sexta-feira, 1 de abril de 2011

Operação Presente



Quando podíamos ser o que quisessemos não sabíamos o que queríamos e agora que sabemos o que queremos não podemos ser quem queremos. Poder até podemos mas agora torna-se mais difícil acordar para essa possibilidade. Por mais liberdade que tenhamos, nunca seremos totalmente livres. Há em nós uma consciência que nos demove de agir de determinadas formas e ser livres, para cometer egoísmos. Afinal ser feliz não é também privilegiar nossos desejos pessoais, satisfazê-los, prolongar esse estado de felicidade, escancará-lo sem temer ferir susceptibilidades, gozar dessa boa energia sem culpa, sabendo nós que nem todos estão no mesmo registo que o nosso, nem saberão acompanhar essa nossa boa disposição sem estranhar ou invejar. É humano sentirmo-nos perturbados com o contentamento dos outros, sinónimo também de sucesso pessoal, que nem todos conseguem atingir e muito menos prolongar. Essa luminosidade interior que irradia e assusta os queixosos, convictos de que tudo à sua volta é azar e desgraça, cultiva-se com a serenidade de quem aceita o que vem na rede. Nem todos têm sensibilidade para entender essa nobreza de espírito, que encaram como uma espécie de insanidade mental, por não haver razões concretas, mensuráveis, visíveis para viver bem. O mal é geral. Caímos todos no erro de desperdiçar o presente, massacrando-nos com o passado e afligindo-nos com o futuro.
Se eu soubesse o que sei hoje faria diferente. É tão recorrente invocarmos esta frase para justificarmos o que não foi feito e adiarmos, mais uma vez, o que ainda está por fazer. Esta resignação de quem depois se vem lamentar do que atraiu é paradoxal. Por um lado, resigna-se com aquilo que conquistou mas, por outro, lamenta-se com o rumo dos acontecimentos.   
Sentir saudades é bom quando reconhecemos e aceitamos que não podemos ressuscitar o passado e retêmo-lo como uma boa lembrança, à qual podemos recorrer sempre que quisermos . Sentir saudades é mau quando queremos fazer uma colagem do passado ao presente, numa repetição de comodidades que nos permite prever o futuro. O presente é a ocasião. O presente é a oportunidade. O presente é garantido. 
Nunca lamentes o que ficou para trás, nem te acomodes a pensar no que o futuro te reserva. Até parece que, estou a incitar que cometamos loucuras só para garantirmos o presente e o aproveitemos ao máximo. Nada disso. A Vida é preciosa demais para nos entregarmos a devaneios inconsequentes mas é também suficientemente espaçosa para cometermos uma ou outra loucura que nos faça acelerar os batimentos cardíacos, para depois nos voltarmos a reposicionar nos nossos propósitos.
Eu continuo a ser uma aprendiz na arte de Viver bem e só deixarei de o ser quando o além me chamar.



quinta-feira, 31 de março de 2011

Grito de Dor

Gritou mas ninguém a ouvia. Gritou mais alto, com grande esforço, mas a indiferença era total e ela sabia que não resistiria por muito mais tempo. Fechou os olhos, entregando-se à solidão que doía impiedosamente. Sem energias para reagir, projecta os seus membros para longe, em sinal de desistência. Sentia-se cansada para lutar contra seus próprios demónios interiores, que ganhavam grande expressão, cada vez que lhes dava oportunidade para se manifestarem e complicarem os seus dias, os quais deixaram de ter significado, demasiado previsíveis, insuportavelmente iguais.
Quase a sucumbir, mergulhada na sua própria dor, sem réstia de esperança, ouve a voz de uma criança, que a resgata daquele estado quase terminal. Instintivamente, abre os olhos para confirmar a presença de alguém a seu lado, naquele momento de sofrimento. É Santiago, seu filho, que aninhado junto dela a instiga a dar-lhe atenção. Sua meiguice ressuscitou-a, devolvendo-a à realidade e aos braços do seu tesouro de dois anos que apesar de não entender a dor da sua mãe, soube salvá-la do abismo.
Num movimento recupera as forças, que injecta para abraçar Santiago e agradecer-lhe os mimos que vieram no momento certo. A perda do marido abalou-a profundamente e ainda não conseguiu superar do trauma, que no dia do seu aniversário de casamento lhe bateu à porta. Vinha identificado, vestia farda azul e trazia péssimas notícias. Sua falta de sensibilidade levaram-no directo ao assunto, não tendo desperdiçado muito tempo com o acontecimento, esquivando-se logo de seguida da erupção de sensações que acabara de provocar. Maria deixou-se cair no chão da entrada abalada e gritou por David não contendo a dor que só Santiago consegue suavizar de vez em quando.    

