Agora que tenho a Vossa atenção, agradeço que me escutem e se manifestem apenas no final da minha intervenção - ordena a tia Greta, no seu habitual tom cerimonioso.
Eu não morri! Eu apenas deixei de fazer parte das Vossas Vidas, mas continuo aqui, pelo menos, por enquanto.
Não será por muito tempo. Só até cumprir a missão que me trouxe aqui.
Sem que vocês se tivessem apercebido, flutuei, invisível, por diversos ambientes e contextos e aproveitei para tirar notas mentais do que sucede no vosso mundo, outrora também meu, chamado realidade.
A minha intenção não é assustar-vos ou mostrar os meus novos poderes tansmutacionais, nem tão pouco abandonar a minha condição atual, até porque estou bem melhor assim. - adiantou ela, resoluta.
Abel, Olívia, Pietra e Ricardo, permaneciam imóveis e perscrutantes.
Há um segredo na nossa família que foi enterrado comigo e é a razão de eu ter regressado.
Silêncio absoluto!
Imóveis, os cristais do lustre abafaram o seu vibrato.
Até o gato sumiu para parte incerta. Não podia desperdiçar uma vida com uma história da qual nunca fez parte.
A Tia Greta atira - O vosso pai não morreu!
É dessa forma que começa a desembaraçar-se do peso carregado à mais de quarenta anos.
- Não passou de uma encenação criada por mim e pela vossa mãe para vos poupar ao sofrimento de um abandono cruel e sem remorsos.
Ele nunca vos procurou porque nós não deixamos. Estabelecemos um acordo e ele aceitou, sem contrariar.
A decisão de sair de casa e ficar ausente por tempo indeterminado foi dele, sem encarar as consequências emocionais devastadoras que provocariam nos seus filhos e na vossa mãe. Para que vocês não fossem atingidos pela dor da rejeição, eu, em parceria com a vossa mãe, decidimos simular que ele tinha sido atropelado mortalmente.
Curiosamente ou não, o mais difícil não foi acalmar a vossa dor, na verdade, o que mais lhe custou foi responder a todas as vossas perguntas e construir uma história dominante e coerente, que vos convencesse. Apesar de tudo, havia mais curiosidade, do que propriamente, dor ou desespero. Na verdade, a presença de pai era praticamente nula. Não havia proximidade, nem para beijos de chegada, nem de despedida. Ele não a promovia e vocês habituaram-se a depender exclusivamente da vossa mãe para tudo.
Durante todo o processo, a minha irmã engoliu choro, raiva, revolta, angústia, medo, superou todas as adversidades, acompanhou as fases do vosso crescimento, lutou, cuidou para que nada de essencial vos faltasse e mesmo cansada tinha sempre uma palavra meiga, um mimo, um abraço, um conselho útil, colo, ombro, ouvidos, atenção e sobretudo amor, muito amor.
Se quiserem culpar alguém, culpem-me a mim. Vossa mãe estava perdida e sem saber o que fazer quando o marido a abandonou para perseguir os seus sonhos e fazer a vontade ao seu manifesto egoísmo. Quatros filhos pequenos para cuidar, uma casa para gerir, a culpa de ter ignorado os sinais que indicavam um futuro miserável junto a esse traste com alcunha de navalhas, o medo de não conseguir seguir em frente e defender-se sozinha, formavam um cenário assustador e eu não podia deixar a minha irmã desamparada e foi, nesse momento, que decidi avançar para a erguer e fazê-la acreditar que seria possível sobreviver a tudo isso e construir algo bem melhor. Apesar de tudo, há males que vêm por bem.
A minha descida ao rés do chão deve-se à ameaça do vosso pai em romper o nosso pacto e desvendar o segredo e ganhar proximidade convosco, ao fim destes anos todos de ausência. - revelou a tia Greta, indignada!
Quis adiantar-me para que não sejam surpreendidos com revelações enganosas da parte do vosso gerador. Não podemos chamá-lo de pai - rematou a tia Greta com a voz embebida em revolta.
Penso que é hora de inaugurar o debate e devolver-vos a palavra porque afinal vocês foram os principais visados desta trama queirosiana.
A Tia Greta estava preparada para reações rápidas e impulsivas, a sangrar sentimentos contraditórios. Em vez disso, recebeu um silêncio sepulcral e a antecipação da morte do título de tia preferida.
TO BE CONTINUED