sábado, 31 de agosto de 2024

Máquina Diabólica

Eu assumo, em tom de penitência, que sou bruta com a minha máquina de café. Até tenho vergonha de confessá-lo, mas quem diz a verdade, não merece castigo.

Será que alguém se identifica comigo, neste acesso de loucura repentino e repetitivo?

Sinto que, ela pressente o meu vício e urgência imediata em tomar um shot quente de café e tenta boicotar a minha vontade. Assim que, coloco a cápsula no encaixe próprio e tento fechar a tampa, um universo todo conspira contra mim. A tampa recusa-se a fechar e a gaveta, depósito das cápsulas, não abre, um riacho de água com sujidade, se acumula junto à máquina diabólica, enquanto, suo e ressaco, numa cadência descompassada desesperante, que me impede de desistir.

Esta batalha dura 5 a 10 minutos mas, para mim, parece uma eternidade, contudo, compensa todos os esforços suados e desesperados para, no fim, beber a minha bebida estimulante preferida.

Beber café representa um mimo que eu ofereço a mim própria, uma pausa reconfortante que me desvia das maçadas do dia a dia. São demasiadas pausas, demasiados cafés e um prazer antigo, do qual não abdico.

Como todo o viciado, rejeito essa condição que me querem colar de dependente. Se quiser, abandono de imediato este meu prazer, só preciso de encontrar um melhor substituto para o café. 

De vez em quando e isto agora vai soar paradoxal, reduzo as pausas, na tentativa de estabilizar a taquicardia e só regresso, quando a frequência cardíaca volta à normalidade. As minhas pausas curtas incluem café, a droga quente e aromática mais bebida do mundo e com uma legião de adictos.

A oferta de um café é um ato de excelsa generosidade, que me leva às lágrimas e quem o faz merece constar das minhas boas orações. Para além disso, a oferta de café é um excelente desbloqueador de conversa e a oportunidade de abrir clareiras, de outro modo, intransponíveis.

Se me dão licença, está na hora da minha pausa para café, com vista para o Santuário da Nossa Senhora do Alívio e mais além.


sexta-feira, 30 de agosto de 2024

DESNUDA



 *** SE MORRESSES AMANHÃ… ***


… e pudesses escolher uma lista de coisas para fazer…



1. Onde é que ias... e porquê? (Podes escolher qualquer sítio no mundo!)

A oportunidade de recuperar a memória dos lugares, pessoas e momentos, onde fui realmente feliz e regressar a eles, supera qualquer viagem que gostasse de fazer. Infelizmente, a nitidez da memória que grava os acontecimentos bons é muito fraquinha e isso, sempre me prejudicou.



2. Qual era a tua última refeição?

Uma bola de Berlim recheada de creme e polvilhada de açúcar granulado.


 

3. O que dizias num último post?

Como sou do tempo da escrita em papel e o prazer da escrita, nasceu desse gosto de escrever em cadernos com marcadores pretos ou esferográficas, com tinta que escorre bem, deixarei uma carta para as pessoas da minha vida.

 

4. Para quem é que fazias o último telefonema?

O telefonema é muito impessoal e promove uma distância, que não revela fielmente o que queremos dizer.



5. Qual era a tua última bebida?

Um sumol de laranja, bem fresco



6. Qual era a banda sonora ou playlist do teu último dia?

Ia em silêncio


 

 7. Pedias DESCULPA ou dizias OBRIGADO a alguém?

Eu estou, constantemente, a desculpar-me e a agradecer, a tudo e todos, num exercício interno diabólico e castigador, que me retira paz e liberdade para agir em função de mim, do que gosto e daquilo que me faz feliz.

 


8. A quem é que vendias o teu carro?

Não vendia. Fica tudo!

 


9. A quem é que dizias AMO-TE?

A mim mesma. Algo que nunca disse, porque nunca senti.

Quero acreditar que as pessoas que amo sentem o meu amor, com ou sem verbalizações.

Não partirei sem dizer, a cada um deles que os amo profundamente.

 


10. Qual era a última coisa que compravas?

Não comprava nada.

As “coisas” valiosas são invisíveis, não têm preço e têm de ser conquistadas.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

#BULADOSVIVOS


 

#BULADOSVIVOS

Eu amanheci bem mas, esbarrei com pessoas pouco ou

nada matutinas e quando quis ignorá-las, meu ego

ressentiu-se e um ego ressentido, cuidado, contamina

tudo o que move.

Tentei voar para o espaço sideral e ultrapassar o limite 

da terra mas, como esqueci de contar até dez e 

respirar fundo, perdi o voo e a manhã, que tinha começado tão

bem.

