Tudo começou com um olhar, na minha direção. Um olhar ameaçador e insistente, que atrasou o meu destino e me atirou para o abismo do Mal. Não reagi, com medo de descarregar sobre mim o ódio do inimigo impiedoso. Sofri calado, todas as ofensas, insultos, agressões, humilhações, castigos e desonras. Morri por dentro para anestesiar a dor e esqueci o meu nome, para não guardar memória de mim, naquele cenário de horror que continua a atormentar os meus dias.
Pouparam-me a vida, só porque estava na iminência de me entregar nas mãos dos párias da morte. Quando supliquei, não cederam. Quando caí indefeso no vazio, abandonaram-me sem remorso.
Não medi forças, nem cruzei meu olhar com o deles, para não ofender suas sensibilidades xenófobas. Só não consegui esconder quem sou, e foi precisamente isso, que os ofendeu. Minha imperfeição quase me matou e fez-me rastejar por ajuda, que não bastou para me consolar, nem tão pouco para me explicar porque é que o mundo é assim tão cruel e porque, arrasou com a minha felicidade.
Ainda continuo a ouvir as vozes da exclusão a ecoarem bem alto na minha cabeça, alertando-me de todos os perigos que ensombram o meu caminho. Vivo com medo de despertar, novamente, os demónios da incompreensão e cair nas malhas apertadas da intolerância.
Cansei de estender a mão em busca da salvação ou do amor pela inclusão, temendo cair mais uma vez na desilusão.
Sou uma minoria asfixiada pelo preconceito, que prolifera com a miséria humana.
Mostra-me que não pertences ao grupo dos que negam hospitalidade à diferença e destoas, de tudo aquilo que empobrece o ser humano, incapaz de acolher através do amor.
Devolve-me a esperança perdida e conduz-me para um mundo melhor, livre destes grilhões sociais que atrofiam as relações humanas.
Aprendi a Crescer na divisão do, Nós e Eles. Eles, são os que nos desprezam, nos querem mal, nos atiram para as profundezas da sociedade, não sabem respeitar-nos, nos rejeitam e condicionam nossa inserção, só porque entenderam que constituímos a ameaça da diferença e Nós, somos a sua erva daninha.
Eu e os que comigo sofrem, aprendemos a encará-lo como algo inevitável e alastramo-lo às gerações vindouras para que cresçam a defender-se da hegemonia social.
Às vezes penso, que histórias do meu passado, posso eu contar aos meus filhos, sem lhes provocar pesadelos? Na verdade, não sobram nenhumas ou muito poucas.
Tentarei mudar o cenário mas sei que eles irão ser confrontados com ele, mais cedo ou mais tarde e eu, nada poderei fazer para lhes poupar o incómodo. O que mais me magoa é saber que eles não merecem, nem é justo expô-los a esta luta de desigualdades.
Não posso desviá-los desses olhares irados que cimentam as discórdias e espreitam em qualquer esquina, como aquela que me retirou a dignidade e arrasou com todos os meus sonhos mas, posso tentar mudar a tua consciência, apelando a que promovas atitudes de inclusão no seio da tua comunidade e as alastres a outras comunidades, a outros contextos e assim possamos construir a imunidade à intolerância.
Não evites alguém só porque ele não faz o teu estereótipo ou perfil. Contraria essa tendência. Aproxima-te, dedica-lhe atenção, esboça-lhe um sorriso, melhora o seu dia e, principalmente, mostra que ele é como tu, digno de Amor. Ganhas tu, ganha ele e ganhamos nós os que seguirmos o teu exemplo.
O retorno é muito maior para quem dá, do que para quem recebe.
As tuas hesitações podem magoar o outro, fazendo-o acreditar que ele é persona non grata e indigno da tua companhia. Não faças as tuas escolhas em função de caprichos egoístas, altamente marginalizadores.
Eu próprio aprendi que, também eu, apesar de ter sido vítima do racismo social, convivia mal com outras minorias e, desdenhava dos seus modos de Vida, julgando-me melhor que eles. Afinal, eu assumia dois papéis. O de vítima e o de opressor.
Eu próprio tive que mudar de paradigma.
Sem nos apercebermos, nossos gestos ou ausência deles podem ofender terceiros e é essa falta de sensibilidade que precisamos trabalhar, para fomentar uma maior proximidade e coesão social. Não contornes o que está diante de ti. Presta atenção. Presta atenção de Novo. Olha melhor. Verás que podes fazer algo por mim, além de te comoveres com a minha história e, no dia seguinte, continuares a contornar-me a mim e a todos aqueles que precisam de um gesto teu, que os relembre que são importantes.
Quem sabe um dia não nos cruzamos numa esquina qualquer e tu consciente deste meu apelo, me reconheças e me abras o teu melhor sorriso e ilumines o meu dia e eu terei todo o prazer em iluminar o teu.
É nesta onda de luz que nossos corações se tocam e a Vida se torna mais leve e manifestamente mais apetecível.
Não previ o que me ia acontecer, nem consegui fugir a tempo e fui apanhado desprevenido, por um grupo de revoltados, que quiseram crucificar-me pelas suas desgraças. Paguei injustamente e, de mil uma maneiras vis. Perdi todos os sentidos e mais um. Perdi todo o sentido da Vida.
Foi um duro golpe, que incapacitou meus movimentos e me retirou a alegria de viver sem obstáculos, a condicionar o meu caminho.
Se és livre para pensar e agir então não te conformes e mostra-me que não estou só nesta empreitada pela inclusão social.