quinta-feira, 28 de abril de 2011

O Mundo dos Sonhos


Quem sonha renova-se.
Sonhar ajuda a criar ânimo nas nossas Vidas, desprovidas de cor. Em contrapartida, pode também reflectir um sintoma do nosso descontentamento. Seja qual for a causa, é importante sonhar, fantasiar e, principalmente, aceitar que não é absurdo desejarmos aquilo que parece tão distante de nós. Se há algo do qual nos devemos orgulhar é dessa capacidade de sonhar. Na verdade, quando sonhamos aproximamo-nos da tão cobiçada felicidade e quanto mais prolongarmos esse estado de sonho, sem querer, somos impelidos a movimentar-nos em consonância com aquilo que desejamos.
As pessoas que sonham tornam-se bem mais interessantes do que aquelas que encaram tudo como definitivo e irreversível. Talvez careçam de alguma flexibilidade que as impede de estabelecer uma maior empatia com os outros. Por alguma razão, que custo a entender, sonhar talvez pareça ousado demais e até perigoso para determinadas pessoas, por incitar a cometer algum desvario, que venha a comprometer o seu mundo tão perfeito. No meu caso, o sonho ajuda-me a desviar, por breves instantes, do que me incomoda. Nem sempre é fácil sonhar, quando vivemos intensamente os nossos problemas, sem aliviar a carga que eles emprestam à nossa Vida. O truque é desistirmos de pensar em nós, nos nossos problemas, nas nossas misérias e procurarmos boas inspirações que nos devolvam a vontade de sonhar com dias melhores. Há histórias prodigiosas, exemplos ilustrativos do quão poderoso pode ser um sonho e suas implicações nas nossas Vidas. Se há matéria em que não poupo, são os sonhos. Quando sonho sinto-me livre para ser quem eu quiser. No mundo real, a nossa forma de ser molda-se às circunstâncias em que crescemos, às dificuldades que enfrentamos, à forma como as encaramos e  ao modo como as superamos. No mundo dos sonhos, não há pressões sociais que nos forcem à inclusão. Sinto-me gigante num mundo criado à minha medida e com o meu nome. Não é fantástico podermos, de vez em quando, elevarmos o nosso ego a patamares nunca antes experimentados?
Habituados a disputar um lugar, uma posição, atenções, amor, afectos, elogios, notoriedade, mérito, respeito, consideração e, aguardar a vez, em que seremos abençoados com uma dessas ofertas, que atribuem prestigío social e pessoal às nossas Vidas, é legítimo que nos sintamos suspensos por essa base de troca gerada pelas relações entre seres dotados de sentimento. Nesse interregno de tempo, podemos aproveitar para sonhar livremente e se for caso disso mudar o rumo dos acontecimentos. 