#BULADOSVIVOS

 


sexta-feira, 9 de agosto de 2024

BLOQUEIO CRIATIVO

Este calor infernal compromete a minha criatividade. Sinto que, funciono melhor em dias cinzentos, frios e chuvosos.
Apesar de não parecer, a criatividade obedece a uma disciplina que, obriga a exercitar todos os dias. A elasticidade criativa é expandida através de práticas disciplinares regulares, com horários definidos e uma boa chávena de café a fumegar.
A disponibilidade para começar algo, promove a ação e uma vez em ação, não podemos contrariar o chamamento da criação e, muito provavelmente, chegaremos a um resultado que, para ser efetivamente bom, terá de ser revisto e editado.
Se esperamos ficar inspirados para começar, nada acontece e desperdiçamos tempo significativo.
Subitamente, lembrei-me das missas e suas bençãos finais e uma, em particular que, sempre me intrigou e continua a intrigar - "Ide em paz e o senhor vos acompanhe".
Em criança, aguardava que alguém me viesse acompanhar até à saída e fazer todo esse caminho em paz, sem alvoroço. Não havia ninguém, destacado para esse papel. Cheguei a pensar que estaria ocupado e regressaria, mais tarde, para me vir acompanhar, mas tal não aconteceu e um puxão familiar forçou a minha saída.
A inspiração não funciona como um recurso, ao qual recorremos sempre que nos pode ser útil. Há todo um ritual necessário para que, a inspiração se manifeste e total disponibilidade sensorial para a receber. A inspiração é como esse senhor que eu, muito mais tarde, percebi ser o tal Deus omnipotente e que só aparece, quando estamos disponíveis, predispostos, sensíveis e envolvidos.
É preciso estar pronto!  

terça-feira, 9 de julho de 2024

A MORTE ACENOU-ME DE LONGE

Quero partilhar algo que me aconteceu recentemente e que eu suspeitava poder vir a acontecer novamente.
Já aconteceu no passado, num contexto e dimensão diferentes mas, tal como desta vez, comprometeu a minha paz e fez-me duvidar da minha capacidade de superação.
Desta vez, o cenário tinha céu, asas, nuvens e saídas de emergência, entre outras distrações.
Uma voz feminina, impecavelmente apresentada, no cumprimento das suas obrigações profissionais, dá-nos as boas vindas e atira com um "have a pleasant flight".
Uma frase repetida muitas vezes e já sem força para provocar reações. Um autêntico placebo, sem efeitos na terapêutica de medos e fobias.
Desta vez, fiquei junto ao corredor, encostada às casa de banho e muito próximo das hospedeiras e das saídas de emergência. Uma pseudo sensação de conforto, com benefícios no meu bem estar. 
Apesar de ser uma viagem de curta duração, num espaço aéreo imperturbável, apoiado por uma torre de controle experiente, continuava inquieta e sem nada para fazer, a não ser dormir.
Não sei como, consegui gerir as quase três horas de voo, sem entrar em pânico.
Finalmente, o avião aterrou com segurança em Zurique e, assim que, emitiram o sinal para desapertar os cintos de segurança, levantei-me de imediato, para garantir um dos primeiros lugares, junto à saída. Até aqui, tudo bem!
Infelizmente, imprevistos acontecem e a escada que encosta ao avião tardava em chegar e foi-nos informado que, poderia levar alguns minutos e teríamos de aguardar.
Neste momento, o ar fresco tinha sido desligado, o calor tinha-se expandido e sem espaço disponível, para libertar a minha tensão nervosa, entrei em pânico e perdi a noção de como se respirava. Por momentos, lembrei da respiração descompassada, provocada pelas contrações de parto.
Ao mesmo tempo que, tentava resistir ao calor sufocante, desesperava por encontrar pensamentos refrescantes e apaziguadores.
A morte acenou-me de longe e só não se aproximou mais, porque, entretanto, as portas blindadas do avião se abriram e a corrente de ar me encontrou.




sexta-feira, 24 de maio de 2024

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Inquietações de Mãe

Nasci num período de tempo, marcadamente patriarcal e intimidatório, que obrigava os filhos a obedecer cegamente aos pais, sem reclamar e sem fitas. A nossa opinião, a nossa versão da história, as nossas vontades, os nossos gostos, eram abafados diante da dupla de gigantes de peso, chamado PAIS.

Cala e Aceita.

A mim custou-me horrores, calar e aceitar, principalmente, quando me retiravam a palavra, me ignoravam, desvalorizavam a minha participação e não compreendiam as minhas dores, o meu descontentamento e frustração.

Hoje, sou mãe e tento contrariar essa obediência cega, da qual fui vítima e procuro dar oportunidade ao meu filho, de se expressar, de expor os seus motivos, desabafar, convencer-me a mudar de opinião e, sobretudo, entendê-lo melhor. Uma missão nem sempre fácil e serena. 

