quinta-feira, 30 de junho de 2011

Prisioneiros do Não


Vivemos escravos do Não,  que utilizamos para contrair um pretexto, que nos proteja da insegurança vaticinada por um sim, a tudo o que é novo e diferente. O não pode projectar negatividade às nossas acções que estão quase sempre sedimentadas num pensamento. Se esse pensamento beneficiar o Não, em detrimento do sim, naturalmente que as nossas acções perderão força para procriar outras acções, que aos poucos nos libertem do medo de confiar que seremos capazes de transitá-las com bom aproveitamento. O não inferniza as nossas Vidas e nós insistimos em recalcá-lo em todas as frases que proferimos e que comprometam a nossa estabilidade. Péssimo hábito português ou não. E lá estou eu mais uma vez a invocar o não para não emitir uma constatação que vá ferir susceptibilidades. O não tem sido tão recorrente e eficaz no atraso do nosso crescimento pessoal, que já nem nos apercebemos do efeito que ele exerce sobre nós. O Não persegue-nos como a cauda persegue os canídeos, que a tentam morder mas, a sua fraca elasticidade, não o permite. Tal como os cães nós também carecemos de elasticidade só que, no nosso caso, trata-se de uma elasticidade mental. Prisioneiros do Não e da sua carga destrutiva, lamentamos estar encurralados numa infelicidade sem retorno. Ser afirmativo não é sinónimo de vulnerabilidade mas, disponibilidade para mostrarmos a grandiosidade do nosso ser. Afirmativos mas não complacentes. Permitirmo-nos é uma condição afirmativa que não nos retira a essência. Ousar um sim em vez de cair mais uma vez num Não, promove novas e boas sensações, que procuraremos repetir ocasião atrás de ocasião. O Não é impedimento para tudo e causa remorso. Frases tais como: Não posso, não consigo, não sou assim, não me vou sentir bem, não tenho tempo, não sou capaz, não sei, matam a vivacidade que nos ilumina a alma e nos faz agarrar a Vida pelo pulso. O não só deveria ser usado em casos excepcionais, devidamente identificados e, quando aplicados fora de contexto, incorreriam numa sanção para o ser que dele tiver abusado.
O Não é óptimo a bloquear a emersão de bons momentos. Quando proferido indevidamente pode provocar estragos insolúveis.
Um Não deixa-nos pendurados na borda da piscina, aguardando o melhor momento para nos atirarmos de cabeça. No entretanto, vamos sendo salpicados pelos splashs daqueles que ousaram acabar com a repressão do Não. O pior é que em vez de seguirmos o exemplo, procuramos reforçar o Não com argumentos que colocam aqueles que ousaram desafiar-se como os nossos inimigos.