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Jasmim Maria

Jasmim acelerou o passo. Já estava atrasada para mais um encontro programado, que animaria a sua agenda por tempo indeterminado. As expectativas eram algumas mas, com o tempo, os inúmeros encontros e desencontros, assumiram um lugar cada vez menos importante, diminuindo consideravelmente de intensidade. Já não havia ansiedade, nervosismo ou embaraço. Seria mais uma oportunidade para flirtar e sentir-se desejada, da qual se acabaria por cansar, remetendo-a novamente ao isolamento. Trata-se de uma solidão que jamais aliviará, enquanto Jasmim atrair aquilo que ela acredita ser alvo de cobiça. Quem inveja um caso fugaz, um caso clandestino, sem protagonismo, tendo como parceiro de contracena, um Homem bem parecido, galã, com status social, bom poder de compra, confiante, bom partido, que nos compensa as ausências com presentes caros, que Jasmim exibe como estandartes às suas amigas enjeitadas?
Jasmim adora captar a atenção masculina, independentemente de haver contexto ou não para o efeito. Percebe-se bem porque é que Jasmim não ganha amizades consistentes e sólidas no universo feminino. Ela gera competições disputadíssimas com as suas rivais, principalmente com aquelas que aparecem bem acompanhadas e felizes com o seu estado. Diverte-se a testar a sua capacidade de atracção, para após comprovada a sua infalibilidade, consumar o acto e acumular mais um troféu, sem arrependimento do estrago que possa ter causado. Apesar de ser uma Mulher madura, goza da vantagem de aparentar ser bem mais nova  e agradar a várias faixas etárias. Se bem que o seu target são os homens estilo George Clooney, charmosos, independentes, hedonistas, endinheirados, despojados, com um sentido de humor a roçar a provocação, comprometidos e com muita disposição para pecar. Ora disponível, ora indisponível, é assim que os enlouquece, com alguns truques de alcova pelo meio. Satisfaz-se a observá-los desesperados, solicitando a sua presença nos seus momentos vagos de tesão.
Apesar de ter herdado o nome da sua madrinha de baptismo, tão embuído de energia poética e romântica, sua descendência foi desrespeitada com a má fama de Jasmim Maria, autora de comportamentos lamentáveis, aos olhos dos padrões que prezam a dignidade da Mulher que se sabe valorizar.
Seja qual for o cenário em que Jasmim se encontre, todos os seus sentidos estão focados num possível patrocinador dos seus caprichos de Diva. Há sempre um incauto em sossego, isco perfeito para testar a sorte de Jasmim com o sexo oposto. Uma vez na sua mira, larga tudo e entra em acção. Não aguarda ser escolhida. Prefere influenciar a escolha, receando comprometer o seu lugar de destaque, caso ceda à liberdade de decisão masculina. Por isso, investe na insinuação e usa-a para rodear sua presa. A insistência vem a seguir, quando não há grande interesse da outra parte em cair em tentação. Alvo de uma emboscada, acaba por se deitar na rede de sedução de Jasmim, experiente em suprir carências afectivas temporárias.
Ao contrário dos cães, os homens não têm faro apurado. Aliás não têm faro nenhum e, como castigo esbarram com Mulheres como Jasmim, hábeis em criar experiências mais traumáticas que prazeirosas.
Este novo género feminino nascido no seio das sociedades modernas, contexto ideal para promover a solidão nas Mulheres emancipadas, fabricou Jasmins que continuam a insistir em provar a força da sua feminilidade e abafar as vozes conservadoras que as rejeitam, por não fazerem o estereótipo da Mulher família. Apesar destas Jasmins pretenderem convencer-se que há outros modelos de felicidade que não passam exclusivamente pela constituição familiar, não acreditam nessa possibilidade porque também elas foram  formatadas a conceber um único modelo que implica comungar a sua Vida com alguém e deixar descendentes directos que, por sua vez, irão confirmar essa mesma inevitabilidade. Todas as Mulheres têm em comum este registo, por mais estudadas que sejam, por mais descomplexadas, por mais desprendidas, por mais viajadas, por mais independentes, por mais autónomas, procuram o companheiro perfeito para apresentar à família, amigos e, principalmente, aqueles que as rotularam de encalhadas. Enquanto isso não acontece, aturam falta de sensibilidade, perguntas inconvenientes, juízos de valor, olhares reprovadores entre outros transtornos.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Digerir a Dor

