terça-feira, 22 de novembro de 2011

Sem Arrependimentos



Vanda conheceu um anjo que não é alado. Não tem nome de anjo nem cara de anjo mas é um anjo. Não caiu do céu mas aterrou na terra junto a si e pousou na sua Vida. Ele surgiu para atender a um apelo seu e até hoje não falhou sua missão. Ela agradeceu.
Seu sorriso acolheu-a instantâneamente e Vanda rendeu-se, sem questionar suas intenções. Sentia-se carente, frágil, desanimada, desprotegida e sedenta de alguém que a compreendesse, a aceitasse, a mimasse e a elegesse para sua melhor companhia. Quando estava prestes a desistir de encontrar a sua salvação, eis que surge no seu caminho Gustavo. Não vinha num cavalo branco mas comandava um porshe carrera branco, oferta do seu papá, que não se inibe de esbanjar-lhe afectos caros. Afinal o anjo não veio do céu, nem em silêncio. Veio por terra e não poupou na buzina, quando viu Vanda desfilar no passeio de acesso ao cais de Gaia. Ela nem se incomodou com o som da buzina, tão concentrada que estava nos seus pensamentos cheios de amargura. Gustavo não se deu por vencido e voltou a insistir, até resgatar a sua atenção. Só quando a vizinhança mostrou desagrado com sua insistência, foi então que Vanda se moveu na sua direcção e incrédula, mostrou-se inibida com tamanho aparato. Assim que ela cruzou seus olhos com os dele, Gustavo arrancou satisfeito, sem nada dizer. Atordoada com aquele episódio caricato, refugia-se na esplanada e distrai-se com um livro de bolso, cujo tema nada tinha de animador " Vidas sem sentido". O esforço para se concentrar resultava inútil, logo após ter sido alvo daquela cena mediática, digna de uma novela em horário prime time, daquelas cujo o enredo nunca mais acaba e arrasta legiões de seguidores. Quem seria aquele sujeito? O que ele teria visto em si para suscitar uma exibição tão histriónica? Teria ele a confundido com alguém? Teria ele algum distúrbio comportamental?
Uma infinidade de perguntas, sem miragem de resposta.
Em boa verdade se diz que há muito mais que nos desanime do que aquilo que nos anima, principalmente quando nossa moral está tão em baixo. Vanda sentiu-se a chacota da rua e sem jeito, retirou-se sorrateiramente para o canto mais fundo da esplanada, longe daquele tumulto.
Estava ela em sossego, revirando as páginas do seu melhor recurso à solidão, quando se apercebeu da vontade resoluta de aproximação, de um indivíduo, de sorriso castiço, elegantemente vestido, transbordando sexappeal e assustadoramente confiante e que convicto, caminhava na sua direcção. Vanda estremeceu, quando ele tomou o lugar junto ao dela, sem sequer ser convidado. Que ousadia pensou ela.
Antes que Vanda se manifestasse, Gustavo adiantou-se e expôs sem hesitações o motivo da sua invasão.
Não conhecia Vanda mas tinha muita vontade em conhecê-la. Seus gestos, sua postura, seu ar cabisbaixo intrigaram-no. Uma Mulher tão bonita quanto ela entregue à solidão é sacrilégio.
Sua tristeza tocou-o e fê-lo agir daquela maneira tão insana e despropositada. Algo o intimou a agir. Reconheceu seu erro em expô-la daquela maneira mas assim que a viu, algo o magnetizou. Apenas a procurou para expressar o conjunto de sentimentos inusitados que ela acabara de lhe provocar e manifestar o seu desejo em manter com ela uma relação de proximidade. Era um sinal inequívoco de que ambos estavam predistinados.
Vanda ouviu-o atentamente e interiorizou suas palavras tocantes.
Pensou em arrumar com o assunto, negando-se a qualquer tipo de contacto e seguir com a sua Vida sem aromas. Porém, a tentação de testar o futuro de uma combinação entre ambos ressoava na sua cabeça.
Racionalizar ou Enlouquecer? Evitar ou Arriscar?
Apesar das suas palavras não combinarem com suas atitudes desvairadas e assumirem uma estrutura mais lógica e racional, não chegavam para ganhar total coerência e convencer Vanda. Se o deixasse partir, jamais saberia no que poderia resultar entre os dois. Se o acolhesse e aceitasse investir em algo inconsistente, podia resultar emocionalmente desastroso.
Um dilema destes precisava de mais tempo para ser resolvido.
Confusa e sem tempo, resvala para o desconhecido e escorrega numa relação sem sentido. Com a convivência percebeu que afinal o que parecia ser insano e imprudente pode desencadear em algo marcante e duradouro, tudo depende da nossa predisposição e contribuição para um rumo certo, sem desviar do que é realmente importante.
Bem se vê que os Finais Felizes mudaram de paradigma e de padrão. Nem sempre o que começa incerto acaba mal e nem sempre o que começa certo acaba bem. Não há certezas apenas boas e más intuições. A consistência trabalha-se.



