terça-feira, 26 de julho de 2011

Personagens Menores


Esta história pode ser apresentada de duas perspectivas. Sob uma perspectiva cómica ou sob uma perspectiva trágica.
Três personagens, três vidas, três criaturas sem noção, num só espaço, desdenham de tudo aquilo que não compreendem e que se apresenta melhor que elas.
Chamemos à nossa primeira personagem Fedora. Ela é a rainha do Fedor. Tudo lhe enoja mesmo antes de sentir ou de provar. Mulher intrometida, inconveniente e sem educação. Julga que tudo lhe diz respeito e sobre tudo tem que opinar. Impiedosa a criticar os outros, que destoam da sua maneira de ser. Raramente coloca em causa as suas acções, que quanto a si são sempre as melhores e as mais adequadas. Procura, constantemente, um alvo a perseguir como forma de entretenimento e para coleccionar matéria que quebre com a sua imensa falta de espiritualidade. É incapaz de ficar em silêncio, perscrutando seu próprio interior. O bem estar dos outros afecta-a de tal maneira que não consegue evitar detonar a felicidade alheia, com seus desabafos infelizes e carregados de inveja. Não reconhece mérito nos outros e, sem contexto algum, reclama atenção colocando em evidência ela própria e os da mesma criação que a sua. Não oferece qualquer surpresa nem deslumbre, só pena. Sua altivez desconcerta-nos porque só testemunha a sua própria mediocridade interior.
A segunda personagem consegue ser mais moderada em algumas manifestações próprias de um Ser Menor. Chamemos-lhe Bexiga. Apresenta-se tal qual uma víscera oca que se julga muito imprescindível e de extrema fiabilidade. Chega a ser irritante sua sapiência saloia cada vez que tenta auto-promover-se, a toda a hora, sustentando-se em nada concreto, nem tão pouco relevante. Sempre que pode, rouba o momento do outro para tentar surpreender a plateia, tentando convencê-los de que sabe o que diz. Na verdade, ela expulsa aquilo que os outros já mastigaram. Seu raciocínio é básico e pobre em conteúdo. Adora imitar e chamar a si o que não é da sua autoria. Defende-se antes mesmo de ser atacada, com medo que a desmascarem. Parece aquele miúdo incontinente que tresanda a urina e mesmo assim tenta esconder o óbvio até às últimas consequências, para não parecer mal e reprovável. 
Seu cérebro não consegue filtrar aquilo que não carece de verbalização. Comunicar sem pensar é um hábito recorrente da Bexiga. 
A terceira e última personagem é uma combinação destas duas mas numa versão agravada. Chamemos-lhe Obtuso. Este nome assenta-lhe bem mas outros há, que também o descreveriam na perfeição. 
O género é tão insuportável que até receio ao invocá-lo empestar meu pc com uma torrente de vírus nocivos e altamente destrutivos. Sem graça exterior, nem interior que compense. Amargo como rabo de gato. Seco e árido, afasta todas as espécies incluindo as rastejantes. Insensível, preconceituoso, maldoso, impiedoso, intolerante, são as características que melhor o identificam. Pode parecer implacável e cruel a minha apreciação mas só quem convive de perto pode comprovar e até desaconselhar sua presença nefasta.
Atormentado por um sentimento de inferioridade profundo tenta abafá-lo com sua arrogância inconsistente. Suas exibições demonstram ressentimentos inultrapassados. Não sabe perdoar nem reconhecer que errou. 
Em vez de se esforçar por melhorar-se enquanto pessoa, prefere vingar-se do mundo como se o mundo não o merecesse. Assustador é saber que se auto intitula um cativador de almas perdidas e em perigo. O seu poder tem tudo menos de curativo. Ele próprio é um ser incurável que não sabe amar o outro.
Fedora, Bexiga e Obtuso são uma irmandade de profetas da pobreza interior, que não chegam a fazer história.
Lamento mas o que quer que fosse que surtisse da combinação destes três resultaria desagradável. Ninguém merece. 
Qualquer semelhança com estes perfis é pura coincidência. 