Para além de existir um gap geracional entre nós e um histórico de vida, que me permite antecipar cenários, consequência de comportamentos repetidos, há uma vontade própria que se quer impor, ingénua, contrariadora e que rejeita ser disciplinada.

Sempre que o convoco a cumprir as suas tarefas e tomar consciência do excesso de tempo entregue aos gadgets e a necessidade de se desviar desse mau vício e experimentar ler, escrever, desenhar, tocar um instrumento musical, praticar desporto, desenvolver as suas capacidades de outra forma e, sobretudo, não desperdiçá-las, contraria-me e reage como se atacasse a sua personalidade.

Por vezes, a temperatura das nossas conversas sobe e dou por mim, a imitar os meus pais e fazê-lo sentir-se culpado pelas suas escolhas e atos.

É neste preciso momento, que o perco para o quarto.

No silêncio, me culpabilizo por não saber agir com maior maturidade emocional e evitar fragilizá-lo.

Os gatilhos do passado foram ativados, bem como, os receios de o perder para uma vida triste e insignificante.

O stress domina-me com a lembrança dos perigos atuais e a vulnerabilidade dos jovens, mais suscetíveis de ceder à atração para esses abismos. Não quero que ele perca as oportunidades, que hão-de defendê-lo neste mundo.

Se calhar há aspetos em mim ainda por resolver. Claro que há! No entanto, sinto que não posso deixar de o orientar e desviá-lo de certos comportamentos perniciosos.

Só espero que estes "desequilíbrios" ocasionais, não comprometam a sua felicidade e sirvam para trabalhar nossa comunicação e entendimento.

 

terça-feira, 21 de maio de 2024

Engorda Olfativa

Nunca sabemos quem se vai sentar ao nosso lado no avião. A curiosidade cresce. O que o (a) trouxe até aqui? Que histórias viveu, antes de se sentar ao meu lado? O silêncio é o único diálogo cativante, até que alguém interrompe e faz desviar o meu pensamento, para algo trivial e longe de ser importante, mas tudo bem, já estava a ficar sem conteúdo interior e a precisar interagir levemente. A hospedeira pergunta se prefiro a refeição de carne ou peixe e eu, sem fome para nenhuma das duas, mas a precisar comer, opto pela de carne, assim como o meu parceiro do lado, que nem o sono faz pular refeições. No instante em que, recebo o tabuleiro com a minha refeição sinto-o sorrir dos meus modos atrapalhados. Ignorei para não ser assaltada por pensamentos automáticos autodestrutivos. Porém, ele continuou sorridente e trocista. Continuei a desvalorizá-lo, ao mesmo tempo que, tentava apreciar a carne, borrachuda, sem tempero, sem molho, insossa, com sabor a cela de prisão. Na verdade, era tudo o que eu tinha naquele momento, para me desviar daquele encosto trocista.
Inesperadamente, uma voz quente e sussurrante, decide aumentar o meu incómodo e pergunta se aceito o seu pão. Dito assim, soa pornográfico. Eu sei! Sem querer, já estava até a imaginar o grafismo daquele momento inusitado. Um homem sentado na cadeira ao meu lado, a oferecer-me o seu pão é, no mínimo, constrangedor. Certamente, deve ter pensado que sofro de compulsão alimentar.
Acontece que, eu gostei. Adoro quando me oferecem comida. Para mim, nascida no final da década de setenta, é um ato de generosidade. Os cheiros da minha infância têm todos a ver com comida. Eu até costumo dizer que a minha engorda é olfativa.
Lógico que aceitei o seu pão e lógico que, meus pensamentos entraram em curto circuito.




segunda-feira, 20 de maio de 2024

Pecar fininho

Só um pouquinho! 

Quero uma fatia bem fininha!

Não enchas o prato!

Quando recebo este tipo de pedido, minha mão tremelica de desdém e o meu olho escorre sangue.

Será que devo recorrer à régua e esquadro ou, para uma maior precisão, será melhor recorrer à medição a laser?

Já me conheço e sei que não vou aguentar, se a fatia cortada for rejeitada por estar acima do peso ideal.

Quem deveria determinar o tamanho da fatia deveria ser eu, a mulher que segura a faca do bolo na mão. Aliás, nem é aconselhável desafiar alguém, que está diante de nós e segura um objeto contundente nas mãos. Pode ser trágico!

Para além disso, bolo não é fiambre para solicitar fatias fininhas.

Cada vez que alguém pede uma fatia do bolo preferido translúcida, dita às pessoas circundantes e que, tal como ela, manifestam vontade de comer uma fatia de bolo, que o façam mas com muito autodomínio. Um convite a pecar às escuras e apressadamente.




Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...