Onde estás?
Preciso de ti.
Abandonaste-me uma vez mais ao meu mau feitio.
Eu posso mudar.
Diz-me o que te faz falta, eu trato de ir buscá-lo para ti.
Aparece. Estás livre de perigo.
Fazes-me falta.
Com quem vou eu agora desabafar?
Quebra este silêncio, por favor.
Eu imploro-te.
Porque me fazes sofrer?
Dá-me um sinal.
Diz-me apenas que estás bem.
O que é que eu fiz para merecer esta provação?
Eu era feliz a teu lado.
Pensei que sentisses o mesmo.
O que mudou?
Porque não manifestaste teu desagrado?
Como vou explicar a tua ausência?
Quando planeias voltar?
Sê breve.
O que faço com esta dor aguda que me consome?
Porque não me procuraste?
Superaríamos isto juntos.
Não sei se sou suficientemente forte para suportar este vazio.
Meus melhores momentos foram contigo.
Meus piores momentos, também foram contigo.
Todos os momentos passei-os a teu lado.
Não me arrependo do que abdiquei para estar contigo.
Nunca previ este desfecho.
Aliás, previ levitarmos juntos de mão dada para a nossa última morada.
Sonhei o melhor para nós.
Sempre te incluí nos meus sonhos.
O que falhou?
Que erros cometi para merecer isto?
Já nem sinto, com medo da dor que pode provocar.
Tu foste o causador.
Está a ser difícil perdoar-te.
Quebraste nosso pacto.
Prometeste que me contarias tudo até o mais insignificante.
De tantas opções, porque adoptaste a pior de todas.
Perdoa-me  a distracção.
Não percebi que estavas a sofrer.
Estava tão encantada com o nosso romance.
Com a nossa Vida em comum.
Tu eras a minha única família.
Desfaz o engano.
Aparece. Eu finjo não olhar e até participo da brincadeira.
Eu colaboro contigo mas por favor não me deixes nesta agonia.
Dói de mais.
Sabes bem que o preto não me fica bem. Envelhece-me.
Não sei viver na solidão. Habituaste-me a ti.
Se não podes regressar, vem-me buscar.
Não me digas que não sentes falta dos nossos diálogos, do meu toque,do meu carinho, da minha entrega.
Prometo não te desapontar.
Marcamos encontro?
Que dizes encontrarmo-nos no banco de jardim onde nos
abraçamos pela primeira vez e juraste nunca me abandonar.
Estavamos apaixonados.
Eramos seres estranhos, por gozarmos de tanta cumplicidade.
Não te demoro mais.
Conforme combinado,
vai buscar-me ao jardim das camélias. Estarei sentada naquele banco carcomido pelo tempo,
com vista para o chafariz estilo romântico.
Não demores.
Temos muito que conversar.
Não te esqueças que te Amo, apesar do modo inesperado do teu desaparecimento.

Decisão Difícil



Nunca sentiram vontade de mudar, encarar uma nova realidade, um novo contexto, sair da zona de conforto, abandonar o que é garantido, sentir saudade, prescindir de certos hábitos, desacomodar, apostar em algo indefinido mas com características promissoras, enlouquecer, arriscar, desviar do apêgo que as ligações afectivas ajudam a alimentar e que, de algum modo, parecem atrasar o nosso crescimento pessoal, passar a ser visita e desimpedir o nosso lugar cativo, suscitar uma renovada vontade de ser Feliz, fora deste perímetro fechado e demasiado acanhado, para assim conquistar algo mais nas Nossas Vidas? Mas e se esta possibilidade, de acumularmos mais experiências, promovermo-nos, melhorarmos a nossa qualidade de vida, lançarmo-nos profissionalmente, assegurarmos uma boa condição financeira, que permita conceder-nos alguns luxos, nos afastar da Família, dos Melhores Amigos, dos almoços de domingo, nos retirar os muitos momentos de qualidade com o nosso companheiro(a), ausentar-nos dos aniversários, quebrar com a proximidade, acabar com a cumplicidade, impedir-nos de estar presentes quando precisam mais de nós, aguardar notícias à distância e digerir as novidades boas e más, não poder partilhar nosso dia a dia pessoalmente, desligar-nos de tudo aquilo que dá significado à Nossa Vida?
Será possível conciliar estes dois mundos? Por um lado, o acesso ao mundo que nos proporciona estabilidade, segurança, realização profissional, folga financeira e conforto material e, por outro lado, a longevidade das relações que prezamos, o estarmos juntos mais vezes, o apoio familiar, as confidências com os amigos, o peso das ausências quando nossa presença é imprescindível, o acompanhamento à distância sem poder participar, a incapacidade de trocar sentimentos de perto, porque estamos ausentes e sabe-se lá quando regressaremos para retomar o que abandonamos.
Acontece que, esses dois mundos co-existem mas há sempre um que ganha maior destaque. Equilibrá-los, requer muita habilidade mental e emocional.
É tão difícil decidir o que abdicar, quando um e outro mundo são essenciais à Nossa Vida. Afinal, qual deles é mais essencial? Inúmeras razões se ergueriam para justificar a permanência de cada um deles mas, o que acaba por prevalecer é aquele que mais falta faz na escalada final para uma decisão definitiva e irreversível. 

