sábado, 26 de fevereiro de 2011

Só se recupera o que nunca esteve perdido


Vera estava na iminência de ingressar no clube das divorciadas, após um casamento de quinze anos, atropelado por uma traição sem significado mas uma traição, que ela tem dificuldade em contornar, muito menos esquecer. Miguel escorregou na fragilidade masculina e cedeu aos convites, cada vez mais insistentes, da sua colega de trabalho, para em conjunto, fora de horas, dedicarem-se àquele processo exigente, que implicaria a sua ascensão na carreira. Os seus encontros foram-se tornando recorrentes, sempre com um pretexto estritamente profissional, só que a vontade de estarem juntos era crescente e prolongava-se pela noite dentro. Os olhares que ambos trocavam sem desviar, marcados pelo desejo de se possuírem sem culpa, anunciavam o inevitável, que acabou por acontecer. Ela deu o mote e ele, acompanhou seu ensejo. Dito assim até parece que ele apenas quiz ser cavalheiro e não contrariar os desejos de uma Mulher com necessidades. Cansado da rotina familiar, que inclui inúmeras tarefas, que se repetem e o ocupam sem sinal de abrandamento, acaba por relativizar o seu ambiente familiar, a sua relação com Vera e descobrir em Rute, a novidade, a oportunidade de testar se a sua capacidade de sedução ainda funciona, a fonte do prazer com pecado, a mulher livre e desimpedida, que não aprendeu a cobrar porque também nunca viveu modelos de relação longos. O mais curioso é que Miguel sempre se esbarrara com Mulheres no seu quotidiano e nada aconteceu mas com Rute, foi diferente. O seu carácter manipulador convenceu-o a libertar-se da sua rigidez, esquecer o que pode estar a comprometer, embarcar numa aventura sem arrependimento e gozar de uma felicidade momentânea e fugaz.
O que Miguel não sabia é que as Mulheres são excelentes técnicas de cruzamento de dados e Vera veio a descobrir a sua traição, através da sua amiga Maria, que é cunhada de João, irmão de Bernardo, seu marido, que namora com Débora, a nutricionista de Rute, com vocação de beata, que sem ética, espalha os desabafos confidenciais das suas pacientes, que regulam a sua silhueta, quase sempre para agradar o sexo oposto e fazer inveja às suas rivais. Sem saber, Rute foi tramada pela sua vaidade feminina que a instigou a pronunciar-se sobre  o seu romance secreto com Miguel, sem nunca suspeitar da propagação que tal desatino iria provocar nas suas Vidas. Maria estimulava a sua curiosidade, cada vez que se encontrava com Débora e rogava-lhe que adiantasse um pouco mais sobre a história desses dois desconhecidos, rendidos ao pecado. Aos poucos, essa história de alguém distante foi-se tornando familiar e Maria identificou Rute como colega de trabalho de Miguel. Sem hesitar, alertou Vera da maldade a que estava a ser vítima, pensando estar a defendê-la do sofrimento.
Vera entrou em negação. Inicialmente, não quiz encarar o problema e remeteu-se ao silêncio interior, perscrutando uma resposta para o que estava a acontecer-lhe. Seguiu-se a revolta embrulhada em dor, que não conseguiu calar por muito tempo. Esperou mais uma chegada tardia de Miguel para  o confrontar com a descoberta da sua traição. Ainda Vera não tinha começado o interrogatório e Miguel já se defendia atrapalhadamente das acusações de traição. Desesperada com a constatação do drama familiar que iria ter que enfrentar, fecha-se na casa de banho de serviço e liberta a tensão acumulada, num choro compulsivo, que deixa Miguel em pânico e, pela primeira vez, consciente do cadafalso em que se enfiou. Desnorteado, decide abandonar o palco de guerra e procurar serenidade para reflectir nas consequências dos seus actos e achar uma forma de reparar o estrago. Vera está decidida a esquecer Miguel, erradicá-lo da sua Vida, apagar o passado bom e castigá-lo pelo que fez. Miguel está resignado a aceitar a decisão de Vera, seja ela qual for, mesmo não acreditando ser esse o destino natural  de uma relação promissora. Pensava ele que as promessas desfeitas podiam dar lugar a outras com outro desfecho. Pensou mal.
Maria foi considerada por Miguel a sua inimiga nº1 e a responsável pelo fim do seu casamento, inferiorizando o seu acto de Sultão sem trono. Vera não consegue desculpabilizá-lo do seu acto mas também não consegue deixar de o amar e suspira por dias melhores. Mas esses dias não chegam e o processo de divórcio avança rapidamente sem lugar a recuos e arrependimentos.  Finalmente, chega o dia de assinar o acordo que irá afastá-los definitivamente um do outro. Ambos comparecem ao encontro final sem atrasos. Aguardam em silêncio, cada um no seu canto da sala de espera, repassando rapidamente os momentos da sua Vida em conjunto e  a forma inusitada como se conheceram. Curiosamente, conheceram-se na sala de testemunhas de um tribunal para interceder a favor de um caso de adopção. Passados quinze anos, nessa mesma sala, confusos e sem saber comandar as emoções geradas com a ruptura, reparam disfarçadamente um no outro. Vera repara no desleixo de Miguel, que sempre primou na imagem e num look arranjado. Miguel repara no ar cansado e sem vivacidade de Vera, que aparenta ter ganho mais três anos em cima. Sem conter, Vera interrompe o silêncio e adverte Miguel das nódoas na camisa. Ele ri-se da situação e aproveita para desentalar as saudades desse seu cuidado para com ele. Com os olhos húmidos, Vera não consegue abafar as emoções e vive fortes contradições. Por um lado, quer abraçá-lo e beijá-lo mas por outro quer castigá-lo pelo que a fez passar. Desarmada, deixa-se derreter nos braços de Miguel que a beija apaixonadamente e mostra-se disposto a consultar um terapeuta de casais, para o orientar e sensibilizar para a reabilitação do seu casamento e para a perpetuação da sua felicidade. O tempo será seu aliado no apaziguamento dos tumultos interiores que o crescimento pessoal provoca na adversidade.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O Valor da Amizade



