terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Foster Buddy

Patas peludas e aderentes aproximam-se, atravessam minhas pernas e suas inimigas varizes e tombam no chão, de forma retumbante e sonora. Logo ali, temi o pior. Temi a perda do meu lavrador, de pêlo longo e tom nude, presença cativa cá de casa.
Fosterrrrrr, gritei desesperadamente. Nem um som. Aproximei-me, vagarosamente, com receio do choque da confirmação da perda. Afaguei o seu pêlo farto e senti seu batimento e não me pareceu um batimento de despedida. Queres ver que o sacana do bicho está a teatralizar sua morte? Continua imóvel e de olhos fechados, determinado a prolongar sua farsa shakespeariana e fazer-me enlouquecer de dor.
Ainda por cima, escolheu o timing perfeito. Estou, precisamente, a meio de um artigo importantíssimo, com um deadline apertado que, me suga as energias todas e do qual dependo, para garantir a sua e a minha ração no próximo mês. Não quero perdê-lo mas que dirá o meu chefe de redação se lhe disser que estou de luto do meu Foster e, por esse motivo, não me sinto capaz de terminar o Artigo sobre Canaviais. É favor, não gozarem todos ao mesmo tempo. A escrita tem destas liberdades inquietantes. Ela não é seletiva. Ela até se manifesta na divagação sobre a consistência do cocó de um recém nascido, intolerante à abóbora na sopa, num qualquer blogue destinado a Mães aflitas e histéricas.
Grayson, como qualquer Chefe de Redação, vive sob pressão e não alivia e, se bem conheço o seu estilo jihadista vai invocar o sentido de missão de um jornalista para com a sua entidade contributiva. Para mim, sua sensibilidade é comparável à esquina da cama e sua falta de empatia para com as canelas imprudentes. Jamais, iria compreender uma perda, muito menos a perda de um amigo de quatro patas chamado Foster.
Não tenho alternativa senão averiguar se Foster morreu ou, não passa de um dissimulado peludo, com aspirações artísticas.
Já pensei em várias formas de provocar reações no ator, de apetite voraz, faro apurado, uma forte estrutura maxilar e que se vende por um prato de biscoitos. Conheço-o, desde que, ele urinou à minha porta e me fez perder o juízo. Era um sem abrigo, incontinente, faminto, enviado para testar minha sensibilidade e questionar minha missão na terra e sobretudo desafiar o meu temperamento frágil. Até hoje me questiono, onde estava eu com a cabeça, quando o acolhi tão gentilmente, mesmo após ter manchado o meu tapete de entrada, feito em macramé nas tardes depressivas de domingo, patrocinadas pelo meu desalmado ex. Posso dizer que, foi o macramé que me salvou do desastre emocional em que me encontrava e vá, meia dúzia de sessões com a Dra. Michelle. A Dr. Phill cá do bairro que, mais do que psicóloga, é uma mulher experiente em problemas amorosos emaranhados.
Atualmente, Cooper é aquele ser irritante, com transtorno obsessivo compulsivo, muito repetitivo, com frio nos pés em pleno Verão, devoto da sua malévola mãezinha, prende os espirros, hipocondríaco, tudo estranha, cheira a comida antes de a comer, mastiga-a num ritmo que causa sonolência e é fanhoso de nascença, entre outras curiosidades. Desta forma, o repulso. Assim, convivo melhor com o seu mágico desaparecimento, na véspera do nosso oitavo aniversário de casamento, que eu julgava para a vida toda. Vanish Cooper Action, mais eficaz do que qualquer tira nódoas. Nunca mais regressou ao Bairro onde nos conhecemos e onde contraímos a dívida de um T2, que apesar de ser pago na íntegra por mim continua propriedade dos dois. Um assunto que tenho adiado resolver para não avariar.
Entretanto, Foster permanece tombado no chão. Insiste na farsa. É resiliente.
Os nervos provocam-me fome e, sem hesitar, abro o kit de bolachas salva vidas e, subitamente, ouço movimentos que se tornam cada vez mais percetíveis e que resultam numa aparição peluda e salivante, a fitar-me demoradamente.
Caso encerrado. Artigo entregue. Dog Óscar para o meu Foster Buddy. Alívio. Ração melhorada para mim e para ele.:)


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Bolo de Chocolate

Queres estar aqui, por mais algum tempo?