terça-feira, 12 de abril de 2011

Sapatos de Verniz



Benedita ressuscitou  seus sapatos de verniz, esquecidos no baú dos tesouros do passado, que teima em guardar em lugar seguro. O seu estilo vintage adequava-se perfeitamente ao look coquette pretendido e até o seu estado de conservação não deixava adivinhar a sua durabilidade. Tão na moda, os sapatos de verniz afirmam a feminilidade de Mulher que não descura os pormenores nem enjeita a sua imagem impecável. Betty Boop sem os seus sapatos de verniz perdia toda a graciosidade e não fazia sobressair o seu encantamento tão natural. Há um poder qualquer naquele objecto de moda que resistiu ao longo do tempo e virou um clássico da elegância feminina. Benedita presta-lhe homenagem sempre que a ocasião o impõe e, por vezes, mesmo que não o imponha, recorre a eles para se erguer de confiança e brilhar. Apesar das novas tendências de moda terem arrasado com os clássicos, a sua resistência em aceitar a invasão da modernidade isolou-a do rebanho de consumidores facilmente influenciáveis. Benedita adora coleccionar raridades, acreditando estar a congelar vários passados que merecem ser acarinhados pelas boas recordações que ainda trazem à sua Vida. Seus sapatos de verniz são fundamentais na sua Vida de Mulher estruturada, para não desapontar. Não há acasos na Vida de Benedita. Tudo é  tão programado, enfadonhamente ordenado e livre de cobiça. Os seus sapatos de verniz são o único devaneio que ela se permite e do qual não abdica. Essa é a sua maior ousadia de estilo que marcou uma época propensa à afirmação da Mulher que sabe o que quer.  

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Operação Presente



Quando podíamos ser o que quisessemos não sabíamos o que queríamos e agora que sabemos o que queremos não podemos ser quem queremos. Poder até podemos mas agora torna-se mais difícil acordar para essa possibilidade. Por mais liberdade que tenhamos, nunca seremos totalmente livres. Há em nós uma consciência que nos demove de agir de determinadas formas e ser livres, para cometer egoísmos. Afinal ser feliz não é também privilegiar nossos desejos pessoais, satisfazê-los, prolongar esse estado de felicidade, escancará-lo sem temer ferir susceptibilidades, gozar dessa boa energia sem culpa, sabendo nós que nem todos estão no mesmo registo que o nosso, nem saberão acompanhar essa nossa boa disposição sem estranhar ou invejar. É humano sentirmo-nos perturbados com o contentamento dos outros, sinónimo também de sucesso pessoal, que nem todos conseguem atingir e muito menos prolongar. Essa luminosidade interior que irradia e assusta os queixosos, convictos de que tudo à sua volta é azar e desgraça, cultiva-se com a serenidade de quem aceita o que vem na rede. Nem todos têm sensibilidade para entender essa nobreza de espírito, que encaram como uma espécie de insanidade mental, por não haver razões concretas, mensuráveis, visíveis para viver bem. O mal é geral. Caímos todos no erro de desperdiçar o presente, massacrando-nos com o passado e afligindo-nos com o futuro.
Se eu soubesse o que sei hoje faria diferente. É tão recorrente invocarmos esta frase para justificarmos o que não foi feito e adiarmos, mais uma vez, o que ainda está por fazer. Esta resignação de quem depois se vem lamentar do que atraiu é paradoxal. Por um lado, resigna-se com aquilo que conquistou mas, por outro, lamenta-se com o rumo dos acontecimentos.   
Sentir saudades é bom quando reconhecemos e aceitamos que não podemos ressuscitar o passado e retêmo-lo como uma boa lembrança, à qual podemos recorrer sempre que quisermos . Sentir saudades é mau quando queremos fazer uma colagem do passado ao presente, numa repetição de comodidades que nos permite prever o futuro. O presente é a ocasião. O presente é a oportunidade. O presente é garantido. 
Nunca lamentes o que ficou para trás, nem te acomodes a pensar no que o futuro te reserva. Até parece que, estou a incitar que cometamos loucuras só para garantirmos o presente e o aproveitemos ao máximo. Nada disso. A Vida é preciosa demais para nos entregarmos a devaneios inconsequentes mas é também suficientemente espaçosa para cometermos uma ou outra loucura que nos faça acelerar os batimentos cardíacos, para depois nos voltarmos a reposicionar nos nossos propósitos.
Eu continuo a ser uma aprendiz na arte de Viver bem e só deixarei de o ser quando o além me chamar.