Uma das facetas do Amor é a Amizade. Sem ela, jamais saberemos quem somos realmente e qual o nosso significado. Os nossos Amigos são seres especiais, que sem esforço aceitam nossa maneira de ser e não esperam, que reclamemos sua presença em determinados momentos. Não precisam ser anunciados, chegam sem avisar, instalam-se sem permissão, são autênticos, apresentam-se tal qual são, com seus defeitos e suas qualidades, sem recurso a fantasias, partilham suas vidas, suas experiências, suas amarguras, seus sucessos, seus insucessos, suas alegrias, suas tristezas, não cobram, não exigem, aceitam nossas diferenças, questionam nossas ausências, sentem nossa falta, vibram connosco, mantêm contacto, criam proximidade, são nossos admiradores. Sinto-me uma privilegiada por ter Amigos assim. Há quem pense que ganhamos amigos sem querer, em circunstâncias diversas e que eles estão ao virar da esquina, basta aparecermos mais, mostrarmo-nos mais, convivermos mais. Será que é assim tão fácil? Não creio. Nem todos assumem esse perfil que os torna tão especiais. Lembramo-nos deles em silêncio, quando identificamos algo que combina com a nossa percepção do que eles representam para nós. Quando estabelecemos uma correspondência das nossas amizades com o que de melhor resiste nas nossas Vidas, estamos a valorizar não só essa união como a nossa essência.
A Amizade implica consistência, senão o que justificaria a sua resistência ao longo do tempo? Há casamentos que fracassaram porque não souberam criar essa consistência e deixaram-se desgastar pelas diferenças de género e grau. O truque reside em aceitar o estilo do outro, sem o querer mudar em nosso proveito. Amar o outro não tem que ser sinónimo de sacrifício. Na Amizade não há interesse, há comunhão. Na Amizade não há vencedores nem vencidos, todos ficamos a ganhar. Na Amizade não há um lado bom nem mau, há só o lado bom. Na Amizade não há tempos perdidos, só momentos de qualidade. Na Amizade não há disputas nem desigualdades, só compreensão. Na Amizade não há lugares comuns, tudo é único.
Podemos desistir de tudo, menos da Amizade, porque se o fizermos estaremos a desistir de nós e da nossa Felicidade.      

