quinta-feira, 18 de setembro de 2025

MEU NOME É ALMERINDA!

Já morri há alguns anos, bem longe do local onde nasci e pouco cresci. Não guardo saudades, só rancores e, talvez, por isso, não me quisessem ali, junto deles e próxima, de todos os outros que se achavam diferentes de mim.  O meu interesse em regressar não era emocional, muito menos umbilical. Na verdade, eu só queria esquecer, mas para isso precisava beber.

A minha fonte de rendimento era a minha mãe, numa troca de favores, embrulhados em remorsos, ressentimentos, vergonha e compensações rasas, sem margem para perdões e absolvições.

Os homens não me queriam mais e os que me queriam eram esmurrados à saída. Lembravam-me o homem, que a minha mãe escolheu para ser meu pai.

O pesadelo de todas as noites.

Aquele homem, outrora, alto, robusto, olhar inexpressivo, com mãos de aço, rude e cheio de más intenções, tombou de dor e morreu desamparado. Gostava de ter estado presente e vê-lo, ali, suplicante, em agonia, impotente, frágil e só. Morreu jovem, mas demasiado tarde. Pelo menos, para mim.  

Nasci e cresci num enquadramento, onde a violência, os abusos, o choro abafado, a negligência física e emocional, a conivência, a estigmatização, faziam parte do meu quotidiano.

Ninguém se queria aproximar de mim, com medo das minhas reações e eu, por sua vez, com medo das suas intenções.

Retiraram-me todas as oportunidades, mal tinha acabado de nascer e, o que se seguiu, foi um descarrilamento para o abismo.

A bebida era a minha anestesia para tudo e foi, também, a que me conduziu até aqui. Só queria esquecer, que nasci Almerinda, a condenada, da villa pasquim.

Adotei o nome Marisa, bem distante daquele que me calhou e me traz a lembrança do meu oposto. A menina com mais oportunidades na escola, com melhores notas, melhores pais, melhor família, melhores amigos, melhor casa, melhor futuro.

A falecida Almerinda e a Marisa eram os extremos opostos que se estranhavam, mas não se evitavam. A Marisa intrigava-se comigo e, eu, com ela. O meu jeito fechado, os meus maus modos, os meus andrajos, o meu isolamento, a minha fúria e vontade de aprender, despertaram-lhe curiosidade. Por sua vez, a sua graciosidade, inteligência, doçura, beleza cuidada, modos suaves, conquistaram meu coração inabitado.

As amigas improváveis que chocaram o universo escolar e provocavam mau estar nas amigas de berço, carregadas de afinidades.

Eu não pertencia ao mundo delas que, também, era o mundo da Marisa. Algo que, eu percebi desde muito cedo, quando tudo me foi negado. 

Não havia lugar para mim.

A Marisa é o alter ego da Almerinda

Uma mulher vistosa, atraente, provocadora, enigmática e perigosa. Na verdade, eu sentia-me uma justiceira implacável, invencível e poderosa.

Marquei todos os homens que compraram o meu amor pelo canal virtual.

Menos, um.

Aquele que, me fazia desligar deste mundo cruel foi poupado.

Antes de desaparecer, dopava-os até à inconsciência e marcava-os com um ferro em brasa, com as iniciais M&A, como se faz ao gado. 

A minha identidade nunca foi revelada, para evitar perseguições e retaliações. Apesar de terem contratado a Marisa pelo canal Amor Sem Cerimónias, eu nunca existi e meu perfil foi apagado de todos os históricos. Desaparecia por uns tempos para mais tarde regressar, novamente, com o mesmo nome, numa outra área geográfica, num outro país, num outro estado, diante de outras vítimas, mas com o mesmo propósito.

Para mim eram todos iguais, com o mesmo padrão de comportamento, emocionalmente impotentes, sem carisma, brutalmente básicos e ingénuos. 

Todos, menos um.

O visitante número 99, com o nome de um guerreiro viking, nacionalidade universal e perfume Valetino, distanciava-se do padrão habitual, o que fez ativar as minhas desconfianças militantes. A sua entrada harmoniosa, educada, empática e interesse em me conhecer, levantaram todas as suspeitas e red flags. 

Ele adotou o nome de um guerreiro e eu vesti-lhe a armadura. 

O facto de não querer despachar o assunto e procurar maior envolvência, quase me conquistou, num momento de distração meu. Por pouco, fui apanhada.

A recusa em conversar fê-lo recuar e abortar o ato, mesmo tendo pago e bem, por uma noite comigo.

Nunca me tinha acontecido!