terça-feira, 19 de julho de 2011

Sucumbir à Dor


A Luz apagou-se, o coração acusou batimentos cardíacos cada vez mais fracos e acabou por decretar falência, os sentidos desligaram-se. O sangue deixou de se espalhar e bombear as artérias, o corpo arrefeceu e rapidamente virou alimento de larvas, que atraídas pelo seu intenso odor, formaram uma gigantesca legião desordenada e faminta.
Sua alma levitou como uma sonda no espaço e sem deixar rasto partiu, deixando apenas a consolação de ter partido em paz.
Inconsoláveis, estavam as figuras vestidas de negro, que sem desgrudar, velavam o corpo, empregando ainda mais profundidade ao momento fúnebre. Quanto mais consumidos pela tristeza melhor. Mais tarde serão recordados como os mais afectados com a perda, que o tempo se encarregará de esbater.
Frases consoladoras saídas de um qualquer manual de boas maneiras rebentam com a nossa dor, porque teimam em querer apagá-la.
É uma batalha perdida e inútil. Para quê remediar o irremediável, com palavras de apoio que só sabem interromper nossa necessidade de privacidade. Nada disso nos alivia, nem é nosso propósito aliviarmo-nos. Afinal a dor é a única demonstração de Amor que nos resta e, por isso, não procuramos conforto nessa onda repetitiva de condolências gentis.
Não nos queremos despedir. Não queremos atirar para o passado o que previmos ter no futuro. Não nos queremos libertar da dor, ela prende-nos áquilo que recusamos abandonar apesar de nos ter sido retirado. O facto é que sabemos que a partida daqueles que mais amamos e veneramos, não impede o nosso percurso de Vida e essa evidência deprime-nos ainda mais. O pior é que ultrapassá-lo não resultará fácil enquanto as recordações recentes não se desvanecerem mas, com a passagem do tempo não restarão mais motivos para reviver o que não se pode recuperar e tudo aquilo que foi importante se evaporará.
Queremos impedir a passagem do tempo e comandar o nosso pensamento para aquele ou aqueles momentos em que fomos tão felizes e cúmplices. Queremos continuar a ser dignos do Amor dos ausentes e ficar suspensos por um sinal da sua omnipresença, que ditará a continuidade do nosso amanhã numa busca incessante por algo que nos aproxime deles.
Algo mudou e é essa impermanência que nos assusta. Aquilo que não podemos controlar coloca-nos numa posição muito vulnerável, sacrificando a nossa resistência à dor.
O sofrimento não honra os ausentes nem os faz ressuscitar. Viver Felizes é o melhor tributo que lhes podemos prestar porque foi assim que eles nos fizeram sentir e continuariam a fazer sentir. É nossa missão retomar esse ciclo de felicidade.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Pensamentos Soltos


1. Ideais não há.

2. Pessoas ideais também não.

3. Ser Feliz é uma escolha.

4. Justiça demorada perde eficácia.

5. Sonho nem sempre vira realidade mas, pode aproximar-se.

6. Amar nem sempre faz bem mas, não Amar faz pior.

7. Desistir atribui razões aos outros e retira-nos autonomia.

8. Acreditar alivia-nos do peso da realidade.

9. O Medo é um mecanismo de defesa que nos impede de viver plenamente.

10. Tolerar não implica aceitar mas, admitir que nem tudo pode ser mudado.

11. Amarmo-nos com base no que os outros pensam é doentio.

12. Quanto mais complicado mais interessante.

13. Normas existem para dosear a nossa liberdade.

14. Recaídas são fraquezas de quem não se sabe amar.

15. Solidão maior sente aquele que não se aceita e se acha diferente.

16. Dúvidas são atalhos para chegar à Verdade.

17. Envelhecer é um processo ingrato. Quando finalmente nos tornamos mais sábios para encarar a Vida, impedem-nos de Viver.