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Partir sem Saudade



A minha incursão nas viagens é recente mas já fez seus estragos. Ganhei um vício que nenhuma terapia, nem as nomeadíssimas terapias orientais, conseguirão erradicar. A ansiedade é tanta que uma noite sem dormir deixa de ter importância e o meu humor, admiravelmente, não sofre nenhum beliscão. Ele fica mais sensível, quando imprevistos acontecem, nomeadamente atrasos na partida. Não há pior maldade que esta, para um viajante tão empolgado quanto eu. Mesmo as normas de segurança que nos expõem ao ridículo, cada vez que, fazemos a passagem no detector de metais ou, na alfândega, onde apresentamos nossa identificação e somos alvos de olhares intimidatórios,  me impedem de concretizar este prazer. Meus sentidos apuram-se, porque tudo é tão estimulante, tudo é novidade, tudo é matéria para observação, tudo tem interesse, tudo é admirável. Apesar de levar atrelada a máquina digital que congela recordações, não lhe dou muito uso, para não deixar a curiosidade insaciável. O mais engraçado é que apesar de programar o acontecimento com o detalhe que ele merece, há desvios que acabam por se tornar apreciadas fontes de inspiração. Quando nos libertamos do peso do guião de viagem e da nossa qualidade de turistas interessados na cultura, na arte, na ciência, na história, nos costumes daquele lugar, então sim, envolvemo-nos e deixamo-nos absorver por outra forma de vida distante da nossa. Ao fim de alguns dias, já estaremos adaptados aquele registo e, sem pressa, para voltar à realidade.
Sem querer, arrasto comigo o jet lag, o sotaque adquirido durante a minha curta estadia, os momentos animados que experimentei, as diferenças que nos fazem estranhar essa e outras realidades, com as quais não convivemos, as curiosidades que um observador atento tem o privilégio de captar no seu percurso ambulante. Um mundo de sensações é o resultado destas fugas, que  nos afastam temporariamente da rotina asfixiante dos nossos dias.
Viajar para mim é a cura para todos os males. Reabilita corpo e mente. Só não dá asas como o Redbull. Essas temos que alugar e por um preço nem sempre meigo.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Pensamento Periférico


Vivemos numa sociedade, que promove as dicotomias, conduzindo à separação e partidirização das realidades.
Parece que, todas as interpretações são sustentadas com base nessa estreita percepção da realidade, que insistimos em catalogar numa única e isolada base de entendimento.
Nem sempre quando não chove, faz sol. No entanto, nosso padrão de pensamento não concebe mais do que uma dedução. Estranhamos outras opções, outros conceitos, outros contextos, outras possibilidades, outras formas de pensamento. Estimulamos o preconceito quando antecipamos conclusões precipitadas, através de registos do tipo certo vs errado; verdade vs mentira.
Nós somos, igualmente, submetidos a um julgamento desta natureza redutora. Se não somos fortes, somos fracos; se não somos bonitos, somos feios; se não somos faladores, somos calados: se não somos perfeitos, somos imperfeitos. Isto quer dizer que, somos castigados pelas primeiras impressões, não tendo oportunidade de rebater um vaticínio tão precipitado. Confiamos nas sensações, não duvidamos das nossas crenças, nem aprofundamos outros ângulos e perspectivas.
Nosso entendimento é periférico e, portanto, não admira que construamos relações débeis e comprometamos a nossa progressão pessoal.
Há deduções resultantes de mal entendidos que inviabilizam um conhecimento sustentável e adequado da realidade. Certamente, sem saber, já fomos condenados por antecipação. Um olhar, um gesto, um comportamento descontextualizados, podem ter sido matéria fundamental para apreciações rápidas. Sendo assim, eu ou qualquer um pode forjar uma postura, um olhar, um comportamento, um gesto, para resgatar uma apreciação favorável, ainda que não coincidente com aquilo que somos verdadeiramente. Como é fácil sabotar aparências para distrair os outros da nossa essência. Afinal, pormenorizar, contextualizar, aprofundar, acompanhar e comprovar a consistência dos dados são sintomas de perdas de tempo numa sociedade tão empenhada em cultivar o vazio.
Que Maçada!
Este é o termo popular e ligeiro para definir a impaciência latente para o que realmente é importante.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Desgosto