terça-feira, 28 de junho de 2011

Reclamar o que se rejeitou não reconhece o erro


Uma personalidade a quatro tons é assim que Vítor retrata a sua irmã Noémia. Há o tom bem disposto e bem humorado, depois há o tom triste e depressivo. Há também o tom irado e intolerante e, por fim, o tom zen, que a remete para outra galáxia, distante da terra e da sua órbita. Noémia transita de tom facilmente e de forma imprevista, sem que haja tempo, para suas companhias do momento, se prepararem para acolher seus múltiplos e variados estados de espírito. Todos eles são excessivos, cada um dentro do seu género. Que o diga Vítor, que convive de perto com as mutações da sua irmã caçula. O que resiste a uma convivência algo tumultuada é o Amor, que ambos nutrem um pelo outro e que se expressa de uma forma contraditória, aos olhos de estranhos, que não aprenderam a aprofundar o imenso mundo das emoções.
Noémia foi a última e derradeira oportunidade de seus pais aperfeiçoarem a beleza, estandarte da família Moreira,  que se desvaneceu com o nascimento de Vítor e Eliseu. Dois rapagões saudáveis mas com cara de Dustin Hoffman. Quem veio salvar o gene bom do clã foi Noémia, com seu porte elegante e suas feições delicadas, que escondem bem sua retorcida forma de ser. Sua ligação com Vítor é bem mais forte do que com Eliseu, que se recusa a aturar seus desvarios repentinos. Gosta de Eliseu mas é de Vítor que ela sente falta quando tem suas recaídas. 
Vítor sempre lhe emprestou seu tempo de qualidade. Bom ouvinte e Melhor Amigo, tornam-no alguém muito especial para Noémia.
Vivem todos juntos, na casa dos pais, que os cercam de mimo e afecto, dissuadindo-os de trabalhar sua autonomia e independência noutro lugar. Aceitam sem reservas todos os caprichos dos seus meninos só para os ver felizes e, principalmente, junto a eles. No entanto, Vítor está determinado a abandonar a casa onde reina a facilidade, que o poupa de consumições e o liberta para se dedicar ao que mais gosta. O motivo que está na base de uma decisão tão definitiva é a sua nova namorada Ligía. Ao contrário de Vítor, Ligía tornou-se independente muito cedo, pressionada pela instituição donde saiu aos dezassete anos, sem garantias de nada e entregue a si mesma. Sua inserção não foi fácil nem isenta de sofrimento. Batalha após batalha desafiou o seu destino condenado ao infortúnio e é hoje médica estagiária no Hospital do Prado, onde foi largada à vinte e cinco anos atrás por uma mãe em apuros. Nunca soube seu verdadeiro nome? A Directora da insituição que a acolheu decidiu chamar-lhe assim. Sem opção, Ligía ficou e hoje até se identifica bem com o nome que lhe foi atribuído.
Apesar de ter ultrapassado vários obstáculos quase insuperáveis, nenhum deles a tinha deixado tão ansiosa e nervosa quanto este que estava prestes a enfrentar. Iria ser apresentada à Família de Vítor e ser alvo da sua aprovação. Estava em pânico. Infelizmente, nunca privara com nenhum conceito de família e por não ter tido nenhuma que lhe servisse de exemplo, o embaraço era maior. Para além disso, eles iriam acusá-la de ter provocado a saída precipitada de Vítor. Mas pior que isso seria a reacção de Noémia, tão dependente de Vítor. Se não o amasse tanto, teria desistido antes mesmo de ter tentado uma aproximação. O cenário não se apresentava fácil nem harmonioso.
Pela primeira vez ficará a saber como são os almoços de domingo em família, que ela tantas vezes ouviu seus colegas de escola comentar com enfado e que hoje, teria a oportunidade de experimentar e, quem sabe até gostar. Tantas novidades num só dia para processar, provavelmente, iriam esgotá-la.
Vítor aguardava por ela no seu carocha amarelo dos anos setenta, herança bem estimada do seu avô Gaspar. Sem pressas, desceu a escadaria de mármore, ganhando algum tempo para se mentalizar para o encontro com os Moreira.
Com ar satisfeito e livre de preocupações, Vítor recebe-a com um sorriso, desimpedindo alguma tensão instalada. Mentalmente, Ligía tentava fabricar um diálogo de boas vindas que a inserisse num contexto tão diferente daquele que foi instigada a crescer. À espera deles no alpendre, estavam os quatro, dispostos numa espécie de barreira fechada, prontos a disparar sua simpatia forçada. Escoltada por Vítor, Ligía foi-se aproximando e apresentando-se a cada um deles. Conforme suspeitava, Noémia recebeu-a sem grande apoteose. Eliseu limitou-se a ser cordial. O Sr Alberto foi mais além e abraçou-a com veemência. Curiosamente, a Srª Elisa agarrou-a nos braços firmemente, fixou-a insistentemente e entrou em estado de choque, bloqueando qualquer manifestação de hospitalidade. Sem nada entender, Ligía fica incomodada e beija-a apressadamente nas faces e agradece o convite para almoçar, libertando-se das suas garras. Ainda sem reacções, a mãe de Vítor parece ter-se reencontrado com seu passado fantasma. Ligía ressuscitou algo que nunca ficou esquecido. Desenterrá-lo era demasiado doloroso mas as evidências estavam diante dos seus olhos, e não a deixavam desmentir a Verdade. Ligía é a filha que ela rejeitou, porque lhe faltou coragem para lutar sozinha contra o estigma de Mãe solteira e marginalizada.