18. Crescer faz doer.

19. Vontade promove dinâmicas que desencadeiam acções, que por sua vez produzem resultados.

20. Cantar bem espanta Todos os Males.

21. Cantar mal espanta Todos os Males e também a freguesia.

22. Viver sem ânimo rouba-nos qualidade de Vida.

23. Perder vira derrota quando nos deixamos afectar e o encaramos como uma facada no nosso ego.

24. Orgulho benigno é a defesa do que é Bom e sagrado em nós.

25. Orgulho maligno é a defesa de tudo aquilo que é Bom e Mau em nós e não abdicamos de o sujeitar aos outros.

26. Perder ou falhar são aproximações à perfeição.

27. Tentação é o desejo suprimido.

28. Beleza sem conteúdo agrada mas não convence.

29. Serenidade é o estado de quem aprendeu a não guardar a dor.

30. Saudade é o alerta para as nossas dependências afectivas.

31. Humor é a camada fina onde se alojam as emoções.

32. Riso e choro são duas expulsões emocionais antagónicas mas, altamente libertadoras.

33. Amizade sem dedicação perde eficácia.

34. Culpar os outros pelo que não souberam ser ou não puderam ser, não nos isenta de responsabilidades para com aquilo que provocamos.

35. Indiferença é o castigo dos nossos inimigos.

36. Vingança é o tributo aos nossos inimigos.

37. A Esperança recupera o que julgavamos perdido.

38. O silêncio aprofunda o que ficou por dizer.

39. Doçura é candura.

40. Tudo e nada expressam muita coisa.

41. Inteligência conjugada com esforço traz mais proveitos.

42. Sorria mesmo sem motivo, não tardará a saber porquê.

Mente Insondável



Baldwin apresenta-se ao grupo de profissionais em saúde mental do Instituto Lonliness, isolado na periferia de Londres e longe do epicentro cosmopolita londrino.
Sorridente mas, sem se deslumbrar com a recepção que o aguardava, impaciente por aplicar a sua implacabilidade clínica, suspira baixinho e enfrenta o veredicto do júri. Antes disso, dedicou-lhes umas breves palavras em sua defesa, tentando atenuar a sentença. Sua habilidade para comunicar e convencer, confirmavam a sua inteligência persuasiva. Impressionante é a forma como ele cria emoções que desconhece, de uma forma tão real e verosímil. Baldwin Spencer escapou do internamento prolongado e do isolamento, naquele espaço frio e decrépito, com cheiro a morte lenta.
Agradeceu a confiança na sua regeneração e despediu-se das criaturas ingénuas que o absolveram da sua loucura. Cada vez mais confiante no seu poder de camuflar evidências, retira-se vitorioso e mentalmente enfermo. Despistara todos os exames psicológicos e a perícia técnica.
O Tribunal determinou à cinco anos atrás a sua inimputabilidade e, por sugestão de um advogado de defesa astuto e bem pago, decretou o internamento de Baldwin na casa mental do condado de Yorkshire. Juntamente com seu defensor, encenaram o seu distúrbio mental e enfatizaram o seu registo criminal limpo e sem mácula, como prova de um desvario sem premeditações.
Isolado numa cela exígua, desprovida de alma, parca em conforto, funesta, acolhimento do silêncio absoluto, programada para acalmar os distúrbios da demência, não se deixa abater. Nos cinco anos de clausura, não só não aprendeu a mudar o seu comportamento como, não reconheceu o erro, nem mostrou arrependimento. Apenas fingiu.
A má decisão judicial podia ter resultado em amarga tragédia. Desta vez, Baldwin quiz ir mais longe na sua empreitada de malvadez. Estavamos perante um racista sexual. A raça feminina constituia uma raça a exterminar, num sopro só. Conhecia bem seu modus operandi. Primeiro seduzem com seu olhar, que se esquiva, cada vez que se cruza com o do seu alvo, demonstrando interesse para depois os descartarem quando suas emoções estão em brasa. São todas iguais.
Todas elas foram concebidas para maltratar. Queria acabar com o poderio feminino. Por onde recomeçar?
