O
dia mal tinha começado, o silêncio ainda reinava em todas as divisões da casa e
prometia prolongamento, apenas Vivian permanecia acordada e em pé, vagando pela
casa de campo “Monsul”, perdida na seara alentejana de Aljezur. Tudo era tão
profundamente calmo e sem perspectivas de mudança, que num espírito inquieto
como o de Vivian causava uma ligeira aflição e a sensação de estar perdida numa
ilha, distante de todas as oportunidades e da agitação, que parece ser, a única
razão que a convence a viver mais e melhor.
Precisava
sair daquele marasmo o quanto antes e bater asas para bem longe e poder chilrear
de contentamento e vivacidade. Não pertencia aquele lugar encostado ao vazio e
envelhecido, sem grandes acontecimentos, condenado ao isolamento e praticamente
esquecido.
Um
bilhete bastava para comunicar sua fuga, isento de despedidas cheias de pesar e
remorsos, por não corresponder às solicitações que a convocam a ficar e
resistir em nome do Amor dos seus entes queridos. Por mais que tentasse
explicar-se, não iriam compreender seus motivos e, por isso, o único recurso
foi evitá-los e virar costas com a promessa de enviar notícias em breve e
permanecer sempre em contacto.
Seus
movimentos foram cautelosos e amortecidos por pés ágeis e descalços, para não
acordar nem alarmar ninguém. Na bagagem levava o essencial, o resto ficava para
um dia quando pudesse regressar matar saudades. Não sabia por quanto tempo iria
estar ausente nem para onde iria formar uma Vida nova. Nada de certezas, nem
garantias mas, muita vontade de arriscar na sua liberdade.
No
bilhete constava a seguinte mensagem:
“Pai, Mãe, irmãos,
estou de saída por algum tempo. Não sei por quanto tempo. Preciso me organizar
e orientar minha Vida, até aqui estagnada e sem grandes emoções. Preciso buscar
novas sensações. Não encarem como ingratidão da minha parte. Sei bem o que
vocês representam para Mim e não esqueço o Amor que nos une e sempre unirá.
Prometo voltar e com
novidades boas.
Levo-vos comigo
naquela foto de família, tirada junto ao rio e que, tantas risadas provocou,
não que seja, para me lembrar de vocês, serve apenas para poder rever-vos
sempre que a saudade consumir meu coração.
Um beijo para todos.
Amo-vos sem excepção.”
Vivian
Á
saída verteu uma lágrima de despedida, que depressa enxugou com as costas da
mão, livre do peso da bagagem. Estava decidida e o que quer que resultasse da
sua decisão não poderia gerar lamentações da sua parte nem recuos. Iria
experimentar um outro registo de liberdade e aprender a viver por sua conta e
risco. A ter que errar, pensava Vivian, que seja através de escolhas só minhas
e não por influência de terceiros.
Na
estação de comboios, certamente iria cruzar-se com gente conhecida, não fosse ela
viver numa terra demasiado pequena e com muitos lugares comuns, que obrigam a
muitos encontros e a uma convivência forçada, para não gerar que os maus
comentários se espalhem e o nome da sua família fique manchado por falta de
educação ou cortesia. Sabia que ia ser tema de conversa e deixar sua família
entregue às línguas afiadas de um povo, preso a uma felicidade remediada.
Tentou
passar despercebida e mal o comboio parou no apeadeiro, apressou-se a entrar e num
ápice, esgueirou-se para junto da janela, bem no fundo da carruagem, sem nunca
largar seus óculos, propositadamente escuros e isentos de emoção.
O
sono militante da preguiça e do embalo provocado pela trepidação da carruagem,
fizeram-na render-se ao descanso. Não queria pensar mais nem avaliar melhor sua
decisão. Daqui para frente queria desfrutar de uma nova corrente de
acontecimentos e reter do passado apenas as boas recordações, que quase sempre reportam
à sua família.