Na rádio anunciava chuva para toda a semana, aliviando apenas no domingo mas, sem grande expressão. O humor de Lídia já não estava bom e tais previsões desanimadoras, só vieram agudizá-lo ainda mais. Sentia-se sem energias, descontente, indisposta e com um bad feeling, que poderosamente veio ensombrar o seu dia. Embuída nos seus pensamentos, dobrou esquinas, contornou rotundas, cortou cruzamentos e, obedientemente, estacou no semáforo vermelho para dar passagem ao casal que, indiferente à sua presença rejubilava de cumplicidade. Fitou-os com interesse e alguma curiosidade, mas a chuva intensa baçava a sua visão e o desembaciador entrara em colapso. Algo a intimava a insistir em grudar seus sentidos naquele par romântico. Estremeceu quando percebeu quem eram. Seu coração disparou acelerado, suas mãos agarraram o volante com força para descarregar a ansiedade, seus músculos contraíram-se e foi em alta tensão que arrancou, ao soar estereofónico das buzinas dos desesperados, que atrás de si formavam fila.
Atordoada com o flagrante, em desassossego, não conseguia serenar seus pensamentos e calar as emoções que emergiam sem parar.
Samuel e Bárbara, juntos e felizes, diante de Lídia, ignorando seus sentimentos, massacrando-a de mil e uma maneiras, sem piedade. Ele, o seu Grande Amor, o seu companheiro, o seu ouvinte atento, o seu maior suporte, o seu abrigo emocional, o seu cúmplice, o seu eixo, o seu confidente, a sua referência e também a sua maior desilusão. Ela, a psicóloga, a sua orientadora pessoal, a única a conhecê-la profundamente, a responsável pelo seu estado, a mestre que manipulou a Vida da sua discípula para satisfazer seu interesse pessoal. Nunca suspeitara mas sempre temera ser vítima de uma traição tão arrasadora quanto esta. Ambos acompanhavam a sua Vida de perto e a eles nada escondia. Achava ela que fariam um bom uso da sua proximidade, da sua intimidade, da sua ligação simbiótica. Sentiu-se um pretexto para seus encontros, suas conversas, suas confidências, suas conspirações, tão mais frequentes quanto maior a saturação dos seus desvarios.
Naqueles cinco minutos de paragem forçada, percorrera todos os acontecimentos da sua Vida e o balanço resultara negativo. Abusaram tantas vezes da sua sensibilidade e mesmo assim não conseguira anestesiar a dor, que voltara a desafiar a sua capacidade de resistência.
Chorou de revolta por ter permitido que a magoassem uma vez mais, por ter exposto de mais, por ter amado de mais, por ser carente, frágil, vulnerável e tão indefesa. Derrubaram o seu controle emocional já fragilizado e arrasaram com ela, atriraram-na para mais uma crise existencial sem precedentes.
Não procurou saber suas razões, nem permitiu que o fizessem. Não suportaria conviver com os seus carrascos naquele turbilhão de emoções e, por isso, afastara-se para sempre.
Os anos passaram, a dor foi aliviando mas esse acontecimento virou marca registada na sua Vida, que seguiu seu percurso mas numa outra direcção, que priveligia relações descontraídas, sem obssessões, sem grandes expectativas, sem muito âpego e sem dependência.
Aos poucos aprendeu que a condição para sermos felizes não pode depender do que esperamos dos outros.  

