segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Uvas passas, desejos mirrados

As palavras custam a sair. Acho até que, regelaram e sucumbiram ao frio, dos primeiros dias de janeiro.
O arranque do ano nunca foi fácil e são necessários esforços extraordinários, para sair do estado letárgico, resultante do fecho do ano.
Só de pensar, na repetição dos dias, os mesmos cenários, os conflitos de sempre, frases batidas, mau humor matinal e, nalguns casos, visceral, ressentimentos e um copo cheio de dedadas familiares, que nos deixam ébrios, de uma militância sem progresso, fico doente.  
As doze uvas mirradas, uma por cada desejo manifestado, mas nunca atendido, não impedem esta preguiça dominante de se fixar. É sorrateira como a gata da vizinha e seu pêlo de veludo branco, garimpeiro de reações alérgicas, nos organismos mais expostos. A tentação é sacudi-la, como quem sacode a caspa das ombreiras dos casacos. Apesar das inúmeras tentativas, ela não sai, nem esvoaça para longe. Cola-se à vontade que, não passa de uma boa intenção. Às tantas e sem dares por isso, estás a entoar o mantra da procrastinação.
Acredito que, tal como os bagos de uvas, somos prensados, os sucos são extraídos e reina a confiança que, esta será a melhor colheita do ano. Basicamente, és forçado a abandonar a tua identidade de vinho de mesa corrente e adotar a identidade de um vinho DOP. 
Agora entendo porque tem havido um excesso de fraudes. Todos querem ter o selo de vinho DOP, por estarem fartos de viver na vitrine dos vinhos, com sabor a vinagre.
Os seus sucos são insuficientes, para produzir um vinho de excelência e dispensam quaisquer processos de decantação. Na verdade, desperdiçou-se um bom cacho de uvas que, muito provavelmente, ganharia destaque numa fruteira, em ouro foscado, que serviria de modelo a um pintor realista e apreciador da natureza morta e sua força simbólica.
Nem sempre o lugar onde nos encontramos, permite evidenciar quem somos e expor aquilo que temos de melhor e exulta nossas qualidades e capacidades.

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