terça-feira, 21 de maio de 2024

Engorda Olfativa

Nunca sabemos quem se vai sentar ao nosso lado no avião. A curiosidade cresce. O que o (a) trouxe até aqui? Que histórias viveu, antes de se sentar ao meu lado? O silêncio é o único diálogo cativante, até que alguém interrompe e faz desviar o meu pensamento, para algo trivial e longe de ser importante, mas tudo bem, já estava a ficar sem conteúdo interior e a precisar interagir levemente. A hospedeira pergunta se prefiro a refeição de carne ou peixe e eu, sem fome para nenhuma das duas, mas a precisar comer, opto pela de carne, assim como o meu parceiro do lado, que nem o sono faz pular refeições. No instante em que, recebo o tabuleiro com a minha refeição sinto-o sorrir dos meus modos atrapalhados. Ignorei para não ser assaltada por pensamentos automáticos autodestrutivos. Porém, ele continuou sorridente e trocista. Continuei a desvalorizá-lo, ao mesmo tempo que, tentava apreciar a carne, borrachuda, sem tempero, sem molho, insossa, com sabor a cela de prisão. Na verdade, era tudo o que eu tinha naquele momento, para me desviar daquele encosto trocista.
Inesperadamente, uma voz quente e sussurrante, decide aumentar o meu incómodo e pergunta se aceito o seu pão. Dito assim, soa pornográfico. Eu sei! Sem querer, já estava até a imaginar o grafismo daquele momento inusitado. Um homem sentado na cadeira ao meu lado, a oferecer-me o seu pão é, no mínimo, constrangedor. Certamente, deve ter pensado que sofro de compulsão alimentar.
Acontece que, eu gostei. Adoro quando me oferecem comida. Para mim, nascida no final da década de setenta, é um ato de generosidade. Os cheiros da minha infância têm todos a ver com comida. Eu até costumo dizer que a minha engorda é olfativa.
Lógico que aceitei o seu pão e lógico que, meus pensamentos entraram em curto circuito.




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