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Ressentimentos

Saudade do que não podemos recuperar transforma-se numa mágoa que nem sei se o tempo cuidará de curar. A nossa mudança e a daqueles com quem partilhamos sentimentos de cumplicidade, quando descarrilam em sentidos diferentes e antagónicos, comprometem essa ligação e o diálogo é atropelado por ressentimentos, pelo que não conseguimos controlar. O nosso crescimento pessoal assentou em bases distintas causando sensações estranhas, cada vez que nos reencontramos e constatamos que já não temos pontos em comum nem aprovamos a forma como cada uma conduziu a sua Vida. O excesso de confidências, de cumplicidade, de partilha, de proximidade, de envolvência, atribuiu-nos um estatuto que sempre fizemos questão de assumir com nossas intromissões, nossas opiniões não solicitadas, nossa participação activa na vida uma da outra, nossa sinceridade, nossa frontalidade, nossa autenticidade, nosso excesso de amor, nossas cobranças, nosso acompanhamento incondicional. Apesar de sempre termos apreciado a presença uma da outra em todos os momentos da nossa Vida, nossos egos entretanto conquistaram sua indepedência, destituíndo-nos do nosso papel de orientadoras pessoais. Anos de destaque foram reduzidos ao lugar de espectadoras da Vida uma da outra, sem opção de escolha. Nossas decisões, nossas escolhas, nossas relações, nossa maneira de estar, nossos compromissos, nossas referências, nossos objectivos, nossos desejos, nossa projecção do futuro, nossa percepção, não são mais bem vistas, nem apreciadas e magoa demais encarar essa nova realidade e aceitá-lo como algo permanente e definitivo. Conviver com essa ausência de afecto e compreensão, por parte de quem sempre amparamos e cuidamos, para que não se magoasse por acharmos ser mais frágil que nós e, por quem nos sentimos responsáveis, porque foi assim que nos ensinaram a amar, arrasa connosco.
O que também arrasa são as ofensas verbais, arremessadas como tentativa de defesa daquilo que não suporta ouvir e reconhecer que possa estar errada. Essa fragilidade remete para um sentimento de inferioridade do qual eu nunca me apercebi, mesmo estando por perto. Algo a fez acreditar que sempre nos compararam, mostrando mais preferência por mim e, por isso, eu devo ser culpada pelo seu infortúnio, pela sua tristeza, pela sua infelicidade e pelo constrangimento tantas vezes experimentado.  De certa forma, eu sou sua inimiga por achar que eu me aproveitei dessa condição em que me colocaram, cada vez que estabeleciam uma comparação. Sem saber embarquei em sentimentos de culpa e medo de vir a perdê-la por atitudes de terceiros que a pudessem magoar e atirar para o fundo do poço. Sem querer estraguei nossa relação, fragilizando-a com a minha super protecção e apoio incondicional, tendo servido vezes e vezes sem conta de seu guru espiritual. Incapaz de reverter a sua auto-vitimização e esgotada com a inconstância do seu ser decidi afastar-me e esperar que ela não se veja mais através de mim. Já não corro em seu socorro nem interfiro em nenhum plano da sua Vida, não promovendo assim a comparação das nossas Vidas e a sua comiseração. Entretanto, procuro  recuperar a serenidade perdida e orientar a minha Vida, não em função de alguém que eu cresci a amparar mas, em função de mim e do que eu procuro atrair para a minha Vida. Aos poucos liberto-me da culpa e da ansiedade que a responsabilidade pela reabilitação, que Vida de alguém que amamos nos provoca.    

domingo, 30 de janeiro de 2011

Sonho envenenado


Carlota é um nome clássico que nos remete para o imaginário dos princípes e princesas, duques e duquesas, infantes e infantas, cheios de privilégios a quem devemos prestar reverência. Efectivamente, seus pais quando lhe atribuíram o nome, pensaram nas possbilidades que um nome tão marcante no passado histórico, poderia trazer para o futuro da sua filha. Na verdade, Carlota habituou-se a fomentar essa imagem de alguém com sangue azul, com pose real, diferente dos demais, inatingível, soberana. Teve a felicidade de frequentar bons colégios, elitistas, conhecer o mundo, viver numa mansão com oitocentos anos de história, aprender educação musical, aprender vários idiomas, aprender boas maneiras, comunicar melhor, frequentar ambientes sociais restritos, vestir bem, ter acesso facilitado aos melhores lugares nos espetáculos e demais eventos.
Para uns, uma vida de sonho mas para Carlota, uma Vida aprisionada num mundo cheio de convenções, comportamentos e poses estudadas, cerimónias, reverências, frio e emocionalmente castrador.
Não se sentia nenhuma previligiada por pertencer aquele mundo fabricado, sem lugar à descontração, ao descontrolo emocional, sem arrebatamentos, sem graça. Suas amizades eram sugeridas pelo meio fechado em que vivia, seu futuro estava programado, seus sentimentos eram desconsiderados, sua liberdade estava comprometida, seu valor não carecia de prova pois não havia nada para conquistar nem para provar. Carlota escorregou num descontentamentamento permanente que surpreendeu sua família, que desconhecia completamente seus motivos. Remeteram seu problema para psicólogos, pensando livrar-se do fardo emocional gerado pela sua filha única, designada sucessora de todo o império da Família Bourbon.
Carlota não padecia de nenhum distúrbio mental por querer criar a sua independência, longe daquele sistema de conveniências. Incompreendida, preparou a sua fuga e aventurou-se no desconhecido, sem noção do que iria encontrar e que batalhas iria travar, mas o facto de ter opção fazia-a sentir-se livre e Feliz.   
  

