quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Casco encalhado

O que necessitava ouvir nunca foi dito e o que precisava desabafar nunca chegou a ser solto. Ambos  amordaçaram os seus sentimentos e deixaram que eles se convertessem em mágoas profundas. Foram convivendo. Ora bem ora não tão bem, com intervalos cada vez mais curtos, nem sequer chegavam a distinguir a sua passagem. Parecia tudo igual, nem os cenários mudavam.
Ele tentando-a convencer da sua invulgar sensibilidade e Bianca desvalorizando suas apregoações.
Algo contaminou a compreensão que tinham um do outro e provocou esse distanciamento não intencional, porém real e incómodo. Ele dizia-se tão sensível mas nunca se mostrou disponível para conversar com Bianca e entendê-la sem julgar. Das raras vezes em que estavam a sós preferia falar a ouvi-la e o tema não mudava e sempre que Bianca tentava desviar recebia vários carimbos, que não lisonjeavam a sua pessoa. Bianca esbarrava sempre num muro alto vedado, que mesmo numa relação privilegiada como a deles e que deveria resultar numa união harmoniosa, preferia dominar. Quer ser sempre a figura dominante. As suas apreciações usualmente discriminatórias comprovam a  sua rejeição. Suas palavras são letais. Seus gestos uma raridade. Foram tantas as ocasiões e as oportunidades para escapar do seu ego mas nenhuma foi superada.
Bianca apesar de ter nascido noutra geração sabe atribuir importância às pessoas, principalmente aquelas que com ela estabelecem uma forte ligação. Essas são as que hão-de permanecer sem reservas.
Bianca pensava sempre errado, agia mal, ajuizava mal, dramatizava demais, interpretava mal os outros, devia ser mais grata, devia comer e calar, devia abafar sua maneira de ser para não agitar os acomodados e acostumados a aceitar injustiças e gente dissimulada. Tudo o que ela devia ser não é.
Há quem se intrigue com pessoas que agem de acordo com o que pensam e não de acordo com o que podem suscitar nos outros. Bianca pertence a essa categoria dos que não usam artefactos para agradar e quando gostam sentem admiração.
Ele carece de atenção não de Amor. Os outros são demasiado importantes e movimentam opiniões que funcionam como vidas para acumular progressos no Candy Crash da Sua Vida.
É uma relação não evolutiva a deles.
Oxalá Bianca consiga libertar-se do peso dessa evidência e aceitar essa pobreza de Amor.





domingo, 12 de outubro de 2014

Pressão positiva

Atingir os objectivos, manter o emprego, destacar-se, ignorar invejas,  atualizar-se, procurar mais conhecimento, conquistar vitórias, estar atento à concorrência, motivar-se diariamente, renovar-se, sair da zona de conforto, responder a todas as solicitações, quer no emprego, quer na família, quer nas relações sociais, quer nas relações conjugais, quer nas relações de amizade, é muita pressão. Como é que querem escapar ao stress. É impossível. Acumulamos demasiados compromissos.
Essa correria retira-nos alguma sensibilidade e capacidade de enxergar para além do óbvio e, por conseguinte, compreender melhor. Se tivéssemos oportunidade de abrandar e até parar para assistir a um apanhado de slides da nossa Vida, iríamos estranhar certos comportamentos em nós. Que pessoa é aquela que ali está? Iríamos interrogar-nos. Somos movidos por forças externas, por pressões várias, que testam a nossa resistência, a nossa escala de valores, o nosso núcleo duro de princípios, o nosso carácter, a nossa verticalidade. Certamente nem todos terão uma boa imagem nossa, até porque nem todos se regem pelos mesmos padrões. Os que nos compreendem seguramente terão boa imagem de nós e não serão necessários esforços alguns para os agradar. Isto num plano pessoal e informal. No plano estritamente formal temos de construir confianças, acreditação no nosso valor, respeito e colocar nossa vida privada num patamar seguro, resguardado de comentários livres. Não falo de mim nem deixo que falem por mim. Esse é o truque.
Os livros abertos perdem interesse e nunca chegam a sair da prateleira, revelam de mais. O carácter de intocabilidade dado à qualidade daqueles que são discretos cria curiosidade e interesse. Não se escondem mas jamais se expõem indiscriminadamente. Nem todos são dignos dos seus desabafos ou partilhas.
Ouvir e guardar silêncio ajuda a ajuizar melhor. Gralhas, é fugir delas. Poluem o ambiente de tão barulhentas e incómodas que são.
Nunca nos esqueçamos dos nossos papéis principais, do que queremos preservar nas nossas Vidas, daqueles que nos apoiam, do nosso percurso até aqui, do tanto que ainda podemos fazer e dos exemplos que queremos deixar como legado.
O facto de nos cruzarmos com seres desalmados ou sem alma não implica que nos convertamos a essa mesma condição. Vivemos num mundo de diferenças.
E a pressão existe para criar continuidade, imprimir andamento, dinâmica, promover diferentes capacidades, para comprovar eficácias e agir. As decisões criam pressões. As escolhas criam pressões. As opções criam pressões. As falhas criam pressões. As Competências criam pressões. As expectativas criam pressões. Os outros criam pressões. A vontade cria pressão. Pressão positiva que nos prende à Vida e ajuda a criar nossa própria história. 
Marcas da nossa passagem havemos de deixar, cuida para que honrem a tua pessoa.



Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...