Gritou mas ninguém a ouvia. Gritou mais alto, com grande esforço, mas a indiferença era total e ela sabia que não resistiria por muito mais tempo. Fechou os olhos, entregando-se à solidão que doía impiedosamente. Sem energias para reagir, projecta os seus membros para longe, em sinal de desistência. Sentia-se cansada para lutar contra seus próprios demónios interiores, que ganhavam grande expressão, cada vez que lhes dava oportunidade para se manifestarem e complicarem os seus dias, os quais deixaram de ter significado, demasiado previsíveis, insuportavelmente iguais.
Quase a sucumbir, mergulhada na sua própria dor, sem réstia de esperança, ouve a voz de uma criança, que a resgata daquele estado quase terminal. Instintivamente, abre os olhos para confirmar a presença de alguém a seu lado, naquele momento de sofrimento. É Santiago, seu filho, que aninhado junto dela a instiga a dar-lhe atenção. Sua meiguice ressuscitou-a, devolvendo-a à realidade e aos braços do seu tesouro de dois anos que apesar de não entender a dor da sua mãe, soube salvá-la do abismo.
Num movimento recupera as forças, que injecta para abraçar Santiago e agradecer-lhe os mimos que vieram no momento certo. A perda do marido abalou-a profundamente e ainda não conseguiu superar do trauma, que no dia do seu aniversário de casamento lhe bateu à porta. Vinha identificado, vestia farda azul e trazia péssimas notícias. Sua falta de sensibilidade levaram-no directo ao assunto, não tendo desperdiçado muito tempo com o acontecimento, esquivando-se logo de seguida da erupção de sensações que acabara de provocar. Maria deixou-se cair no chão da entrada abalada e gritou por David não contendo a dor que só Santiago consegue suavizar de vez em quando.

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