sábado, 29 de janeiro de 2011

Morte Adiada

Cinco de Agosto de 2010 é uma data que jamais cairá no esquecimento dos trinta e três mineiros chilenos. Principalmente, para Luis Urzua ou “lucho” para os amigos. Trigésimo terceiro mineiro a abandonar a mina San José por opção. Líder da missão de resgaste desde o interior da mina. Foram sessenta e nove dias a gerir emoções, controlar o pânico, dosear as rações alimentares, acalmar a ansiedade, dividir o oxigênio mas sem abusar, suportar o calor excessivo, acreditar na salvação, abafar a saudade de casa e da família, partilhar o mesmo espaço, conviver com a insuficiência de recursos, lidar com a proximidade e tantas outras privações. Comandar trinta e dois homens, assustados com a probabilidade de morrerem a quase setecentos metros de profundidade, longe da realidade, longe da família, longe do mundo, na escuridão, retidos naquele inferno subterrâneo, não foi tarefa fácil. “Lucho” foi um homem de coragem, ao assumir o comando, ao transmitir confiança aos seus homens, ao criar formas de resistir aquele desespero, sem hora prevista para acabar.
“Lucho” é um homem de fibra, vítima do regime ditatorial de Pinochet, que dizimou sua família e o colocou na posição, deixada vaga pelo seu pai, de chefe de família, responsável pela susbsistência dos seus irmãos.
O que não mata torna-nos mais fortes e foi a força de Lucho que prolongou a permanência e resistência naquele buraco negro, rico em cobre.
O mais curioso desta história bem real é que minutos antes da derrocada, o camião conduzido por um dos companheiros de Lucho, Franklin Lobos, abrandou a velocidade para observar uma borboleta branca, perdida naquele jazigo mineral. A sua presença veio adiar as suas mortes para mais tarde, interrompendo a passagem para o local, onde se deu o desabamento das rochas que bloquearam a saída da mina. Apesar de não ter aspecto de santuário ou de abrigo de fiéis, foi nesses escassos metros quadrados livres de perigo, que o grupo de mineiros invocou os santos das suas devoções para os devolver aos seus entes queridos.
Felizmente, os santos estavam acordados e ouviram os apelos desesperados dos homens soterrados. Uma capsula chamada fênix 2 veio resgatá-los um a um até à superfície, num percurso penosamente lento e doloroso.
Lucho foi o último a oferecer-se para abandonar a mina. Tinha tempo para sair dali. Sentia-se responsável por aqueles homens com quem criou uma enorme cumplicidade e com os quais estabeleceu uma ligação de irmandade inquebrável.
Finalmente, chegara a sua vez de entrar na capsula e subir até junto dos seus companheiros de cativeiro. Na iminência de entrar na “nave”, não conteve o choro compulsivo que durante esses sessenta e nove dias tentou abafar. Já não estava a comandar. Já não precisava fingir que não estava frágil. Era um vencedor. Um dos orgulhos da nação chilena.
O percurso até ao topo foi recheado de pensamentos vários algo difícil de verbalizar, tal era a emoção de estar perto de abraçar sua mulher e filhos. Há dois anos que prometia à sua companheira retirar-se do vício da mina e compensá-la dos anos de ausência, mas a promessa nunca chegou a sair da prateleira. O seu passado de privações fê-lo lutar por um futuro melhor para sua família, mimando-os com todo o conforto e negando-lhes seus afectos, seus abraços,  sua dedicação, seu amor. Mais do que alimento, àgua, descanso, oxigênio, Lucho carecia das reprimendas da Mulher que o intimava a colaborar mais na educação dos filhos, das cócegas desarmantes dos filhos que lhe retiravam o sossego, do concurso de gargalhadas inventado pelo seu filho mais novo, que alastrou a toda a família, das palavras de confiança da Mulher que tantas vezes o animaram, dos beijos roubados aos filhos, dos compromissos religiosos ao domingo, dos domingos e feriados livres para estar com a família sem se comprometer com mais nada, da tequilla, das ensaimadas, dos burritos, dos paparicos culinários da sua Consuelo. Era tão feliz e não sabia. Tinha agora oportunidade de retribuir essa felicidade e a agonia que experimentara na mina, ensinara-o a não desperdiçar momentos de qualidade, pois sabe-se lá por quanto tempo os podemos manter.
As profundezas da mina ajudaram-no a valorizar os sentimentos, a dar-lhes voz, a expressá-los, sem receio de se expôr. O maior medo de Lucho era morrer sem antes reunir-se com a família e dizer-lhes que sempre os amou. Essa iniciativa iria ser posta em prática assim que avistasse Consuelo e sus niños. Mal podia esperar. Agora que estava quase a chegar não podia perder mais tempo. Já perdera tempo demais.