terça-feira, 29 de março de 2011

Saudade


Salomé detestava que a amiga atraísse as atenções daquela maneira mas, por mais que lhe rogasse que não o fizesse, mais ela insistia em fazê-lo.
A discrição de Salomé esbarrava com a efusividade da amiga. No entanto, achava graça a algumas das suas manifestações impensadas e irresponsáveis, tão naturais e sem segundas intenções. Acontece que, nem todos encaravam bem os ímpetos da sua amiga e ofendiam-se com suas atitudes, que reclamavam exageradamente atenção. Dulce nunca soubera controlar a ansiedade e dosear as emoções, que a assaltam numa cadência acelerada e inesperada.
Já em andamento, informou que ia levá-la a almoçar a um lugar diferente do habitual. Um espaço modesto, acolhedor, de cariz familiar, experiente na estimulação dos sentidos induzida através do seu menu caseiro, testado diariamente por todo o tipo de paladares, que à saída não escondem sua satisfação.
Salomé ficou curiosa e subitamente esfomeada com a descrição da amiga.
À medida que se aproximavam do seu destino de almoço, Salomé sentia uma ansiedade inexplicável e inquietante. Ao dobrar a esquina e deparar-se com aquela casa antiga com a tinta descascada pelo tempo, grandes vidraças que mais pareciam painéis solares, porta exterior do século passado que simulava estar a isolar um forte militar, sentiu a forte presença do seu passado.
Esse lugar foi em tempos visita regular da sua família e traz-lhe muitas saudades. Algo que ela já não reavivava a algum tempo.
Passaram trinta anos e nada mudou, nem as sensações que Salomé sente ao pisar de novo esse chão, onde ela e seus irmãos deslizavam de contentamento. Amavam estar juntos, sempre sob olhar atento dos seus pais, que custaram a aceitar seu crescimento e sua independência.
Salomé é a mais velha de três irmãos com idades muito próximas, a mais responsável, a mais sensível, a mais saudosista, a mais carente, a mais reservada, a que mais sofreu com o distanciamento familiar. Naquele tempo não se desgrudavam nem se cansavam da companhia, que entretanto foi substituída por outras bem melhores que agora são presença assídua nas suas agendas, fazendo-os esquecer daquele tempo do qual Salomé sente a dor da saudade. Sem querer, soltou uma lágrima ao relembrar as emoções do passado, naquele lugar que encerrou um capítulo tão importante da sua Vida.
Viviam num mundo fechado, sem desvio de atenções, concentrados uns nos outros e distribuindo amor e atenção por todos. Até que, foram obrigados a socializar com a entrada na escola, a participar das actividades extra curriculares, a conviver com os amigos, a respeitar os professores. Mais tarde, a aprofundar as suas relações amorosas, a dedicação ao emprego, a comparecer nas reuniões do condomínio, nas reuniões de pais, nas festas de aniversário, a assumir responsabilidades financeiras, a dormir pouco, a temer o futuro, a gerir conflitos e como resultado de tanta pressão exercida pelo excesso de compromissos, esqueceram-se de como é Amar.
Salomé tem saudades da mão estendida do Pai que ela gostava de apertar, da ternura com que a Mãe cuidava dos pormenores para que nada lhes faltasse, das gargalhadas dos irmãos que tantas vezes acordaram a avô Rosalinda e seu mau feitio, do Natal na aldeia com toda a família representada, dos mimos, dos abraços, do aconchego, da protecção, do Amor sem concessões.
Dulce, sem entender qual a mística que aquele lugar encerra, interrompe os pensamentos de Salomé e pergunta o que lhe apetece para almoço.
Salomé responde: o churrasco de há trinta anos atrás.