   

terça-feira, 21 de junho de 2011

Medo de Falhar


Todos somos atacados por este medo avassalador, porque não aceitamos a falha como algo natural e parte do processo de aprendizagem e crescimento. As reprimendas que recebemos por falhar, quando eramos crianças, instigaram esse medo.
O que nos faz recuar é a incerteza da novidade e se somos, efectivamente, capazes de nos adaptar a ela e às suas exigências. Esquecemo-nos que o ganho por arriscarmos, justifica todo o mau estar que a transposição da barreira do medo provoca. Ao enfrentarmos as nossas inseguranças e as assumirmos, sem deixarmos condicionar a nossa Vida por elas, encarando-as como desafios interiores a combater com persistência e vontade de vencer obstáculos, reforçamos a confiança em nós mesmos.
Falhar pode ser cansativo, mentalmente esgotante, desmotivador, perturbador até, exigindo de nós uma renovação constante que regenere a nossa resistência à vaga de insucessos. Quem falha, tem iniciativa para lutar contra a adversidade e acredita poder mudar o rumo da sua felicidade, sem se deixar abater pelo desânimo que a escalada para o sucesso produz.
A nossa resistência interior é comprovada através de provas duras que expõem nossas fraquezas e nos intimam a agarrarmo-nos ao que temos de melhor. Atingir os nossos objectivos leva tempo, traz amarguras, ocupa-nos, aumenta as nossas expectativas, derruba as nossas esperanças, faz-nos desesperar por boas notícias que tardam em chegar. Mas não os ter, esvazia qualquer possibilidade de ser feliz e desestimula-nos, remetendo-nos à condição de seres irremediáveis, que são arrastados pelos outros.
Os que não tentaram não podem sentir arrependimento, só frustração. Os que desistiram a meio não acreditaram o suficiente. Os  que continuaram apesar dos fracassos, demonstraram ser dignos da longevidade do seu sucesso.
A nossa imagem não é confirmada pelas falhas que cometemos mas sim, pela forma como as superamos e nos fortalecemos, dando continuidade à perseguição daquilo que nos faz felizes.
Agarrarmo-nos à positividade, implica construir os nossos próprios níveis de motivação, o nosso espírito vencedor e esgotar todas as esperanças no percurso até ao topo dos nossos ideais.
Equilíbrio mental, dedicação, poder de iniciativa, arriscar, consciência de si mesmo, confiança e desapêgo pelo que nos faz acomodar são armas pessoais infalíveis para dominar. 
Mudar pensamentos e comportamentos destrutivos é fundamental para garantir vitórias individuais duradouras. Mesmo que os nossos esforços pareçam resultar infrutíferos, não nos podemos esquecer que o processo de crescimento é longo mas sustentável. Tudo tem seu tempo de maturação. Impaciência é pura perda de tempo. Para cativar ainda mais a nossa participação activa na "tirania" do nosso sucesso, devemos registar com euforia o que de bom vai sucedendo e que nos marcou positivamente.
Nossa fibra foi concebida para resistir, basta que não a aproveitemos inutilmente.
Todas as vozes negativas que ecoam interiormente devem ser abafadas e no seu lugar devemos colocar todos os estímulos positivos que desarmarão o medo e nos conduzirão onde quisermos.
Boas conquistas pessoais :)
     