quinta-feira, 31 de março de 2011

Grito de Dor

Gritou mas ninguém a ouvia. Gritou mais alto, com grande esforço, mas a indiferença era total e ela sabia que não resistiria por muito mais tempo. Fechou os olhos, entregando-se à solidão que doía impiedosamente. Sem energias para reagir, projecta os seus membros para longe, em sinal de desistência. Sentia-se cansada para lutar contra seus próprios demónios interiores, que ganhavam grande expressão, cada vez que lhes dava oportunidade para se manifestarem e complicarem os seus dias, os quais deixaram de ter significado, demasiado previsíveis, insuportavelmente iguais.
Quase a sucumbir, mergulhada na sua própria dor, sem réstia de esperança, ouve a voz de uma criança, que a resgata daquele estado quase terminal. Instintivamente, abre os olhos para confirmar a presença de alguém a seu lado, naquele momento de sofrimento. É Santiago, seu filho, que aninhado junto dela a instiga a dar-lhe atenção. Sua meiguice ressuscitou-a, devolvendo-a à realidade e aos braços do seu tesouro de dois anos que apesar de não entender a dor da sua mãe, soube salvá-la do abismo.
Num movimento recupera as forças, que injecta para abraçar Santiago e agradecer-lhe os mimos que vieram no momento certo. A perda do marido abalou-a profundamente e ainda não conseguiu superar do trauma, que no dia do seu aniversário de casamento lhe bateu à porta. Vinha identificado, vestia farda azul e trazia péssimas notícias. Sua falta de sensibilidade levaram-no directo ao assunto, não tendo desperdiçado muito tempo com o acontecimento, esquivando-se logo de seguida da erupção de sensações que acabara de provocar. Maria deixou-se cair no chão da entrada abalada e gritou por David não contendo a dor que só Santiago consegue suavizar de vez em quando.    

terça-feira, 29 de março de 2011

Saudade


Salomé detestava que a amiga atraísse as atenções daquela maneira mas, por mais que lhe rogasse que não o fizesse, mais ela insistia em fazê-lo.
A discrição de Salomé esbarrava com a efusividade da amiga. No entanto, achava graça a algumas das suas manifestações impensadas e irresponsáveis, tão naturais e sem segundas intenções. Acontece que, nem todos encaravam bem os ímpetos da sua amiga e ofendiam-se com suas atitudes, que reclamavam exageradamente atenção. Dulce nunca soubera controlar a ansiedade e dosear as emoções, que a assaltam numa cadência acelerada e inesperada.
Já em andamento, informou que ia levá-la a almoçar a um lugar diferente do habitual. Um espaço modesto, acolhedor, de cariz familiar, experiente na estimulação dos sentidos induzida através do seu menu caseiro, testado diariamente por todo o tipo de paladares, que à saída não escondem sua satisfação.
Salomé ficou curiosa e subitamente esfomeada com a descrição da amiga.
À medida que se aproximavam do seu destino de almoço, Salomé sentia uma ansiedade inexplicável e inquietante. Ao dobrar a esquina e deparar-se com aquela casa antiga com a tinta descascada pelo tempo, grandes vidraças que mais pareciam painéis solares, porta exterior do século passado que simulava estar a isolar um forte militar, sentiu a forte presença do seu passado.
Esse lugar foi em tempos visita regular da sua família e traz-lhe muitas saudades. Algo que ela já não reavivava a algum tempo.
Passaram trinta anos e nada mudou, nem as sensações que Salomé sente ao pisar de novo esse chão, onde ela e seus irmãos deslizavam de contentamento. Amavam estar juntos, sempre sob olhar atento dos seus pais, que custaram a aceitar seu crescimento e sua independência.
Salomé é a mais velha de três irmãos com idades muito próximas, a mais responsável, a mais sensível, a mais saudosista, a mais carente, a mais reservada, a que mais sofreu com o distanciamento familiar. Naquele tempo não se desgrudavam nem se cansavam da companhia, que entretanto foi substituída por outras bem melhores que agora são presença assídua nas suas agendas, fazendo-os esquecer daquele tempo do qual Salomé sente a dor da saudade. Sem querer, soltou uma lágrima ao relembrar as emoções do passado, naquele lugar que encerrou um capítulo tão importante da sua Vida.
Viviam num mundo fechado, sem desvio de atenções, concentrados uns nos outros e distribuindo amor e atenção por todos. Até que, foram obrigados a socializar com a entrada na escola, a participar das actividades extra curriculares, a conviver com os amigos, a respeitar os professores. Mais tarde, a aprofundar as suas relações amorosas, a dedicação ao emprego, a comparecer nas reuniões do condomínio, nas reuniões de pais, nas festas de aniversário, a assumir responsabilidades financeiras, a dormir pouco, a temer o futuro, a gerir conflitos e como resultado de tanta pressão exercida pelo excesso de compromissos, esqueceram-se de como é Amar.
Salomé tem saudades da mão estendida do Pai que ela gostava de apertar, da ternura com que a Mãe cuidava dos pormenores para que nada lhes faltasse, das gargalhadas dos irmãos que tantas vezes acordaram a avô Rosalinda e seu mau feitio, do Natal na aldeia com toda a família representada, dos mimos, dos abraços, do aconchego, da protecção, do Amor sem concessões.
Dulce, sem entender qual a mística que aquele lugar encerra, interrompe os pensamentos de Salomé e pergunta o que lhe apetece para almoço.
Salomé responde: o churrasco de há trinta anos atrás.