A vizinha Rose fora sua primeira vítima. Pagara as consequências da sua intromissão, que incomodou Baldwin. Não gostou das suas tentativas de aproximação e seus ensejos para o agradar. Desconfiou da sua bondade feminina, quando ela desviou o olhar e percebeu seu desconforto. Atraiu-a para dentro da sua casa com o pretexto de lhe agradecer a amabilidade com que o recebeu no condomínio. Após visita guiada ao seu cómodo apartamento, encaminhou-a para a varanda, com a promessa de uma vista da cidade digna de um postal.
Impressionada com a paisagem detém-se junto ao gradeamento de protecção e a pedido de Baldwin, confirma a chegada da chuva, estendendo a mão para o infinito. Desprotegida, balança e cai desamparada na calçada. Morte imediata. Baldwin finge preocupação e corre em seu socorro. Gritou por ajuda que não tardou em chegar e confirmar o óbito.
Essa foi a primeira experiência activa com a morte.
Sentiu prazer em desembaraçar-se da curiosidade daquela mulher desocupada e cansada da sua viuvez precoce.
A sua libertação permitia-lhe repetir a proeza, fazendo outras vítimas. Não faltariam nomeadas. Elas proliferam por toda a parte.
Apesar de ter sido absolvido, havia populares que não acreditavam na sua inocência e a permanência naquele lugar, onde tudo aconteceu, o colocaria sob suspeita. Partiu sem remorso para outras paragens, virgens em acontecimentos criminais relevantes.
A pequena cidade gaulesa de Sens foi a escolhida. Simpática e pitoresca, só podia ser albergue de Mulheres cheias de disposição em receber um turista rendido à novidade.
A estalagem Bonne Nuit acolheu-o num quarto single, com vista para a praça, ponto de atracção turística de Sens. Era perfeita para se perder na obscuridão da sua mente perturbada, que contrasta com a prezada calma daquele lugar, que privilegia o espiríto de comunidade e interacção social.
Baldwin nunca se quiz integrar em grupos, que sufocassem a sua liberdade e estranha individualidade. Orgulhava-se do seu estado de outsider porque o libertava da envolvência social e comunitária, dos afectos, das retribuições, da igualdade, das desilusões, da fraqueza humana. Dela aproveitava-se para cometer as suas atrocidades e defender a sua raça superior. Seus alvos eram as Mulheres carentes, marcadas pela rejeição, inseguras e emocionalmente instáveis. Aproximava-se com grande tacto para lhes apalpar o pulso e ganhar a sua confiança, garantia do seu domínio total e do prazer de as ver sucumbir a seus pés, implorando por clemência. Excitava-o vê-las a rastejar por misericórdia.
O esquema de conquista tornou-se num padrão e imagem de marca do seu modelo de actuação.
Valerie foi o próximo alvo de Baldwin. Mulher sociável, sobretudo com o sexo oposto, com o qual se deixava encantar facilmente e se, no caso, fossem forasteiros então maior era o seu deleite. Pobre Valerie. Caiu nas malhas apertadas de Baldwin que, não se permitia falhar.
Após ter sacrificado o seu corpo para dar prazer a Valerie, era a sua vez de ser compensado. Aguardou pacientemente que Valerie se entregasse ao sono, para imprimir sua força bruta com a ajuda da almofada, que a despertaria para a Morte.
Quando se preparava para agir foi surpreendido com a entrada brusca de dois agentes da Scotland Yard, que o impediram de satisfazer sua vontade mórbida. Valerie acordou sobressaltada e assustada com a intrusão. Mais surpreso ficou Baldwin com a visita inesperada e em sua defesa, tentou argumentar com a sua habilidade habitual para convencer, mas foi em vão. Os agentes conheciam bem as suas manhas, suas obssessões, seus ímpetos de malvadez. Sem saber, Baldwin tinha sido vigiado desde que abandonou Londres e um passado no minímo intrigante.