Aliás, por muito tempo?
Basta, banir o passado ruim. Varrê-lo do teu terreno cerebral sagrado e cultivar uma nova forma de vida, um rumo novo, desenvolver uma personalidade entusiasmada, por um novo mundo de oportunidades e crente, absolutamente crente, de que tudo vai correr bem e quando algo te desviar dessa corrente motivacional, te consigas fortalecer, encontrar saída e regressar ao domínio da tua Vida, ao domínio de ti mesmo.
Ter a capacidade de admirar o outro e admirares-te ao mesmo tempo. Nunca perderes a capacidade de Amar e desejar o Bem.
Expressares o que sentes. Expressares o que pensas. Teres uma voz ativa. Teres uma escuta ativa. Marcares presença sem invadir espaços. Seres uma boa influência. Orgulhares-te do teu percurso.
Rodeares-te de Amor.
Desviares-te de argumentos derrotistas, queixumes repetitivos, sentimentos de culpa, desculpas convenientes, lugares comuns, distrações alheias, mesquinhices, sacudir o que é secundário e vicioso, evitar remoer o passado, procurar não reviver revoltas antigas, deixar de dar importância a pessoas ou comentários tóxicos.
Chega radical, para tudo aquilo que te faça paralisar e perder a gigantesca oportunidade de Te Amares a Ti mesmo e deixares a tua pegada.
Paremos para refletir un petit peu.
Porque é que nos negamos a ser felizes? Agimos como se não fossemos merecedores dessa felicidade. Acredito até que, esta é uma característica bem portuguesa. Humildemente renunciamos. É má educação aceitar uma oferta, ainda que seja genuína e desinteressada. Apesar de, tão somente, se tratar de um ato de gentileza e acolhimento. Fomos formatados desta forma e transferimo-la para outros quadrantes da nossa Vida, como se fosse de mau tom ou egoísmo aceitarmos viver alguns momentos de felicidade, despreocupadamente.
Ser feliz pode ofender os outros, portanto, é bom que escondas esse teu estado, para que os outros não se sintam fragilizados e insistam na tónica que, a Vida é injusta e desigual. Do género, não és merecedor dessa fatia de bolo, acabadinho de fazer, ainda por cima de chocolate, que tu tanto gostas e que, tão generosamente te querem oferecer, só porque, pode soar a um aproveitamento da tua parte, quando nem sequer pediste, nem deste a entender os teus desejos mais gulosos. Para merecer tens de sofrer. Porquê? Que regra absurda e ancestral é essa.
A felicidade representa esse bolo de chocolate que, te faz salivar, mas para o qual não te achas merecedor, por achares que é demasiado para ti. Quando, certamente, a tua agradável presença justifica a oferta dessa fatia de bolo. Há ações nossas que, não sendo visíveis, são grandiosas e que atraem boas energias e o resultado disso é a felicidade que, tu queres rejeitar porque não encontras nada em ti que justifique essa atração repentina.
Preferes invocar a culpa, a usufruir de algo, do qual não te achas digno por receio de estares a quebrar algum padrão. Não quebraste nenhum padrão, nem a felicidade está a saldo. Apenas estás no caminho certo.
A felicidade não é uma coincidência. A felicidade não vem por engano. A felicidade conquista-se e, apesar de não encontrares algo visível e tangível para justificar essa conquista, não quer dizer que esse algo não exista. Movimentaste-te no sentido certo.
Essa fatia de bolo de chocolate quente e fofo é tua. Aceita-a como sinal de agradecimento e merecimento.
A felicidade é simples assim. Se te apercebeste dessa simplicidade e a soubeste apreciar, então, já lhe atribuíste todo o significado.
Não há esquemas. Não há truques. Não há fantasias. Não descende da família dos bonificados. Não tem conta aberta nas redes sociais. Não se expõe facilmente, nem aleatoriamente. É mestre em provocar boas sensações e deixar um rasto de saudade. É titular dos melhores momentos. É a música que acompanhou e deu ritmo aquele ou aqueles momentos especiais. É o toque suave de uma brisa que nos beija e afaga. É o que adoça e deixa presença nas nossas papilas gustativas e nos dá vontade de querer mais. É a risada em cadeia que prolonga a boa disposição e intriga quem passa. É tudo isso e muito mais que não devemos rejeitar.
Ela adora surpreender os desprevenidos e confirmar seus efeitos. Sem apavorar, altera nossos batimentos cardíacos, numa frequência musical que convida a dançar, cantar, assobiar e amar.
Facilita a sua chegada. Mostra que estás disponível para a receber e ela regressará.
Habituados a esperar o pior, banalizamos o melhor e deixamo-la escapar, cumprindo uma dinâmica, muitas vezes, masoquista de achar que é bom demais para ser verdade.
O que por vezes também acontece é, não perceber a sua chegada, nem o seu toque de midas. O seu caráter invisível mas eficaz, não está ao alcance de todas as sensibilidades.
 
“A Felicidade é como uma gota de orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de Amor”
 
Felicidade (Tom Jobim)

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...