sábado, 19 de março de 2011

Este país não é para jovens à rasca

A  nova geração que frequenta as nossas instituições de ensino vê-se à rasca para acabar o curso. Arrastam cadeiras em atraso, para prolongar um pouco mais a sua comodidade e adiar a entrada na Vida real, com todas as suas vicissitudes. Os pais ainda assim orgulham-se de sustentar os seus filhos doutores sem canudo, somente porque podem gabar-se aos amigos, conhecidos e familiares das habilitações superiores dos seus meninos. Apesar de não haver perspectivas de emprego que garantam a integração dos seus filhos na sociedade, eles projectam neles aquilo que não puderam ser e sonham vir a provocar inveja nos seus rivais, arremessando-lhes com o novo estatuto dos seus sucessores. Acontece que, muitas vezes essas projecções não se concretizam e as frustações instalam-se. 
Os imberbes aproveitam-se da confiança e expectativas que os pais depositam neles e, dessa forma, satisfazem os seus caprichos de garotos mimados. Mesmo assim, continuam a acreditar que eles são um potencial em fase de crescimento, que os vão certamente orgulhar no futuro e honrar seus sacrifícios de pais abnegados.
Infelizmente, estes jovens alimentam-se do vazio e é no vazio que vão ficar, caso não venham a valorizar o conhecimento, actualizar-se através da leitura de jornais, revistas temáticas, livros técnicos e outros que privilegiem diferentes nichos literários, frequentar acções de formação na sua e noutras àreas de conhecimento, diversificar as suas habilitações para ampliar suas oportunidades de inserção no mercado de trabalho, aprender com os mais experientes, prestar mais atenção, desacomodar-se, desafiar-se constantemente e estimular novas e diferentes experiências, cortar o cordão umbilical, abandonar a Vida boémia e criar uma imagem mais credível que impressione os seus investidores. O que me parece é que há uma relutância em mudar de classe de investidores e abdicar do seu estilo cool, tão apreciado pelo seu grupo de amigos da borga. Enquanto seus pais investirem na Vida mansa dos seus descendentes, que não se prestam a nada, seja porque precisam dormir até tarde, seja porque os incomoda lidar com tarefas rotineiras, seja porque são novos demais para suportar as amarguras da Vida, seja porque são sensíveis, seja porque carecem de meios para se emanciparem, seja porque merecem melhor, não se esperam grandes surpresas. Afinal quem os fez diferentes fomos nós, que insistimos em protegê-los da realidade e dos seus incómodos.
Hoje existe uma maior abertura mental, uma maior consciência, uma aprendizagem diversificada e abrangente, um acesso privilegiado a toda e qualquer informação, veiculada através das novas tecnologias, uma maior sociabilização, uma melhor adaptação e, por conseguinte, uma  maior capacitação para conquistar o mundo, que não se confina ao nosso perímetro de conforto. A abertura das fronteiras e o efeito globalização catapultam-nos para o desconhecido. Afinal tudo é uma incógnita até experimentarmos e aventurarmo-nos. Agir como galinha quando saímos de um ovo de ganso, inviabiliza a saída do capoeiro.
Esta geração vive oprimida pela imagem dos pais que cresceram apressadamente sem grandes recursos e o excesso de solicitações danosas, decorrentes das conquistas perpetradas pelos seus antepassados, que derrubaram todas as barreiras que proporcionaram viver com mais liberdade e, ingratamente, esta geração não soube reconhecer. Continuam distraídos com os concertos de verão, os optimus alive, os zambujeira, os super bock super rock, entre outros; com as saídas nocturnas, os gadjets, os posts no facebook; os jantares de aniversário dos amigos, dos amigos dos amigos, que num estalar de dedos também viram seus amigos. Enquanto a distracção e a fase da adolescência retardada não terminarem, esta geração está a desperdiçar inúmeras possibilidades de crescer e progredir. 