sábado, 19 de março de 2011

Este país não é para jovens à rasca

A  nova geração que frequenta as nossas instituições de ensino vê-se à rasca para acabar o curso. Arrastam cadeiras em atraso, para prolongar um pouco mais a sua comodidade e adiar a entrada na Vida real, com todas as suas vicissitudes. Os pais ainda assim orgulham-se de sustentar os seus filhos doutores sem canudo, somente porque podem gabar-se aos amigos, conhecidos e familiares das habilitações superiores dos seus meninos. Apesar de não haver perspectivas de emprego que garantam a integração dos seus filhos na sociedade, eles projectam neles aquilo que não puderam ser e sonham vir a provocar inveja nos seus rivais, arremessando-lhes com o novo estatuto dos seus sucessores. Acontece que, muitas vezes essas projecções não se concretizam e as frustações instalam-se. 
Os imberbes aproveitam-se da confiança e expectativas que os pais depositam neles e, dessa forma, satisfazem os seus caprichos de garotos mimados. Mesmo assim, continuam a acreditar que eles são um potencial em fase de crescimento, que os vão certamente orgulhar no futuro e honrar seus sacrifícios de pais abnegados.
Infelizmente, estes jovens alimentam-se do vazio e é no vazio que vão ficar, caso não venham a valorizar o conhecimento, actualizar-se através da leitura de jornais, revistas temáticas, livros técnicos e outros que privilegiem diferentes nichos literários, frequentar acções de formação na sua e noutras àreas de conhecimento, diversificar as suas habilitações para ampliar suas oportunidades de inserção no mercado de trabalho, aprender com os mais experientes, prestar mais atenção, desacomodar-se, desafiar-se constantemente e estimular novas e diferentes experiências, cortar o cordão umbilical, abandonar a Vida boémia e criar uma imagem mais credível que impressione os seus investidores. O que me parece é que há uma relutância em mudar de classe de investidores e abdicar do seu estilo cool, tão apreciado pelo seu grupo de amigos da borga. Enquanto seus pais investirem na Vida mansa dos seus descendentes, que não se prestam a nada, seja porque precisam dormir até tarde, seja porque os incomoda lidar com tarefas rotineiras, seja porque são novos demais para suportar as amarguras da Vida, seja porque são sensíveis, seja porque carecem de meios para se emanciparem, seja porque merecem melhor, não se esperam grandes surpresas. Afinal quem os fez diferentes fomos nós, que insistimos em protegê-los da realidade e dos seus incómodos.
Hoje existe uma maior abertura mental, uma maior consciência, uma aprendizagem diversificada e abrangente, um acesso privilegiado a toda e qualquer informação, veiculada através das novas tecnologias, uma maior sociabilização, uma melhor adaptação e, por conseguinte, uma  maior capacitação para conquistar o mundo, que não se confina ao nosso perímetro de conforto. A abertura das fronteiras e o efeito globalização catapultam-nos para o desconhecido. Afinal tudo é uma incógnita até experimentarmos e aventurarmo-nos. Agir como galinha quando saímos de um ovo de ganso, inviabiliza a saída do capoeiro.
Esta geração vive oprimida pela imagem dos pais que cresceram apressadamente sem grandes recursos e o excesso de solicitações danosas, decorrentes das conquistas perpetradas pelos seus antepassados, que derrubaram todas as barreiras que proporcionaram viver com mais liberdade e, ingratamente, esta geração não soube reconhecer. Continuam distraídos com os concertos de verão, os optimus alive, os zambujeira, os super bock super rock, entre outros; com as saídas nocturnas, os gadjets, os posts no facebook; os jantares de aniversário dos amigos, dos amigos dos amigos, que num estalar de dedos também viram seus amigos. Enquanto a distracção e a fase da adolescência retardada não terminarem, esta geração está a desperdiçar inúmeras possibilidades de crescer e progredir. 

