Um quarto vazio, apenas um telefone ligado à ficha, acompanhado por uma lista telefónica, uma janela de postigo gradeada, um cheiro fétido a humidade entranhada, um relógio de parede a marcar o peso do silêncio, um homem curvado, esconde a cara entre os joelhos e luta com pensamentos ruins. Tudo à volta é triste e desolador. Parece que a esperança morreu ali.
O telefone toca e quebra o silêncio profundo, despertando a mudez do homem, que sem esforço, num único movimento, alcança o auscultador e num tom de voz impessoal, responde ao seu interlocutor, que lhe confia uma ordem de comando. Obediente e decidido, abandona o buraco húmido e sebento, para cumprir mais uma missão que o graduará na especialidade do Mal, que contamina o Mundo.
Convenceram-no de que era má pessoa, só porque tropeçara nalguns erros de percurso e, por isso, fora programado a cometer atrocidades, para gáudio dos seus educadores. Alfabetizaram-no para o mal, deram-lhe um rumo, traçaram-lhe um destino, atribuíram-lhe uma Vida, integraram-no e ele só tem que ser grato e obedecer sem questionar. Ensinaram-no a crescer na escuridão e a defender-se às cegas. O medo, com o qual conviveu so many times in so many ways, preparou-o para agir com frieza e muito método, aperfeiçoando a sua técnica de assassino profissional. A sua experiência leva-o a inspirar-se no medo e atingir os seus objectivos com muita determinação, sem se desviar do seu compromisso para com os seus orientadores. Nas suas missões, não há lugar a empolgações, nem excessos de vedetismo, que comprometam a perfeição do acto em si e venham a abrir fendas, por onde se esgueiram as vontades próprias, de quem não se soube controlar e arriscando catastrofizar o momento.
Não há desvios, não há hesitações, não há recuos, não há remorso, não há adiamentos, não há precipitações, não há desperdícios, não há erro.
Este homem verga-se à perfeição e trabalha-a compulsivamente. Dentro da sua desconstrução mental, a busca da perfeição é o único traço de normalidade que nele podemos vislumbrar. Tudo o resto são distúrbios.
Age isoladamente. A companhia só o faz distrair-se das suas prioridades. A sua maior defesa é não manifestar-se em absoluto sobre coisa alguma e assim passar despercebido. A sua capacidade de parecer invisível arrecadou-lhe bons serviços e a confiança da sua clientela fiél.
Apesar de ainda não ter perdido a habilidade e perícia de sniper, teme ser vítima da perda de defesas, consequência do avanço da idade. Não se encara num lar para idosos, a limpar a sua carabina, que tantas baixas provocou. Nem se encara a socializar com os velhinhos incontinentes de pantufas e roupão.
Se calhar quando essa fase chegar, regressa ao buraco húmido e ordena ele próprio a sua morte.