domingo, 10 de julho de 2011

I Like

Gosto de gente simpática e sobretudo educada
Gosto de silêncio mas não muito
Gosto de esplanadas de Verão e de Inverno
Gosto de apreciar, sem ser notada
Gosto de gente que ousa quebrar com o conformismo
Gosto das manhãs livres
Gosto de pessoas, com as quais posso aprender algo
Gosto de pessoas autênticas
Gosto de uma boa conversa
Gosto de música ambiente
Gosto de pessoas com opinião
Gosto de desabafar o que sinto
Gosto de ser ouvida
Gosto de estar perto de pessoas que melhoram a minha disposição
Gosto de aprofundar
Gosto de me prender a um bom livro
Gosto de ver pessoas bonitas e que gostam de se cuidar
Gosto do cheiro intenso a café
Gosto de Chocolate
Gosto de boas sugestões
Gosto que me entendam
Gosto de me expressar
Gosto da diferença
Gosto de me inspirar num bom filme
Gosto de mentes abertas
Gosto de sacar a alguém uma boa gargalhada
Gosto que as pessoas se sintam acolhidas na minha presença
Gosto da liberdade para decidir sem pressões
Gosto que me saibam valorizar
Gosto de me emocionar
Gosto de ver Famílias Unidas
Gosto de ser um bom exemplo
Gosto de partilhar
Gosto de conhecer outras culturas e retirar o que elas têm de melhor
Gosto de provocar boas sensações
Gosto de ter tempo para mim
Gosto de cuidar de mim
Gosto que me transmitam confiança
Gosto de pessoas invulgares
Gosto de ver a maldade ser derrotada
Gosto de ver pessoas maldosas serem desmascaradas
Gosto que me peçam conselhos
Gosto de pessoas sensatas
Gosto da baixa mar para caminhar na areia molhada
Gosto de reanimar alguém em sofrimento
Gosto de saber que tenho o poder para reverter aquilo que não gosto em mim e à minha volta
Gosto de um bom abraço
Gosto de me sentir útil
Gosto de sentir que fiz o que era mais correcto
Gosto de ouvir a música da minha eleição em tom alto
Gosto de arrasar com pessoas preconceituosas e invejosas
Gosto de ser por vezes forte (nem sempre)
Gosto de boa companhia
Gosto de pessoas sensíveis
Gosto de saber que pensam como eu
Gosto de me sentir Feliz
Gosto de boas surpresas
Gosto de ver o bem triunfar sobre o mal
Gosto de ouvir histórias de sucesso
Gosto de pessoas humildes
Gosto da magia do Natal
Gosto de sonhar
Gosto de boas acções
Gosto de acabar o que comecei
Gosto que façam as minhas vontades
Gosto de sair da rotina
Gosto de aplicar bem o meu tempo e dinheiro
Gosto de ser saudável
Gosto de pessoas com bons princípios
Gosto de pessoas que não calam os seus sentimentos
Gosto de dormir bem e acordar melhor
Gosto dos finais de semana
Gosto de pessoas bem humoradas
Gosto de pessoas discretas
Gosto da novidade
Gosto de Destinos longínquos
Gosto de escrever quando me sinto triste e só
Gosto de gelado de morango
Gosto de pessoas com bom gosto
Gosto de pessoas, sem vocação para a inconveniência
Gosto de pessoas decididas
Gosto de TI, que sabes gostar de MIM.