sexta-feira, 18 de março de 2011

Psicologia Feminina

   
Rogério é o típico galã da novela das oito, o pavão sem penas, mas todo ele exuberantemente revestido de uma pele morena, o escape das sextas feiras à noite, o pedaço de mau caminho, que veio assentar arraiais no departamento de publicidade e marketing, para aquecer aquele ambiente demasiado feminino. Quando ele entrou pela primeira vez nos escritórios centrais da empresa, para se apresentar ao serviço, já suas futuras colegas de profissão sabiam que ia preencher a vaga de criativo, deixada disponível pelo seu antecessor, sem grande sucesso com as mulheres. Ainda ele não se tinha instalado no seu novo posto, nem formalizado contrato, já havia candidatas a  querer colaborar na sua integração. Clarice era uma delas. Inquieta com a notícia, propagada como rastilho por toda a empresa, não perdeu tempo e decidiu antecipar a sua apresentação, antes que suas colegas ganhassem avanço sobre ela. Simula um encontro casual, aproxima-se, insinua-se com aquilo que a natureza gentilmente lhe concedeu e faz o número de sempre, cada vez que o seu radar capta um potro assustado num novo mundo por explorar. Sem se intimidar, Rogério aplica a regra da boa educação, não exibindo grande simpatia, consciente do encosto diante de si. Experiente em matéria feminina, Rogério percebeu a espécie de Clarice. Já diz a canção interpretada por  Martinho da Vila. Do tipo atrevida, vivida, casada, carente e quem sabe meretriz. Descontente com a atitude algo indiferente do colega, coloca a possibilidade  dele ser homossexual assumido. Sim porque, para Clarice, qual é o Homem que rejeita uma Mulher tão disponível quanto ela. Distraído, não podia ser. Clarice quebrou todas as margens de segurança, fazendo Rogério recuar para ganhar mais espaço e mais privacidade também. De certeza, que ele sentiu seu perfume, que ela insistentemente pulverizou sobre si como se de um insecticida se tratasse. Deve também ter notado a profundidade do seu decote, com vista para seus seios de silicone. Sua voz  histérica de excitação, ressucitava os  moradores do cemitério Monte d'Arcos.
Em poucos minutos, Rogério perdeu as qualidades que o público feminino tanto gosta. Quando se apresentou no departamento perante as suas colegas, percebeu que estas o estavam a avaliar e Clarice, de longe, apreciava o cenário, suscitando em Rogério a desconfiança de que algo se passava e ela era a principal instigadora. As apresentações foram breves mas os olhares permaneceram grudados em Rogério, em seus gestos, na sua postura, no seu tom de voz, nas suas atitudes masculinas, nas suas reacções. Se ele deixasse, ficavam a saber todas as suas marcas de nascença.
Imperturbável, iniciou o seu primeiro dia de trabalho num ambiente rendido à novidade. Ainda incrédulas com o boato criado por Clarice, apressam-se a colher informações que o desmintam. Primeiro sinal, são as mãos nuas de anéis. Três hipóteses se levantam. Solteiro, divorciado ou viúvo e todas elas querem dizer o mesmo, ou seja, disponível. Reparam também que tem maneiras mas não é dado a maneirismos. Se é que me entendem. Outro pormenor que não escapou ao escrutínio feminino e que as tranquilizou foram as chamadas que atendeu no seu telemóvel pessoal, de amigos a convocar jogo de futebol para depois do expediente. 
Golpe de mestre foi a violação do seu telemóvel enquanto Rogério se ausentou por razões de força maior. Sem pensar, abandonou seu arquivo portátil. A chave para todos os segredos ocultos.
Na sua caixa de entrada, podiam-se ler mensagens de mulheres aflitas a reclamar sua presença. Uma clientela fiel que lhe dedica rasgados elogios e todos elas distantes da percepção criada por Clarice.
Afinal, Rogério era um acompanhante de luxo com boa apresentação, discreto, educado, criterioso, misterioso e bastante apetecível. Premeditadamente, sacaram o seu número de contacto para aferirem se ele encaixa nesse perfil de macho men. 
Saberá Rogério lidar com aquele contexto feminino, assim como sabe lidar com as mulheres que o contratam para lhes dar prazer? 
A sua relação com as mulheres sempre foi fugaz para não se aborrecer com a exigência de um compromisso. Este é um desafio que terá que provar ultrapassar, mas que não se apresenta fácil. Pode correr o risco de vir a ser contratado por uma das suas novas parceiras de profissão. Na verdade, ele acredita que toda a mulher sente curiosidade em experimentar novas sensações com um estranho. O seu papel é fabricar fantasias, incompatíveis com a Vida de donas de casa, esposas, mães dedicadas e poucas vezes, verdadeiramente, Mulheres.
Após esta reflexão, Rogério mudou de táctica e de Homem misterioso e distante, passou a intervir nas conversas, a aplicar o seu bom humor, a acarinhá-las com um comentário abonatório, desviando-as da curiosidade em aprofundar a sua história de Vida. A sua experiência ensinou-o a considerar as capacidades das Mulheres e jamais as subestimar. Uma Mulher determinada pode-se tornar uma Mulher perigosa e estas suas colegas podem bem fazer esse género.
Grande estudioso da psicologia Feminina, Rogério continua a surpreender-se e é esse factor surpresa que o estimula a mimar as Mulheres, de todas as cores, de várias idades e muitos amores.  

