Uma personalidade a quatro tons é assim que Vítor retrata a sua irmã Noémia. Há o tom bem disposto e bem humorado, depois há o tom triste e depressivo. Há também o tom irado e intolerante e, por fim, o tom zen, que a remete para outra galáxia, distante da terra e da sua órbita. Noémia transita de tom facilmente e de forma imprevista, sem que haja tempo, para suas companhias do momento, se prepararem para acolher seus múltiplos e variados estados de espírito. Todos eles são excessivos, cada um dentro do seu género. Que o diga Vítor, que convive de perto com as mutações da sua irmã caçula. O que resiste a uma convivência algo tumultuada é o Amor, que ambos nutrem um pelo outro e que se expressa de uma forma contraditória, aos olhos de estranhos, que não aprenderam a aprofundar o imenso mundo das emoções.
Noémia foi a última e derradeira oportunidade de seus pais aperfeiçoarem a beleza, estandarte da família Moreira, que se desvaneceu com o nascimento de Vítor e Eliseu. Dois rapagões saudáveis mas com cara de Dustin Hoffman. Quem veio salvar o gene bom do clã foi Noémia, com seu porte elegante e suas feições delicadas, que escondem bem sua retorcida forma de ser. Sua ligação com Vítor é bem mais forte do que com Eliseu, que se recusa a aturar seus desvarios repentinos. Gosta de Eliseu mas é de Vítor que ela sente falta quando tem suas recaídas.
Vítor sempre lhe emprestou seu tempo de qualidade. Bom ouvinte e Melhor Amigo, tornam-no alguém muito especial para Noémia.
Vivem todos juntos, na casa dos pais, que os cercam de mimo e afecto, dissuadindo-os de trabalhar sua autonomia e independência noutro lugar. Aceitam sem reservas todos os caprichos dos seus meninos só para os ver felizes e, principalmente, junto a eles. No entanto, Vítor está determinado a abandonar a casa onde reina a facilidade, que o poupa de consumições e o liberta para se dedicar ao que mais gosta. O motivo que está na base de uma decisão tão definitiva é a sua nova namorada Ligía. Ao contrário de Vítor, Ligía tornou-se independente muito cedo, pressionada pela instituição donde saiu aos dezassete anos, sem garantias de nada e entregue a si mesma. Sua inserção não foi fácil nem isenta de sofrimento. Batalha após batalha desafiou o seu destino condenado ao infortúnio e é hoje médica estagiária no Hospital do Prado, onde foi largada à vinte e cinco anos atrás por uma mãe em apuros. Nunca soube seu verdadeiro nome? A Directora da insituição que a acolheu decidiu chamar-lhe assim. Sem opção, Ligía ficou e hoje até se identifica bem com o nome que lhe foi atribuído.
Apesar de ter ultrapassado vários obstáculos quase insuperáveis, nenhum deles a tinha deixado tão ansiosa e nervosa quanto este que estava prestes a enfrentar. Iria ser apresentada à Família de Vítor e ser alvo da sua aprovação. Estava em pânico. Infelizmente, nunca privara com nenhum conceito de família e por não ter tido nenhuma que lhe servisse de exemplo, o embaraço era maior. Para além disso, eles iriam acusá-la de ter provocado a saída precipitada de Vítor. Mas pior que isso seria a reacção de Noémia, tão dependente de Vítor. Se não o amasse tanto, teria desistido antes mesmo de ter tentado uma aproximação. O cenário não se apresentava fácil nem harmonioso.
Pela primeira vez ficará a saber como são os almoços de domingo em família, que ela tantas vezes ouviu seus colegas de escola comentar com enfado e que hoje, teria a oportunidade de experimentar e, quem sabe até gostar. Tantas novidades num só dia para processar, provavelmente, iriam esgotá-la.
Vítor aguardava por ela no seu carocha amarelo dos anos setenta, herança bem estimada do seu avô Gaspar. Sem pressas, desceu a escadaria de mármore, ganhando algum tempo para se mentalizar para o encontro com os Moreira.
Com ar satisfeito e livre de preocupações, Vítor recebe-a com um sorriso, desimpedindo alguma tensão instalada. Mentalmente, Ligía tentava fabricar um diálogo de boas vindas que a inserisse num contexto tão diferente daquele que foi instigada a crescer. À espera deles no alpendre, estavam os quatro, dispostos numa espécie de barreira fechada, prontos a disparar sua simpatia forçada. Escoltada por Vítor, Ligía foi-se aproximando e apresentando-se a cada um deles. Conforme suspeitava, Noémia recebeu-a sem grande apoteose. Eliseu limitou-se a ser cordial. O Sr Alberto foi mais além e abraçou-a com veemência. Curiosamente, a Srª Elisa agarrou-a nos braços firmemente, fixou-a insistentemente e entrou em estado de choque, bloqueando qualquer manifestação de hospitalidade. Sem nada entender, Ligía fica incomodada e beija-a apressadamente nas faces e agradece o convite para almoçar, libertando-se das suas garras. Ainda sem reacções, a mãe de Vítor parece ter-se reencontrado com seu passado fantasma. Ligía ressuscitou algo que nunca ficou esquecido. Desenterrá-lo era demasiado doloroso mas as evidências estavam diante dos seus olhos, e não a deixavam desmentir a Verdade. Ligía é a filha que ela rejeitou, porque lhe faltou coragem para lutar sozinha contra o estigma de Mãe solteira e marginalizada.
Pela primeira vez ficará a saber como são os almoços de domingo em família, que ela tantas vezes ouviu seus colegas de escola comentar com enfado e que hoje, teria a oportunidade de experimentar e, quem sabe até gostar. Tantas novidades num só dia para processar, provavelmente, iriam esgotá-la.
Vítor aguardava por ela no seu carocha amarelo dos anos setenta, herança bem estimada do seu avô Gaspar. Sem pressas, desceu a escadaria de mármore, ganhando algum tempo para se mentalizar para o encontro com os Moreira.
Com ar satisfeito e livre de preocupações, Vítor recebe-a com um sorriso, desimpedindo alguma tensão instalada. Mentalmente, Ligía tentava fabricar um diálogo de boas vindas que a inserisse num contexto tão diferente daquele que foi instigada a crescer. À espera deles no alpendre, estavam os quatro, dispostos numa espécie de barreira fechada, prontos a disparar sua simpatia forçada. Escoltada por Vítor, Ligía foi-se aproximando e apresentando-se a cada um deles. Conforme suspeitava, Noémia recebeu-a sem grande apoteose. Eliseu limitou-se a ser cordial. O Sr Alberto foi mais além e abraçou-a com veemência. Curiosamente, a Srª Elisa agarrou-a nos braços firmemente, fixou-a insistentemente e entrou em estado de choque, bloqueando qualquer manifestação de hospitalidade. Sem nada entender, Ligía fica incomodada e beija-a apressadamente nas faces e agradece o convite para almoçar, libertando-se das suas garras. Ainda sem reacções, a mãe de Vítor parece ter-se reencontrado com seu passado fantasma. Ligía ressuscitou algo que nunca ficou esquecido. Desenterrá-lo era demasiado doloroso mas as evidências estavam diante dos seus olhos, e não a deixavam desmentir a Verdade. Ligía é a filha que ela rejeitou, porque lhe faltou coragem para lutar sozinha contra o estigma de Mãe solteira e marginalizada.