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Judiação


Gaspar interrompeu as suas férias na Sardenha, para comparecer ao casamento da sua Grande Amiga Ana Diogo, por quem já sentiu um ligeiro arrebatamento amoroso, do qual guarda saudades. Eram muito próximos, impressionantemente parecidos, quase siameses. Tinham a mesma categoria de gostos, menos no que respeita à escolha de parceiros. Nisso destoavam completamente. Gaspar desimpedia o caminho de Ana, ocupando-se das Mulheres canhão e Ana, agradecia-lhe o gesto, entretendo-se com os homens, com talento para arrasar. Ambos marcavam pontos.
A chegada da idade adulta trouxe-lhes algum juízo, que se foi impondo e, aos poucos, afastou-os da diversão inconsequente que os aproximava aos fins de semana na Zona In de todos os vícios. As ausências tornaram-se uma constante, determinando a ruptura do compromisso de se encontrarem e o acordo mútuo de manter contacto, quando a oportunidade surgisse e o interesse também. A partir daí, suas Vidas assumiram rumos mais estáveis.
Os anos passaram por ambos, marcando-os de forma diferente, mas ainda assim não apagou a memória da época que os fez gozar a liberdade para desejar. Porque aproveitaram a disponibilidade para cometer loucuras, numa idade pródiga em rebeldia, hoje sentem que cumpriram sua passagem pela adolescência, sem arrependimento do que desperdiçaram.
Ana é hoje uma Mulher madura, que seduz com sua pele morena, olhos cor de mel, sorriso sadio e uma descomplexada forma de estar. Seu poder de atracção quase atingiu Gaspar e sua fraqueza por mulheres bonitas e de carácter forte.
Desta vez, encontrou-a em sossego, de costas voltadas para a porta, a expiar pela janela os movimentos do staff, responsável pelo evento. Perfeitamente, confortável no seu vestido de cetim cor salmão, definido para realçar sua silhueta de mulher que engana bem a marca do tempo, não se apercebe da presença de Gaspar. Sem a querer sobressaltar, aproxima-se tal qual um intruso cheio de cautelas e, num tom morno e suave, liberta o que toda a Mulher gosta de ouvir mas finge não fantasiar. Estás um espanto!
Ana voltou-se, reconhecendo a voz do seu velho e bom amigo Gaspar, matando seu desejo de o rever. O reencontro foi emocionado, selado com um forte abraço. Lamentaram não se terem reencontrado antes do casamento, para comungarem suas histórias de Vida, mas parece que tudo se conjugou para que tal não acontecesse. Infelizmente, a cerimónia estava prestes a começar e meia hora de intervalo é muito pouco para quebrar com tantos anos de distância. Quando não há alternativa, não se desperdiça a que se tem. Eis uma grande verdade.
Naturalmente que, Ana quiz satisfazer a sua curiosidade feminina e sem rodeios perguntou-lhe se trouxe companhia. Gaspar provocou o silêncio, deixando-a suspensa de interesse, por uma resposta que ele não soube suster por muito tempo, não fosse ela sofrer um ataque histérico desses que atacam noivas ansiosas.
Confirmou a presença de uma companhia mas não revelou sua identidade. Isso era de só menos importância.
Quis saber de Ana e quem foi o responsável pela sua demissão do estado de solteira. Ana sorriu e fez explodir a grande novidade, que mudaria o rumo da conversa. Propositadamente, intranquilizou Gaspar ao soltar o nome do seu futuro marido, sem poupar nos pormenores. Desconfiado das semelhanças entre ele e o seu noivo, deixou-a aprofundar um pouco mais. O pior acabou por ser verbalizado, sem suscitar dúvidas. O seu marido seria Gaspar. Encurralado numa armadilha, desata a agir movido pelo pânico. O choque é grande e a vontade de interná-la compulsivamente é tentadora. Gaspar, sempre habituado a ter opção encara aquele ultimato como o fim da sua liberdade intrinsecamente masculina. De facto, Gaspar antes de reencontrar Ana, estava cabisbaixo com a ideia de perder a sua paixão antiga, que tantas alegrias lhe proporcionou, mas seria demasiado egoísta dissuadi-la daquilo que a fará feliz e que ele jamais saberá corresponder.
Como iria ele demonstrar o seu afecto por ela e convencê-la que não chega, para alimentar uma Vida inteira em comum. Afinal, ele nunca manifestou interesse em casar e ela sempre soube disso. Porque é que insistia em provocá-lo com esse assunto tabu?
Controlando a situação, Ana deixa Gaspar esgrimir as razões que o fazem declinar o convite. Ela esforça-se para não comprometer seu plano tão cruel.
Cansado de lutar contra o silêncio da Amiga, Gaspar prepara-se para abandoná-la à sua própria insanidade e sem mais hesitações, dirige-se para a porta que entretanto se abre, colocando diante de si uma réplica fiel sua, vestida de smoking. Gaspar empalideceu de susto, não acreditando nas parecenças. Já sem humor, exige explicações mas é interrompido pela música de abertura da cerimónia civil que ecoa em todo o recinto, apressando-os a assumir os seus lugares. Entregue à sua confusão mental, Gaspar segue-os. Apesar de atordoado com a sucessão dos acontecimentos, recupera a sua condição de solteirão castiço entre as mulheres. No entanto, sua cabeça lateja por uma explicação. Afinal quem era aquele duplo da sua imagem, que se atreveu a casar com a sua melhor Amiga e, juntamente com ela, troçou do seu estado aflitivo?
Estava a ficar maluco com toda aquela encenação.
Em boa hora abriram o bar, onde ele se barricou para afogar a má digestão de todos os acontecimentos.