domingo, 13 de março de 2011

O divã das emoções

Soltar sentimentos, falar abertamente, contar experiências, desabafar, quebrar silêncios, expulsar o que incomoda interiormente, sem medos, liberta-nos. Para mim é uma catarse.
O ambiente bastante acolhedor, ajudou a esta interacção de espíritos sensíveis que se cruzaram num momento das suas Vidas, de alguma fragilidade e que carecia de um novo ânimo. Em silêncio, fomos ganhando empatia uns pelos outros e reconhecendo uns nos outros, essa qualidade de seres humanos especiais que privilegiam o crescimento pessoal. Um motivo forte esteve na base deste nosso encontro semanal que virou uma necessidade prazeirosa, mais do que um compromisso com objectivos concretos. Conscientes da importância generalizada daquelas sessões e da sua projecção nas nossas Vidas, nas mudanças produzidas, como consequência da nossa participação activa na discussão das várias temáticas, que facilmente encaixamos numa ou noutra siuação dos nossos dias, sem querer cultivamos uma ligação de comunidade com objectivos comuns.  Diferentes perspectivas desarrumaram o nosso pensamento sedimentado e pouco estimulado para outras realidades. Essa foi uma das muitas vantagens que pudemos usufruir com a nossa colaboração. 
De perfeitos desconhecidos passamos a confidentes e convertidos a uma voluntariosa humanidade. Não havia competição, evidenciação, afirmação, intransigência apenas boa vontade, disposição, curiosidade e muita solicitude. Confesso que o meu sonho de adolescente sempre foi formar um grupo secreto do tipo "Death Poets Society" e este apesar de não ter sido secreto foi um encontro de almas cativantes, que se expressaram como certamente nunca o tinham feito antes e isso tem algo de único e mágico.
Agradeço a todas elas esta convivência próxima e a oportunidade de partilhar a minha riqueza interior. Sem excepção, cada um de vocês retirou o melhor de mim e fez-me acreditar que afinal eu sou melhor do que aquilo que me acho.
Custou-me ter que me despedir, mas acredito que iremos repetir a proeza e perseguir a felicidade inside us que transparece.
Até breve!    

quinta-feira, 10 de março de 2011

Amar sem castigo


O lobo mau, o bicho papão, o homem polícia, a bruxa má, são personagens que, certamente, reconhecemos do nosso passado infantil. Nossos pais recorriam a eles para nos educar através do Medo. A sua inaptidão para orientar nossos comportamentos, impelia-os a nomear os responsáveis pela aplicação dos nossos castigos, cada vez que ameaçassemos desobedecer suas ordens. Sem sabermos que criaturas hostis eram essas, fomos acumulando medos irracionais e criando formas de comportamento regulamentares, que ainda hoje carregamos sem questionar.
Desde pequenos vivemos prisioneiros de pensamentos; obssessões; associações de ideias, lógicas; crenças; penalizações, que fomos cimentando ao londo do nosso percurso existencial. Nossos medos estão acomodados a esses fundamentos rigídos, que nos afastam do desafio e de viver novas e estimulantes realidades. Tudo aquilo que transcende o nosso conhecimento nuclear pode tornar-se perturbador e expôr nossas fraquezas. A ansiedade dispara perante a novidade, tão estranha ao nosso léxico de conceitos induzidos. Por um lado queremos gozar de mais liberdade mas, por outro, sentimos medo de avançar e correr riscos. Isto porque fomos educados sem liberdade, sem incentivos e desmotivados a cometer riscos, por conta das consequências/castigos decorrentes da nossa ousadia.
Mas pior que o lobo mau, o bicho papão, o homem polícia ou a bruxa má são as chantagens emocionais, amigas e aliadas dos progenitores sem carteira educacional avalizada. Não há pior castigo que este. Sentirmo-nos culpados pelo que provocamos e achar que somos uma má influência por não obedecermos e contrariarmos os mandamentos paternos. "Somos teus pais e porque te amamos sabemos o que é melhor para ti e, portanto, se nos desapontares estás a matar o nosso amor por ti". Este tipo de tortura mental e emocional prolongada, atrapalha o crescimento da criança e complica as relações futuras, reféns desse amor controlador.
Confusos com tantas emoções à mistura, crescemos revoltados com essa liberdade condicionada, através dos caprichos e vontades dos nossos pais. Essa revolta interior ganha uma maior expressão quando não conseguimos criar um distanciamento, que impeça a conectação a esse comando poderoso e perigoso, que testa a nossa sensibilidade e capacidade de amar. Assistir de longe, apoiar sem amparar, cuidar sem sufocar, aceitar sem julgar, prestar atenção, compartilhar, são formas saudáveis de amar e ser amado, sem perigo de debilitar relações.

