesma e deixe de crescer com a mágoa de não ter sabido agradar seus pais e o mundo inteiro.

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Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...