Pensei que, nunca mais fosse regressar e forçar-me a concretizar suas bizarrias.

Voltou e disposto a conversar, na tentativa de me conhecer melhor.

Ativei minhas reservas, meus planos de emergência, em caso de ataque súbito e encarei a sua vontade de conversar, como uma fantasia paga de um homem solitário.

Não podia deixar que ele deixasse marcas em mim.

As visitas foram se tornando cada vez mais frequentes. O interesse era sempre o mesmo, relaxar, chillar, falar sobre o seu dia, seus likes, dislikes, sua infância, a morte dolorosa do seu cão viking, dormitar um pouco, tomar um duche e sair com um sorriso de agradecimento perfumado. 

A sua presença era cada vez mais aguardada, a vontade de beber subitamente esfumou-se e a permanência naquele lugar tinha excedido o prazo habitual, muito por culpa do guerreiro viking e seu investimento de longa duração em mim. Por esta altura, já estaria longe a carimbar minhas iniciais M&A.


quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Dinâmicas de grupo na ótica do sabotador

Dinâmicas de grupo na ótica do sabotador

Quem és tu, neste plano?

O sabotador ou o sabotado?

Sentes que as tuas intervenções não vingaram, porque, entretanto, foste interrompido e te retiraram a palavra, sem dó nem piedade ou és aquele rolo compressor, que atropela e derruba tudo e todos?

Desafio-te a seres a lente transparente e imperturbável, capaz de revelar, sem distorções, o lugar que ocupas nesses contextos.

Ambos sabemos que esses perfis, sabotador e sabotado, existem e são muito comuns.

Que outros perfis reconheces nesses contextos e merecem a tua atenção?

Consegues visualizar, algum ou alguns?

Acreditas que ambos os perfis, sabotador e sabotado, são dominantes nesses enquadramentos?

Como te posicionas em situações, que envolvem dinâmicas de grupo?

A questão é: 
- O teu interesse é contribuir ou sobressair?

O sabotador não é bom, nem mau ouvinte. Ele, simplesmente, não ouve.

O sabotado perde com facilidade a intenção e seus argumentos enfraquecem, por falta de bases de sustentação sólidas.

Há, também, o apressado e sua urgência em despachar e sair. A sua agenda é preenchidíssima e o tempo não é elástico.

O silencioso, praticamente, invisível, algo desinteressado e totalmente alheio. É mais um dos perfis possíveis.

O atrasado, também, ele apressado, especialista em angariar desculpas e memes de enfado.

O criativo, muitas vezes, incompreendido, com uma visão futurista do mundo. Curioso e consumidor de múltiplos universos, cada um com as suas idiossincrasias, ricas em conteúdo e possibilidades.

O divagador que arranca bocejos e distribui cansaço.

O outsider ou inadequado, que nem sabe bem como foi ali parar e o que esperam dele ou, sequer, o que ali está a fazer. Algo ou alguém, sintonizou-o noutra frequência e desarranjou seu circuito neuronal.

O distraído com conversas paralelas, ainda em modo fim de semana, sedento de novidades escandalosas.

O mobilizador, otimista q. b. , com o drive certo, o tom adequado, o timing perfeito, catalizador de atenções, neutralizador das intervenções estéreis, consumidoras de tempo e geradoras de desgaste. Fomentador e Conquistador de bons ambientes.

Os predicados do seu perfil só sobressaem, se houver interesse em contribuir.
As sabotagens interrompem ciclos de crescimento.

Escolha ser o mobilizador. Nunca, o sabotador.
 



segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Plateia faminta

Não entraste sozinha mas também não entraste acompanhada. Contigo, iam os teus pensamentos, inseguranças e tiques, reguladores das tuas emoções em cascata.
Escolheste sentar-te no meio da sala. No epicentro de todos os olhares indiscretos e invasores.
Os espíritos julgadores observavam-te insistentemente, enquanto, criavam conteúdo inútil.
Eu admirei, de longe, a tua coragem e autodomínio.
O vizinho da mesa ao lado quis cruzar olhares, em busca de validação feminina e confirmar que a sua masculinidade continuava ativa e saltitante.
Julgou-te disponível, desesperada, carente e desejosa de ter uma presença masculina do seu lado. 
Um julgamento pobre em argumentos, a combinar com a sua fisicalidade em apuros.
Concentrada no livro ou a tentar não divagar, numa alternância desordenada e conflituosa, só interrompida pela chegada fumegante do prato de lasanha de pacote, obrigaram-te a erguer os olhos e encarar a plateia faminta.
Um circo de distrações que teimaste em rejeitar, até à tão aguardada saída.

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...