sábado, 5 de março de 2011

Ressuscitar a bola de berlim



Tenho saudades da bola de berlim. Foi durante anos a fio a minha fantasia de criança, gulosa e inconsciente. Só de imaginar aquela lava de recheio, apertada numa massa macia, polvilhada por um pó branco, fico em delírio e movo montanhas para sentir essa esfera de prazer. Os seus efeitos são tão mágicos quando a devoramos, só apetece quebrar as boas regras da educação e lamber os dedos, abrir a boca ao máximo e rasgar violentamente os ligamentos de massa envolvidos em creme, atribuir à nossa língua a função de sonda para detectar o que não se pode desperdiçar e ficou alojado em nossos lábios, resistentes a tanto sabor. Quentes e boas ou quentes e fofas são dois dos pregões que servem para homenagear a Deusa da doçaria tradicional. Em tempos, foi o ícone dos bolos de pastelaria e a preferência da pequenada, que saía disparada da escola para lambuzar os sentidos.
Ainda hoje salivo quando avisto uma bola de berlim e custo a resistir-lhe. 
Infelizmente, a bola de berlim não abunda mais nas vitrines, nem é destaque na propaganda à doçaria diversa. Em vias de extinção, este doce, outrora típico e apreciado por muitos, tende a desaparecer para grande tristeza minha. Algo que fez parte do meu passado bom e do qual nunca pensei ter que me despedir. Ressuscitar a hegemonia da bola de berlim é uma forma de manter a ligação com esse passado, que me proporcionou momentos de felicidade, que não se repetem mais. Eu sou da geração da bola de berlim. Essa fofa e tosca concentração de açúcar pode não caber no esterótipo das tartes, nem das componentes principais do chá das cinco, mas representou um manifesto de amor nos lanches caseiros em família.
Acabar com a bola de berlim é também destratar, sem piedade, a história de uma época recheada de boas sensações, que importa conservar.
Saia-se uma bola de berlim caprichada sem poupar no creme e no açúcar 

quinta-feira, 3 de março de 2011

Engate



Amigas Mulheres confirmem-me se é ou não verdade que os Homens têm perdido a qualidade de engatatões. A sua abordagem é tão previsível e tão comprometida ao desuso, que não custa nada virar as costas e sair de cena, ainda que estejemos perante um adónis. O género masculino custa a entender que a mesma abordagem, repetida a mulheres diferentes, soa a disco riscado. Qual é a Mulher que não deseja ser tratada de modo diferente, de uma forma especial e única? O verdadeiro engatatão tem noção da sensibilidade necessária para conquistar o coração de uma Mulher. Aproxima-se do seu target e, discretamente, estuda seu comportamento e vai tirando apontamentos, que conjugados resultarão no seu esquema de ataque. Para ser eficaz na criação de momentos de ilusão e fascínio, é importante não apressar a passagem às cenas seguintes para não quebrar o feitiço. O genuíno engatão tem confiança no resultado final e, portanto, age sem pressas e com a maior das descontracções. Não se compara aqueles infelizes, que se cruzam connosco em locais de diversão e, para captar a nossa atenção, empurram-nos. Luta corpo a corpo carece de mais intimidade. Neste caso não há intimidade mas uma violação de espaço. Há também aqueles que grudam o olhar em nós, pensando vir a surtir algum efeito com essa fixação. O único efeito produzido é o constrangimento e uma grande inquietação com a persistência da sessão de hipnotismo. Os mais atrevidos tentam estabelecer diálogo. A pobreza de discurso é tão grande que se torna difícil evitar bocejar de aborrecimento. Os engraçadinhos lançam beijos de vento na nossa direcção mas a energia eólica é tão fraca que não chega a refrescar. Sente-se uma aragem mas não passa de um sopro sem calafrios. Há ainda os que se oferecem para nos pagar uma bebida, esperando sensibilizar-nos com tamanha generosidade. Será que acusamos sinais de desidratação? Susurrar ao ouvido é outra das técnicas primitivas de engate. Nem todas as vozes masculinas sabem susurrar, algumas são autênticos pesadelos para os nossos tímpanos. Susurrar requer suavidade e arremessar palavras sem sentido ao nosso ouvido é invasão de privacidade e nada tem de encantador.
Que criaturas são estas que vulgarizam a arte de seduzir? Quem foram seus mestres? O que dantes era remédio santo hoje é contraindicado. Se as técnicas de engate não conhecerem melhores dias, se calhar não seria descabido criar um grupo de ajuda que liberte as Mulheres deste castigo.