Atitude

Cultivar uma Atitude é razão para nos afirmarmos enquanto pessoas com qualidades únicas. Não devemos impô-la mas adoptá-la como se de um carimbo pessoal se tratasse e ser-lhe fiel em todas as circunstâncias em que nos vejamos envolvidos. Ter Atitude implica ter uma resposta perante aquilo que vai acontecendo nas nossas Vidas e as respostas que nós damos denunciam o tipo de pessoas que somos. A Atitude atribui-nos significado e confere significado a tudo o que nos envolve.
Pessoas com Atitude envolvem-se, não ficam indiferentes, entregam-se a causas, afirmam suas posições, defendem seus ideais, comprometem-se, são participativas, são magnetizadoras, causam admiração, sensibilizam plateias pequenas e grandes, distribuem Amor, afecto, carinho, conforto, amparo, dedicam-se ao que realmente é importante fomentar, são tolerantes sem ser compassivas, reconhecem as suas falhas, aceitam as falhas dos outros, não buscam a perfeição nem a aceitação.
A Atitude não nasce connosco nem é passível de imitação. Requer coragem da nossa parte para assumirmos a responsabilidade por aquilo que fazemos e, principalmente, por aquilo que deixamos de fazer. Aliás quem afirma sua Atitude, não desperdiça a oportunidade de fazer aquilo que tem vontade de fazer e, por isso, também não se arrepende do que não fez porque nada do que considera realmente importante fica por realizar. Apesar dos seus receios, das suas inseguranças, das suas falhas, das suas limitações, acredita que é possível contrariar esses handicaps e resistir a todas as más sensações que o processo de enfrentar nossos próprios medos gera. A sua entrega é tão grande e a vontade ainda maior, que tudo o que possa ser obstáculo ganha uma dimensão reduzida, perdendo toda a capacidade de atemorizar e fazê-lo recuar e desistir do que para ele  faz todo sentido comprometer-se.  A sua ansiedade é canalizada para a prossecussão dos seus objectivos e nunca desaproveitada na exposição dos seus pânicos interiores, que não importa estimular.
A Atitude representa a Magnitude do Nosso Ser, ou seja, o poder do seu alcance e os efeitos que provoca.
     