sexta-feira, 18 de março de 2011

Psicologia Feminina

   
Rogério é o típico galã da novela das oito, o pavão sem penas, mas todo ele exuberantemente revestido de uma pele morena, o escape das sextas feiras à noite, o pedaço de mau caminho, que veio assentar arraiais no departamento de publicidade e marketing, para aquecer aquele ambiente demasiado feminino. Quando ele entrou pela primeira vez nos escritórios centrais da empresa, para se apresentar ao serviço, já suas futuras colegas de profissão sabiam que ia preencher a vaga de criativo, deixada disponível pelo seu antecessor, sem grande sucesso com as mulheres. Ainda ele não se tinha instalado no seu novo posto, nem formalizado contrato, já havia candidatas a  querer colaborar na sua integração. Clarice era uma delas. Inquieta com a notícia, propagada como rastilho por toda a empresa, não perdeu tempo e decidiu antecipar a sua apresentação, antes que suas colegas ganhassem avanço sobre ela. Simula um encontro casual, aproxima-se, insinua-se com aquilo que a natureza gentilmente lhe concedeu e faz o número de sempre, cada vez que o seu radar capta um potro assustado num novo mundo por explorar. Sem se intimidar, Rogério aplica a regra da boa educação, não exibindo grande simpatia, consciente do encosto diante de si. Experiente em matéria feminina, Rogério percebeu a espécie de Clarice. Já diz a canção interpretada por  Martinho da Vila. Do tipo atrevida, vivida, casada, carente e quem sabe meretriz. Descontente com a atitude algo indiferente do colega, coloca a possibilidade  dele ser homossexual assumido. Sim porque, para Clarice, qual é o Homem que rejeita uma Mulher tão disponível quanto ela. Distraído, não podia ser. Clarice quebrou todas as margens de segurança, fazendo Rogério recuar para ganhar mais espaço e mais privacidade também. De certeza, que ele sentiu seu perfume, que ela insistentemente pulverizou sobre si como se de um insecticida se tratasse. Deve também ter notado a profundidade do seu decote, com vista para seus seios de silicone. Sua voz  histérica de excitação, ressucitava os  moradores do cemitério Monte d'Arcos.
Em poucos minutos, Rogério perdeu as qualidades que o público feminino tanto gosta. Quando se apresentou no departamento perante as suas colegas, percebeu que estas o estavam a avaliar e Clarice, de longe, apreciava o cenário, suscitando em Rogério a desconfiança de que algo se passava e ela era a principal instigadora. As apresentações foram breves mas os olhares permaneceram grudados em Rogério, em seus gestos, na sua postura, no seu tom de voz, nas suas atitudes masculinas, nas suas reacções. Se ele deixasse, ficavam a saber todas as suas marcas de nascença.
Imperturbável, iniciou o seu primeiro dia de trabalho num ambiente rendido à novidade. Ainda incrédulas com o boato criado por Clarice, apressam-se a colher informações que o desmintam. Primeiro sinal, são as mãos nuas de anéis. Três hipóteses se levantam. Solteiro, divorciado ou viúvo e todas elas querem dizer o mesmo, ou seja, disponível. Reparam também que tem maneiras mas não é dado a maneirismos. Se é que me entendem. Outro pormenor que não escapou ao escrutínio feminino e que as tranquilizou foram as chamadas que atendeu no seu telemóvel pessoal, de amigos a convocar jogo de futebol para depois do expediente. 
Golpe de mestre foi a violação do seu telemóvel enquanto Rogério se ausentou por razões de força maior. Sem pensar, abandonou seu arquivo portátil. A chave para todos os segredos ocultos.
Na sua caixa de entrada, podiam-se ler mensagens de mulheres aflitas a reclamar sua presença. Uma clientela fiel que lhe dedica rasgados elogios e todos elas distantes da percepção criada por Clarice.
Afinal, Rogério era um acompanhante de luxo com boa apresentação, discreto, educado, criterioso, misterioso e bastante apetecível. Premeditadamente, sacaram o seu número de contacto para aferirem se ele encaixa nesse perfil de macho men. 
Saberá Rogério lidar com aquele contexto feminino, assim como sabe lidar com as mulheres que o contratam para lhes dar prazer? 
A sua relação com as mulheres sempre foi fugaz para não se aborrecer com a exigência de um compromisso. Este é um desafio que terá que provar ultrapassar, mas que não se apresenta fácil. Pode correr o risco de vir a ser contratado por uma das suas novas parceiras de profissão. Na verdade, ele acredita que toda a mulher sente curiosidade em experimentar novas sensações com um estranho. O seu papel é fabricar fantasias, incompatíveis com a Vida de donas de casa, esposas, mães dedicadas e poucas vezes, verdadeiramente, Mulheres.
Após esta reflexão, Rogério mudou de táctica e de Homem misterioso e distante, passou a intervir nas conversas, a aplicar o seu bom humor, a acarinhá-las com um comentário abonatório, desviando-as da curiosidade em aprofundar a sua história de Vida. A sua experiência ensinou-o a considerar as capacidades das Mulheres e jamais as subestimar. Uma Mulher determinada pode-se tornar uma Mulher perigosa e estas suas colegas podem bem fazer esse género.
Grande estudioso da psicologia Feminina, Rogério continua a surpreender-se e é esse factor surpresa que o estimula a mimar as Mulheres, de todas as cores, de várias idades e muitos amores.  