terça-feira, 1 de março de 2011

Fama


Questiono-me se as pessoas que perseguem a fama não serão pessoas carentes. A amostra nacional remete-me para esse pensamento, que coloca os pseudo famosos num contexto de necessidade de ser amados e apreciados. Se esse efeito é doentio e os coloca à mercê dos seus adoradores, mais doentio se torna quando se dispõem a subjugar suas Vidas em nome dessa fama. Só posso acreditar que ao agirem assim, sofrem de uma grande instabilidade emocional que os leva a transpor valores e princípios fundamentais. Sem saber, em vez de preencherem o vazio estão a cultivá-lo ainda mais. Irremediavelmente sós, são assim os famosos que a nossa sociedade teima em fabricar. Pior que isso, é o exemplo que cria nas camadas mais jovens, em fase de amadurecimento intelectual. Certamente, para eles a fama é sinónimo de ousadia para enfrentar a opinião pública e ser alvo de comentários perniciosos. Principalmente, aqueles que não têm uma orientação familiar adequada, sofrerão os danos desta educação para o folclore de vaidades e ausência de carácter. Como nunca se afirmaram pelas vias mais difíceis e mais meritórias, por desconsiderarem seus efeitos, buscam essa atenção em contextos mais flexíveis e com um fraco grau de exigência. Muitas vezes, ouvimo-los comentar que o seu percurso até à fama envolveu muito esforço e espírito de sacrifício. Quais foram as opções que envolveram essa rápida ascensão? Emagrecer, sujeitar-se a cirurgias plásticas, conhecer pessoas influentes, guardar segredos escabrosos, viver uma relação amorosa com um multimilionário, ser filho de figuras públicas, ser jovem e bonito, vestir bem, ser convocado para eventos sociais, são actualmente algumas das condições para se ser famoso. Estas pessoas tornaram-se famosas porque nós as elegemos como tal. O enredo que tornou as histórias destas personagens top de vendas nas bancas dos quiosques, foram sugeridas por nós, amantes do escândalo, da novidade, do drama, da fantasia, da tragédia e da podridão humana. Se temos prazer na perplexidade, há outras formas de a suscitar e com uma dinâmica mais didáctica. Que aprendizagem retiramos destas histórias da vida real? Nada, a não ser que os seus protagonistas estão a agir como pessoas em missão. O que tem isto de tão extraordinário? Afinal não é o que todos fazemos. Viver. Felizmente, nem todos sentem essa necessidade de escancarar seu dia a dia em horário nobre para um share de espectadores famintos de banalidades. Para quê assistir à Vida dos outros em directo se podemos acompanhar a nossa, também em directo, bastando para isso filmarmo-nos em acção e, com toda a certeza, iremos surpreender-nos com as semelhanças entre nós e aqueles que não se inibem de se expôr a comentários jocosos, na expectativa de lucrarem com isso.
Duro admitir mas, é ténue a linha que nos separa dessas pessoas que ousaram escolher o caminho mais fácil para atingir a tão famigerada fama.     