terça-feira, 7 de junho de 2011

O Mar enrola na areia



Céu limpo, sem nuvens, temperatura máxima de 27º, vento fraco, condições favoráveis à prática do "Praianismo" e gozar da liberdade que o Verão nos proporciona, para sair e conviver com a natureza. Cenário ideal para libertarmo-nos das pressões que a nossa participação activa na sociedade provoca. Mesmo que não pisemos a areia que se enrola nos nossos pés e não se descola, basta sentir a brisa marítima no rosto para sermos contagiados pelo espírito livre, que depressa encarnamos, com manifestações de descontracção e bem estar que se prolongam, deixando um rasto de felicidade que não causa indiferença.
Nosso corpo absorve todas as vibrações e energias daquele lugar, que nunca sai de moda e desperta interesse, até mesmo quando o sol não brilha e a tempestade está iminente. Há um enigma qualquer a ensombrá-lo, que o torna tão especial e apetecível. Nunca se sabe o que o mar nos devolve. Quais os segredos nele afundados. O seu encanto é tão grande, quanto o mistério que ele enterra. A sua condição de fenómeno faz-nos segui-lo para todo o lado, por onde ele se estende e por onde impera sua grandeza. Quantos de nós não se confessaram a ele em silêncio, se inspiraram nele, apaziguaram seus medos, suas inseguranças junto dele, se fortaleceram só de o admirar, se revitalizaram e a ele, continuam a recorrer para preencher um vazio qualquer. Os sons que emite penetram profundamente nas nossas almas, desesperadas por um suspiro de esperança. Quem tem o privilégio de tê-lo por perto não sofre de abandono nem de falta de esperança. Para alguns, continua a ser um luxo estar na sua presença, que outros banalizam e até desconsideram com seus abusos de cidadãos sem cultura cívica. Respeitá-lo implica preservá-lo e atribuir-lhe o seu estatuto de bem natural superior.
Novos e velhos reencontram seu passado bom naquele abrigo natural, onde todos os anos matam saudades. Retalhos de várias histórias estão condensados naquele livro granulado aberto para o mar, acolhimento de confidências.
Ocupa nosso imaginário, criando inúmeras fantasias inconfessáveis e que provavelmente fariam corar um albino.
Embalados pelas suas ondas, muitos arriscaram desafiá-lo mas foram sacudidos, para que não restasse dúvidas da sua supremacia. O seu ar sereno pode ser enganador e camuflar o seu mau feitio, tantas vezes provado por homens que nele procuram sustento. O seu poder é tão gigantesco, que as emoções suscitadas por ele, podem transitar da alegria à dor em instantes, deixando marcas indeléveis.
Quando ele faz rebentar seus bramidos altos é porque vem por aí carga negativa e só me resta desviar-me do seu caminho, para mais tarde voltar quando seu espírito serenar novamente. 

terça-feira, 31 de maio de 2011

Outsider

Bárbara nasceu com o nome que sua mãe gostaria de ter tido. Aliás nem teve opção. Ainda nem ela era nascida e seu destino já estava traçado. Bárbara seria o modelo de pessoa que sua mãe gostaria de ter sido e não foi, por culpa das más opções que tomou. Se soubesse da intenção da sua mãe, não teria nascido prematura, adiando por mais algum tempo o castigo de viver o sonho de vida de alguém. Nem a dependência afectiva fez Bárbara ceder aos caprichos da mãe. Em vez disso, Bárbara criara uma espécie de bloqueio defensivo a toda e qualquer imposição materna. Nunca houve acordo entre ambas. Apesar de nem sempre discordar da sua mãe, não conseguia libertar-se do seu espírito de contradição, que tantas vezes a defendeu de egos fortes e persuasivos. Remar contra a maré durante tanto tempo pode ser muito cansativo. É o caso de Bárbara que não consegue desligar-se desse mecanismo de defesa e, neste momento, debate-se com dúvidas profundas sobre o que realmente faz falta na sua Vida, do que gosta, de quem gosta, quem quer ser, a quem quer agradar. Contrariar os sentimentos que vão surgindo sem aliviar só os vai intensificar ainda mais e deixar que eles exerçam uma pressão ainda maior. Bárbara está sempre em luta com ela mesma e rejeita o que ela mesma desenvolve interiormente. Sua verticalidade de pensamento esbarra com sua exacerbada sensibilidade feminina. Poucos são os seus momentos de descontracção e é em permanente actividade mental que consome ansiedade, porque insiste em resistir às emoções para as quais não existe uma lógica ou então cria-lhes um enquadramento que as torne aceitáveis. Para ela é impensável viver sem razões. É com elas que esgrime a sua independência mental e individualidade.

