segunda-feira, 21 de abril de 2014

Pepita e sua Maldição


Pepita Cardo riscou aquele soalho flutuante, tantas e tantas vezes, num corrupio incessante. Em silêncio se confessava e em silêncio se retirava novamente, para mais tarde voltar. Aqueles exíguos metros quadrados de espaço guardavam segredos, abafados por paredes duplas de gesso, cobertas de memórias, pensamentos, histórias de vida, retratos, recordações, vestígios de uma passagem prolongada. Aquele espaço era bem mais que uma cela era o seu refúgio sagrado com entrada restrita. Nele criava os seus disfarces, ensaiava o seu papel para aquela noite e preparava os diálogos com os quais pretendia enrolar suas vítimas, nunca agia da mesma forma para não perder eficácia. O mais importante era nunca perder o contole da situação e dominar para conquistar. O que mais a excitava era a sensação de poder que lhe dava mais do que convertê-los aos seus caprichos. O medo nos olhos das suas vítimas, levavam-na ao rubro e a uivar de satisfação. Os melhores eram aqueles que imploravam para que os poupasse da sua diversão com requintes de malvadez.
Estudava ao pormenor os seus peões, seus percursos de vida, seus princípios, suas personalidades, suas maneiras de estar, seus passos, seus vícios, seus pontos fracos e principalmente suas falhas de carácter. Quanto mais imperfeitos fossem maior seria a probabilidade de caírem na sua rede de perigosa sedução. Certamente, poucos iriam chorar suas ausências ou guardar boas memórias suas. Esses eram o seu alvo preferido.
Inicialmente, fingia ser ela a corsa perdida na floresta que aceita ser resgatada pelo macho experiente cheio de boas intenções. Raramente falhava. Eles, por sua vez, sentiam-se esperançosos, vulneráveis, ansiosos e confiantes de que estavam em vantagem, inconscientes do perigo em que poderiam incorrer.
Poucos a surpreendiam. Na verdade, era mais ela a surpreendê-los. Aliás esse era o grande objectivo.
Todas as noites repetia o mesmo ritual que a poderia levar a ser candidata de um óscar, caso se tratasse da cena de um filme, onde ela participasse como protagonista, tal era a dimensão da sua capacidade de iludir e convencê-los das suas personagens. A sua escola foi a Vida amarga que levou e da qual nunca recuperou. Alguém tem de pagar. Pagam aqueles que reproduzem a imagem dos fantasmas do seu passado e que para ela valem muito pouco enquanto pessoas.
Com o tempo, o seu distúrbio foi-se intensificando em vez de enfraquecer. As suas iniciativas não contribuem para a sua recuperação. Pelo contrário, fazem crescer ainda mais a raiva e a vontade de castigar aqueles que descendem em carácter e atitudes do causador da sua bipolaridade.
Desse já não reza a história. Tropeçou tantas vezes no seu caminho que acabou por morrer nesse mesmo trajecto. Desta vez tropeçou mas não se levantou mais. Morte ocasional. Assim se rematou o caso sem levantar suspeitas.
Desde esse dia Pepita Cardo insiste em querer matar a imagem do seu agressor vezes e vezes sem conta, que apesar de morto, continua bem vivo e amaldiçoando sua vida.

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Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...