domingo, 13 de março de 2011

O divã das emoções

Soltar sentimentos, falar abertamente, contar experiências, desabafar, quebrar silêncios, expulsar o que incomoda interiormente, sem medos, liberta-nos. Para mim é uma catarse.
O ambiente bastante acolhedor, ajudou a esta interacção de espíritos sensíveis que se cruzaram num momento das suas Vidas, de alguma fragilidade e que carecia de um novo ânimo. Em silêncio, fomos ganhando empatia uns pelos outros e reconhecendo uns nos outros, essa qualidade de seres humanos especiais que privilegiam o crescimento pessoal. Um motivo forte esteve na base deste nosso encontro semanal que virou uma necessidade prazeirosa, mais do que um compromisso com objectivos concretos. Conscientes da importância generalizada daquelas sessões e da sua projecção nas nossas Vidas, nas mudanças produzidas, como consequência da nossa participação activa na discussão das várias temáticas, que facilmente encaixamos numa ou noutra siuação dos nossos dias, sem querer cultivamos uma ligação de comunidade com objectivos comuns.  Diferentes perspectivas desarrumaram o nosso pensamento sedimentado e pouco estimulado para outras realidades. Essa foi uma das muitas vantagens que pudemos usufruir com a nossa colaboração. 
De perfeitos desconhecidos passamos a confidentes e convertidos a uma voluntariosa humanidade. Não havia competição, evidenciação, afirmação, intransigência apenas boa vontade, disposição, curiosidade e muita solicitude. Confesso que o meu sonho de adolescente sempre foi formar um grupo secreto do tipo "Death Poets Society" e este apesar de não ter sido secreto foi um encontro de almas cativantes, que se expressaram como certamente nunca o tinham feito antes e isso tem algo de único e mágico.
Agradeço a todas elas esta convivência próxima e a oportunidade de partilhar a minha riqueza interior. Sem excepção, cada um de vocês retirou o melhor de mim e fez-me acreditar que afinal eu sou melhor do que aquilo que me acho.
Custou-me ter que me despedir, mas acredito que iremos repetir a proeza e perseguir a felicidade inside us que transparece.
Até breve!    

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...