sábado, 9 de julho de 2011

Almas desencantadas



Silêncio total, escassa luz natural, ruídos indecifráveis, respiração acelerada, algum receio mas também, muita curiosidade, em acabar com o mistério daquele lugar perdido na mata, que conta a lenda ter sido palco de um rapto de uma jovem de vinte anos.
Apesar da jovem ter sobrevivido ao trauma, quiz guardar segredo da história que protagonizou, bem como, todos os detalhes do medo que sentiu. Sabe-se que o responsável pelo acto não assumiu sua autoria e, por isso, foi condenado ao remorso que o atirou para o isolamento e, por fim, para a morte tão desejada.
Já passaram tantos anos mas, os mais velhos não esquecem esse passado mau que ensombrou a aldeia de Castrim, até ali refúgio de caminheiros rendidos à sua pacatez.
Samuel foi um dos hospedeiros desta história, carregada de dor, que seu avô não se cansa de lhe relembrar sempre que ele lhe dá essa oportunidade, aproveitando assim para esvaziar todo o seu legado de memórias.
Samuel cresceu a ouvir retalhos deste drama e, aos poucos, interessou-se em recriar esse episódio cheio de densidade dramática.
Os dados eram poucos e difusos, para reconstruir os momentos complicados que Marlene viveu na presença do seu agressor.
Seu espírito inquieto impulsionou-o a mover esforços para remexer na ferida, velada pela vergonha de uma comunidade fechada que, sem saber, gerou um monstro de quem nunca suspeitaram vir a temer.
Iládio, filho único de Gertrudes e Valdemar, enganou-os a todos com seu modo apagado de ser. Seus pais até o convenceram a experimentar a via religiosa. Julgavam eles ser a melhor escolha para ele. Porém, as constantes ausências de Iládio no seminário, arrasaram com as saudades da sua mãe, que acabariam por forçar a sua desistência. Seu pai achou ser um erro mas, aceitou a vontade da Mulher, nada conformada com o afastamento do seu menino de ouro. Iládio tornou-se um homem fechado em si mesmo, de poucas palavras, sem expressividade, baço e algo invisível. Foi através dessa invisibilidade que Iládio aproveitou para criar o seu disfarce, de homem inofensivo e sem maldade.
De longe, expiava Marlene, registando com pormenor cada passo seu, cada gesto seu, todo e qualquer sinal da sua vivacidade. Apesar de se terem cruzado várias vezes e Marlene, o ter ignorado, nunca houve uma tentativa da sua parte de aproximação. Até parece que, provocava aqueles reencontros para conceder a Marlene a oportunidade de se redimir, junto dele, por o ter evitado repetidas vezes. Tal não aconteceu. Marlene continuou a discriminá-lo e a ferir o seu frágil orgulho masculino.
Desprevenida, Marlene nem tentou escapar à sua boleia, naquela vespertina quinta-feira molhada de Setembro. Sem hesitar, acomodou-se a seu lado sem receio das suas atormentadas intenções. Iládio cumpria o seu plano, deixando-a cada vez mais desconfiada e assustada. Quando, finalmente, percebeu o desvio de comportamento e de trajecto também, sentiu-se ameaçada e gritou por ajuda. Ninguém a ouviu, naquele lugar, à mercê do abandono. Arrastada até ao buraco frio, outrora abrigo de ursos selvagens, suplica por um milagre que a resgate de todo o Mal. Caíra em desgraça, ainda a determinar pela vontade daquele homem movido pelo demónio. Que destino teria ele traçado para ela?
Sujeita aos seus caprichos doentios, aguardava ser alvo de todos eles. Estranhamente, nada disso aconteceu. Iládio mostrou-se muito cortês e atencioso, cedendo-lhe o seu casaco de fazenda para a defender do frio da mata. Marlene aceitou o gesto sem se comover e remeteu-se a um silêncio perturbado. Afinal que queria ele?