Inspiração procura-se

Qualquer artista teme perder um dia a sua criatividade e jamais conseguir criar arte. O Pânico é real e atormenta a classe artística que, por vezes, se vê forçada a abrandar o ritmo das suas criações para não vir a vulgarizar sua arte, tornando-a repetitivamente enfadonha.
Lucien estava a ser vítima desse desânimo. Algo que ele nunca sentiu nem experimentou. Estava apavorado. Precisava criar para lucrar, mas o vazio interior impedia-o de esgrimir os seus pincéis, animar a tela branca com diferentes combinações de cores e voltar a surpreender seus admiradores.
Despiu a bata salpicada de multitons, bateu a porta do atelier e saiu de  cachimbo na mão. Aquele lugar, outrora cúmplice de alegrias,  estava a atrofiar-lhe a liberdade inspirativa. Sair parecia ser a solução mais imediata, para fugir da pressão criativa a que estava sujeito, cada vez que seu marchand o intimava a produzir para mais um ciclo de exposições.
Estranhou a chegada da noite fria quando saiu do seu bunker, mas mesmo assim continuou a caminhar em direcção à ponte sobre o rio Tamisa e suportar o ar gélido na cara, exposta ao vento. Os raros transeuntes com quem se cruzou, caminhavam apressados, indiferentes a tudo o resto, tolhidos pelo frio, tão British. Até ali nada o apelava, nem o impedia de prosseguir seu caminho, agarrado ao seu cachimbo calabash estilo Sherlock Holmes. A noite adensava-se cada vez mais.  Lucien continuava perdido nas ruas de Londres, cenários perfeitos de crimes policiais. Sem perceber, alguém o perseguia persistentemente desde a hora que abandonou seu abrigo criativo. Obcecado pelo seu problema ainda por resolver, Lucien continua arredado do mundo real. Nisto é interrompido por uma voz feminina, atrás de si, que o faz estacar de medo, conquistando a sua máxima atenção. Vira-se indefeso, para encarar o imprevisto e é com espanto que percebe que afinal a figura ameaçadora  é uma Mulher de ar miserável,  possuída pelo alcóol, sem abrigo, esfomeada, estigmatizada pela sociedade, que continua a rejeitar  suas tentativas de inserção. Sem querer, aquela mulher andrajosamente vestida, sem suavidade no rosto, estampado de tristeza, pelo que deixou escapar com a rendição à bebida, desperta interesse em Lucien que, sem hesitar, lhe oferece uma refeição quente e um quarto onde dormir nessa noite insuportavelmente gélida. Sem melhor opção, ela aceita a sua generosidade mas sem se comover. Tudo tem seu preço. Nunca ninguém lhe ofereceu nada sem exigir algo em troca. Todos aqueles que lhe estenderam a mão levaram pedaços de si, que jamais foram repostos e  é sem esperança de os reaver ,  que mendiga pão e atenção.
Lucien tentou provocar conversa mas em vão. As respostas eram curtas e nada adiantavam sobre sua identidade.  A  fome e a desconfiança impediam-na de desenvolver um diálogo contínuo .
Depressa chegaram ao abrigo de Lucien, que estava convenientemente quente e acolhedor. Este apressou-se a aquecer um prato de sopa e a partir a carcaça de pão, para acomodar o steak. Menú sofregamente devorado por aquela Mulher de origem desconhecida.
Sem privacidade, a Mulher é observada por Lucien, que estuda seus traços, sua silhueta feminina, seu modelo de Mulher, a ser retratado na tela em branco, largada a um canto do estúdio. Os olhares grudentos de Lucien assustam-na  mas algo a instiga a ficar.
Lucien percebendo sua inquietação, decide ser sincero e contar o que ele efectivamente quer dela. A Mulher ainda sem nome, escuta a sua proposta, que consiste em posar como seu modelo artístico. Algo que ela nem sabia como personificar. Ela era a antítese do Modelo.
Curiosamente, foi essa antítese que despertou interesse em Lucien. O objectivo era chocar, ferir susceptibilidades, exagerar, dramatizar.
A Mulher aceitou e até revelou o seu nome.  Margaret tinha agora a oportunidade de se inserir com a benção de um  artista conceituado.  Iria ser a sua inspiração, a sua musa, a sua única escolha para figurar nas suas criações. Uma importância que ela nunca teve, nem se soube dar.
Despudoradamente, despiu suas vestes remendadas e dispôs-se na cama de ferro, completamente descoberta e em posição de descanso.  Estava instalado o cenário ideal para Lucien dar continuidade à sua sensibilidade artística.
Propositadamente, as poses não foram refinadas para não camuflar a realidade daquela Mulher marcada pela Dor.
Renasce o artista e a Mulher que lhe serve de inspiração.  

domingo, 23 de janeiro de 2011

Sonhar é preciso

Sonhar é o que nos mantém à tona e não nos deixa esmorecer, à medida que vamos sendo colocados à prova com situações de privação. A capacidade de alimentar o sonho é algo que não habita em todos nós, mas que pode ser trabalhada e explorada no sentido de nos convencermos, que mesmo em situações de adversidade, podemos conceber sonhar e acreditar em melhores dias, que mudem o curso de negatividade.
O dispositivo que gera o sonho é o nosso fortalecimento interior, que se engrandece quanto mais alimento lhe dermos e podemos buscá-lo de variadíssimas formas, em múltiplos contextos do nosso quotidiano mas para isso, precisamos recorrer à nossa sensibilidade para identificar os modelos de felicidade que queremos atrair para as nossas Vidas.
Um compromisso que devemos estabelecer, consiste em dourar nossos dias com algo positivo, seja ele qual for, desde que desperte boas sensações e ânimo para continuar a sonhar com aquilo que queremos construir no nosso futuro. Nossas acções no presente devem ter um sentido e considerarem o dia de amanhã. 
Uma filosofia de Vida é o que se tenta promover, para ultrapassar os castigos a que vamos sendo sujeitos numa sociedade contaminada pelo mal. Sem essa filosofia não ganhamos imunidade à sua contaminação e seremos engolidos numa espiral de desistência por aquilo que só nós poderemos controlar. Nossa Vida é nossa responsabilidade e o seu percurso é consequência do que promovemos no presente.
Quem desistiu de inverter o rumo da sua existência, não pode reclamar do que vier a acontecer. A inacção mata todas as oportunidades de transformar o sonho em realidade.
A forma como encaramos nosso destino é o que nos diferencia. Há aqueles que cumprem mais um dia de obrigações e se queixam da carga que carregam e há os que se congratulam com a chegada de um novo dia e com ele uma nova oportunidade de se aproximarem ainda mais do seu modelo de Felicidade.       

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...