Crescimento doloroso



Vera nasceu e cresceu num lar aparentemente saudável e harmonioso. Composto por pai, mãe e dois irmãos mais novos. Quando nasceu, estava tudo programado para a receber. Não havia luxos mas muito amor. Seu pai, preferia ter sido brindado com a nascença de um filho varão mas, pressionado pelas circunstâncias, foi intimado a resignar-se à delicadeza feminina de Vera. A Mãe, acolheu-a nos seus braços e encostou-a a seu peito, impedindo que definhasse por falta de amor. Dividida entre duas atenções, o seu Marido e a sua Filha, Dulce acusa cansaço e esgotamento psicológico. Jorge convoca-a, constantemente, a satisfazer seus caprichos, chantageando-a com a sua infelicidade de pessoa marginalizada e carente de afectos. Mesmo com défice de energias, Dulce não descuida os mimos para com seu marido, receando vir a ser abandonada por falta de dedicação. Sofria com a ideia de perdê-lo e, regressar a casa dos seus pais, onde foi vítima do despotismo de seu pai e conformismo da sua mãe, que nunca se atrevera a defender os filhos da sua maldade. Vinte e dois anos aprisionada naquele ambiente austero, marcado pelo rigor, sem carinho, sem afectos, serviram para calar a dor e mostrar cara boa, em todas as ocasiões, mesmo nas mais ruins. Ainda hoje é assim. Sempre sorridente, sempre simpática, sempre amável, sempre fiel ao seu Mestre, que a resgatou das trevas.
Vera sentia pena da mãe e do seu estado. Revoltava-se com a ingratidão do pai, a sua total falta de reconhecimento, a sua supremacia imposta, a sua insensibilidade, a sua deficiente forma de amar.
Jorge estranhava Vera e não reconhecia nela características suas. Por sua vez, Vera debatia-se com esse profundo distanciamento entre ambos. Ainda hoje, tem dificuldade em integrar-se, por achar-se diferente dos demais. Não admira. Seu pai nunca compreendeu a sua reservada forma de ser, suas opiniões próprias, sua sensibilidade artística, suas preocupações sociais, seus medos, suas inseguranças. Por mais pressão que exercesse para que Vera se adaptasse ao seu modelo rígido de aprendizagem para a vida, mais ela resistia e perdia a confiança em si mesma para crescer à revelia desse modelo de coacção.
Incapaz de restringir-se ao modelo inflexível do pai, chega a duvidar das suas origens e a gerar, uma enorme confusão em torno da sua verdadeira essência. A Mãe procurava acompanhar a filha e ampará-la mas aconselhava-a, repetidamente, a não desafiar seu pai. Afinal Dulce conhecia bem o destempero de Jorge. Cada vez mais inconformada com a intransigência do pai, provoca discussões sem fim, para se fazer ouvir e captar atenção daquela família, que a graça ou a desgraça divina lhe designou. Dulce ficava encolhida a um canto e sem se manifestar, assistia aos desentendimentos dos dois. Certo e sabido é que Vera nunca podia contar com a Mãe nestas ocasiões. Dulce era a aliada número um de Jorge. Vera isolada, defendia-se como podia, arremessando suas razões mas, no final, recolhia-se arrasada com seus sentimentos remexidos. Foram tantos episódios dramáticos. Tantas perdas de tempo. Tantas desconsiderações. Tantas penalizações emocionais. Tantas interrupções bruscas do seu discurso. Tantas as desilusões. Tantas vezes procurou apoio e foi-lhe negado pela mãe, que com a sua passividade acreditava prolongar a longevidade do seu casamento. A solidão instalou-se e não tinha data anunciada para retirar-se. Os poucos amigos que foi acumulando, ao longo do seu percurso escolar, nunca suspeitaram do seu drama interior. Era algo difícil de verbalizar e mais difícil ainda de viver. A presença deles faziam-na esquecer-se das brigas com o pai e da revolta, por persistir na crença de vir a ser amada do jeito que merece. Incomodava-a, principalmente, o seu apreço pelo pai, por quem sentia carinho apesar de não ter motivos para isso.
Quando era apresentada aos pais das suas amigas, não conseguia dissociar-se da imagem de patinho feio, cujo pai era o principal responsável.
Os anos passaram. O liceu ficou para trás. Seguiu-se a faculdade, o choque com a realidade, novos colegas, novas amizades, outras competências, novas responsabilidades, a saída de casa, a independência, o peso do passado, a força do presente, a indecisão sobre o futuro, a necessidade de companhia, companheirismo, afecto, compreensão, aceitação, vida em conjunto, compromisso, consumições, cobranças, planos para o futuro, amadurecer e conviver com o que não podemos mudar. Vera continua a debater-se com batalhas interiores profundas, mas isso não a impediu de dar passos no seu crescimento pessoal e esbater a marca do passado doloroso e infeliz, do qual ela continua a defender-se.
Quem sabe um dia, Vera venha a ser o orgulho de si mesma e deixe de crescer com a mágoa de não ter sabido agradar seus pais e o mundo inteiro.

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...