quinta-feira, 30 de maio de 2013

Estou de Saída


O dia mal tinha começado, o silêncio ainda reinava em todas as divisões da casa e prometia prolongamento, apenas Vivian permanecia acordada e em pé, vagando pela casa de campo “Monsul”, perdida na seara alentejana de Aljezur. Tudo era tão profundamente calmo e sem perspectivas de mudança, que num espírito inquieto como o de Vivian causava uma ligeira aflição e a sensação de estar perdida numa ilha, distante de todas as oportunidades e da agitação, que parece ser, a única razão que a convence a viver mais e melhor.

Precisava sair daquele marasmo o quanto antes e bater asas para bem longe e poder chilrear de contentamento e vivacidade. Não pertencia aquele lugar encostado ao vazio e envelhecido, sem grandes acontecimentos, condenado ao isolamento e praticamente esquecido.

Um bilhete bastava para comunicar sua fuga, isento de despedidas cheias de pesar e remorsos, por não corresponder às solicitações que a convocam a ficar e resistir em nome do Amor dos seus entes queridos. Por mais que tentasse explicar-se, não iriam compreender seus motivos e, por isso, o único recurso foi evitá-los e virar costas com a promessa de enviar notícias em breve e permanecer sempre em contacto.

Seus movimentos foram cautelosos e amortecidos por pés ágeis e descalços, para não acordar nem alarmar ninguém. Na bagagem levava o essencial, o resto ficava para um dia quando pudesse regressar matar saudades. Não sabia por quanto tempo iria estar ausente nem para onde iria formar uma Vida nova. Nada de certezas, nem garantias mas, muita vontade de arriscar na sua liberdade.

No bilhete constava a seguinte mensagem:

 

“Pai, Mãe, irmãos, estou de saída por algum tempo. Não sei por quanto tempo. Preciso me organizar e orientar minha Vida, até aqui estagnada e sem grandes emoções. Preciso buscar novas sensações. Não encarem como ingratidão da minha parte. Sei bem o que vocês representam para Mim e não esqueço o Amor que nos une e sempre unirá.

Prometo voltar e com novidades boas.

Levo-vos comigo naquela foto de família, tirada junto ao rio e que, tantas risadas provocou, não que seja, para me lembrar de vocês, serve apenas para poder rever-vos sempre que a saudade consumir meu coração.

Um beijo para todos. Amo-vos sem excepção.”

Vivian

 

Á saída verteu uma lágrima de despedida, que depressa enxugou com as costas da mão, livre do peso da bagagem. Estava decidida e o que quer que resultasse da sua decisão não poderia gerar lamentações da sua parte nem recuos. Iria experimentar um outro registo de liberdade e aprender a viver por sua conta e risco. A ter que errar, pensava Vivian, que seja através de escolhas só minhas e não por influência de terceiros.

Na estação de comboios, certamente iria cruzar-se com gente conhecida, não fosse ela viver numa terra demasiado pequena e com muitos lugares comuns, que obrigam a muitos encontros e a uma convivência forçada, para não gerar que os maus comentários se espalhem e o nome da sua família fique manchado por falta de educação ou cortesia. Sabia que ia ser tema de conversa e deixar sua família entregue às línguas afiadas de um povo, preso a uma felicidade remediada.

Tentou passar despercebida e mal o comboio parou no apeadeiro, apressou-se a entrar e num ápice, esgueirou-se para junto da janela, bem no fundo da carruagem, sem nunca largar seus óculos, propositadamente escuros e isentos de emoção.

O sono militante da preguiça e do embalo provocado pela trepidação da carruagem, fizeram-na render-se ao descanso. Não queria pensar mais nem avaliar melhor sua decisão. Daqui para frente queria desfrutar de uma nova corrente de acontecimentos e reter do passado apenas as boas recordações, que quase sempre reportam à sua família.

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