Sua calma, deixavam-na cada vez mais apreensiva e tentada a provocar-lhe uma resposta, que a ajudasse a desmontar o mistério em torno do seu rapto. Iládio continuava a tentar agradá-la apesar das suas continuadas rejeições. O pior aconteceu quando Marlene invocou o nome da sua querida e intocável Mãe Gertrudes, pensando conseguir demovê-lo daquela loucura. A ousadia enfureceu-o. Marlene teve que pagar a inconveniência com mordaças e amarras apertadas. Sem mobilidade, teve que aturar as metamorfoses de personalidade do seu carrasco. Ora atencioso, ora irado.
Tentou acariciá-la na face, desculpando seu temperamento intempestivo mas, Marlene sacudiu a cabeça sem reconhecimento. Iládio descontrolou-se e, sem piedade, desferiu-lhe um duro golpe na nuca que a deixou inconsciente. Ele só queria que Marlene o amasse. Pensava ele, ser capaz de ganhar o amor daquela Mulher. Julgava-a, nos mesmos moldes da sua mãe. Temente a ele e à sua dedicação.
Sem vocação para despistar psicopatas, Marlene alimentou a frieza de Iládio.
Vendo-a desmaiada sobre o manto dourado de folhas secas, declara-lhe o seu Amor. Tirando o enredo, o cenário até que era dos mais românticos. Lá nisso Iládio teve olho. Só não tinha noção dos seus actos impulsivos, marcados por uma infância protegida e sem contrariações. Aproveitando, a dormência de Marlene, corre para a estrada, onde largou o seu transporte e apressa-se a comprar mantimentos para ambos, programando mantê-la por mais algum tempo em cativeiro.
Atordoada com a força da pancada, recupera lentamente os sentidos que a hão-de tirar dali. Que ódio daquele paspalho perturbado, que a todos enganou com seu ar sereno e confiável, pensou ela. Sem poder gritar, nem movimentar pés e mãos, desespera por uma solução rápida que a liberte dos designíos do Mal. Em boa verdade, a necessidade aguça o engenho e foi com essa urgência que Marlene apurou sua esperteza. Esquecido no bolso das calças jazia o isqueiro, combustor de um vicío, condenado pela sociedade patriarcal, que privilegia o recato nas mulheres de família. Às escondidas, acalmava a ansiedade própria de uma juventude instável.
Bendito objecto non grato, que a desembaraçou das ataduras improvisadas pelo seu raptor. Acelerou o passo e correu até casa sem olhar para trás. O caminho era longo mas Marlene, enganava o cansaço com a sua obstinada vontade de fuga. Quando encontrou sua mãe, entretida no jardim de casa, só lhe apeteceu abraçá-la e ficar em segurança no seu colo, mas foi dissuadida pela má reacção da mãe à sua chegada. Eram recorrentes as suas implicâncias com os atrasos de Marlene para jantar. Só que desta vez não foram as passas que a atrasaram. Não valia a pena debater com a mãe suas razões. Ela iria encará-las como desculpas esfarrapadas para escapar dos castigos. Marlene, gramou com todos eles e sentiu em todos eles o desgosto de uma mãe movida pelo abandono. Até parecia que ela era culpada do seu estado de infelicidade. A mãe nunca a compreendeu e enquanto não apagasse o passado de amargura, jamais a compreenderia. Por isso aceitou mais um castigo e abafou o caso. Apenas sua melhor amiga soube do susto que viveu e até ela custou a acreditar. Comprometeu-se a revelar o segredo de Marlene, caso a amiga incorresse em perigo. Tal não foi necessário.
Iládio, temendo ser desmascarado, saiu de casa dos seus pais e converteu-se à clausura dos padres beneditinos, sem nunca ter confessado seu maior pecado.
Samuel termina a sua pesquisa, fotografando o lugar de perdição dessas duas almas desencantadas com o amor. Uma com falta de amor e outra com excesso dele. Qual destes traumas causa mais transtorno? Esta será a questão que Samuel irá desenvolver na sua tese de apresentação sobre os Perigos do Amor nas suas múltiplas facetas, que dedicará ao seu preferido contador de histórias de sempre e também seu avô.

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...