   

domingo, 20 de novembro de 2011

APELO Á INCLUSÃO

Tudo começou com um olhar, na minha direção. Um olhar ameaçador e insistente, que atrasou o meu destino e me atirou para o abismo do Mal. Não reagi, com medo de descarregar sobre mim o ódio do inimigo impiedoso. Sofri calado, todas as ofensas, insultos, agressões, humilhações, castigos e desonras. Morri por dentro para anestesiar a dor e esqueci o meu nome, para não guardar memória de mim, naquele cenário de horror que continua a atormentar os meus dias.
Pouparam-me a vida, só porque estava na iminência de me entregar nas mãos dos párias da morte. Quando supliquei, não cederam. Quando caí indefeso no vazio, abandonaram-me sem remorso.
Não medi forças, nem cruzei meu olhar com o deles, para não ofender suas sensibilidades xenófobas. Só não consegui esconder quem sou, e foi precisamente isso, que os ofendeu. Minha imperfeição quase me matou e fez-me rastejar por ajuda, que não bastou para me consolar, nem tão pouco para me explicar porque é que o mundo é assim tão cruel e porque, arrasou com a minha felicidade.
Ainda continuo a ouvir as vozes da exclusão a ecoarem bem alto na minha cabeça, alertando-me de todos os perigos que ensombram o meu caminho. Vivo com medo de despertar, novamente, os demónios da incompreensão e cair nas malhas apertadas da intolerância.
Cansei de estender a mão em busca da salvação ou do amor pela inclusão, temendo cair mais uma vez na desilusão.
Sou uma minoria asfixiada pelo preconceito, que prolifera com a miséria humana.
Mostra-me que não pertences ao grupo dos que negam hospitalidade à diferença e destoas, de tudo aquilo que empobrece o ser humano, incapaz de acolher através do amor.
Devolve-me a esperança perdida e conduz-me para um mundo melhor, livre destes grilhões sociais que atrofiam as relações humanas.
Aprendi a Crescer na divisão do, Nós e Eles. Eles, são os que nos desprezam, nos querem mal, nos atiram para as profundezas da sociedade, não sabem respeitar-nos, nos rejeitam e condicionam nossa inserção, só porque entenderam que constituímos a ameaça da diferença e Nós, somos a sua erva daninha.
Eu e os que comigo sofrem, aprendemos a encará-lo como algo inevitável e alastramo-lo às gerações vindouras para que cresçam a defender-se da hegemonia social.
Às vezes penso, que histórias do meu passado, posso eu contar aos meus filhos, sem lhes provocar pesadelos? Na verdade, não sobram nenhumas ou muito poucas.
Tentarei mudar o cenário mas sei que eles irão ser confrontados com ele, mais cedo ou mais tarde e eu, nada poderei fazer para lhes poupar o incómodo. O que mais me magoa é saber que eles não merecem, nem é justo expô-los a esta luta de desigualdades.
Não posso desviá-los desses olhares irados que cimentam as discórdias e espreitam em qualquer esquina, como aquela que me retirou a dignidade e arrasou com todos os meus sonhos mas, posso tentar mudar a tua consciência, apelando a que promovas atitudes de inclusão no seio da tua comunidade e as alastres a outras comunidades, a outros contextos e assim possamos construir a imunidade à intolerância.
Não evites alguém só porque ele não faz o teu estereótipo ou perfil. Contraria essa tendência. Aproxima-te, dedica-lhe atenção, esboça-lhe um sorriso, melhora o seu dia e, principalmente, mostra que ele é como tu, digno de Amor. Ganhas tu, ganha ele e ganhamos nós os que seguirmos o teu exemplo.
O retorno é muito maior para quem dá, do que para quem recebe.
As tuas hesitações podem magoar o outro, fazendo-o acreditar que ele é persona non grata e indigno da tua companhia. Não faças as tuas escolhas em função de caprichos egoístas, altamente marginalizadores.
Eu próprio aprendi que, também eu, apesar de ter sido vítima do racismo social, convivia mal com outras minorias e, desdenhava dos seus modos de Vida, julgando-me melhor que eles. Afinal, eu assumia dois papéis. O de vítima e o de opressor.
Eu próprio tive que mudar de paradigma.
Sem nos apercebermos, nossos gestos ou ausência deles podem ofender terceiros e é essa falta de sensibilidade que precisamos trabalhar, para fomentar uma maior proximidade e coesão social. Não contornes o que está diante de ti. Presta atenção. Presta atenção de Novo. Olha melhor. Verás que podes fazer algo por mim, além de te comoveres com a minha história e, no dia seguinte, continuares a contornar-me a mim e a todos aqueles que precisam de um gesto teu, que os relembre que são importantes.
Quem sabe um dia não nos cruzamos numa esquina qualquer e tu consciente deste meu apelo, me reconheças e me abras o teu melhor sorriso e ilumines o meu dia e eu terei todo o prazer em iluminar o teu.
É nesta onda de luz que nossos corações se tocam e a Vida se torna mais leve e manifestamente mais apetecível.
Não previ o que me ia acontecer, nem consegui fugir a tempo e fui apanhado desprevenido, por um grupo de revoltados, que quiseram crucificar-me pelas suas desgraças. Paguei injustamente e, de mil uma maneiras vis. Perdi todos os sentidos e mais um. Perdi todo o sentido da Vida.
Foi um duro golpe, que incapacitou meus movimentos e me retirou a alegria de viver sem obstáculos, a condicionar o meu caminho.
Se és livre para pensar e agir então não te conformes e mostra-me que não estou só nesta empreitada pela inclusão social.

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...