Bárbara é a personificação da pessoa que sacrifica suas vontades com medo das emoções que possa estimular e, dessa forma, afectar a imagem de quem quer ser aceite. No seu mundo, os seus sentimentos são marcas de fragilidade e algo que os outros estranharão e não compreenderão. Nem ela mesmo consegue interpretá-los como se eles carecessem de interpretação. Sentir é deixar-se levar sem avaliar causas nem consequências. Os sentimentos vão e vêm . Se os aprisionarmos a uma razão jamais seremos livres para sentir sem culpa.
Bárbara é a única flor delicada a crescer na terra árida e sem vida, onde coabitam seres rastejantes que se aproximam curiosos e encaram aquela presença com estranheza e suspeição. Uma sensação de não pertença, perceptível pela reacção nada hospitaleira dos seus anfitriões que não a reconhecem como um dos deles.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Confiança


Palavra poderosa e qualidade apreciada em qualquer contexto. Condição essencial para sobreviver às adversidades que desafiam a nossa resistência e determinante na conquista de poder pessoal. Quem não a tem sabe atribuir-lhe valor e quem a tem, muitas vezes, esbanja-a inutilmente.
Aqueles que a exibem com excessiva vaidade correm o risco de ser confundidos com arrogantes, desprovidos de sensibilidade para interagir. Afinal estão demasiado agarrados ao poder, que a confiança lhes transmite e não conseguem envolver-se e partilhar experiências. Este tipo de confiança é muito comum e até já há um género que ajuda a identificá-la. Adoram pisar ambientes cheios de actividade humana e ser notados, não disfarçando a satisfação que essa atenção lhes provoca. Investem tudo e nem sequer concebem que haja alguém que não se deixe encantar pela sua descontracção saloia. Isolados perdem a força toda e deixam escapar a sua verdadeira identidade.
Adoram multidões, conviver em grupos grandes, ser o centro das atenções, ser os sabichões que opinam sobre todos os temas mesmo aqueles que não dominam, não sabem conceder ao outro a oportunidade de se expor e brilhar, sem o interromper para afirmarem sua genialidade. Sua confiança é arrasada quando se sentem ameaçados, cada vez que a espontaneidade por parte daqueles que não existem para atrair invejas, acumular ódios de estimação ou  intitularem-se como o único original no meio de tanta cópia, se impõe. 
Os verdadeiramente confiantes não se comportam como únicos no mundo mas confiam no seu valor intrínseco, para garantir o seu espaço e a sua presença.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Solidão



A Solidão percebe-se naqueles rostos que exibem um olhar distante, sem expressão, vago, despido de emoções, indiferentes a tudo, somente concentrados na sua dor, com que se castigam todos os dias.  A sua disposição não melhora. Faltam motivos para se animarem. Sobram apenas mágoas para carregar, das quais nunca recuperaram, talvez porque faltou aquele apoio, aquele carinho, aquele ombro amigo, aquele abraço, algum gesto de humanidade que não chegou a manifestar-se. Vivem fechados em si mesmos, agarrados a algo que não conseguem curar nem abandonar, porque têm medo de recomeçar mais uma vez, encetar uma nova tentativa pro felicidade e esta resultar gorada e os atirar, sem regresso, para o lugar sombrio donde saíram. Cansaram-se de alimentar a esperança, acreditar que merecem ser felizes, perderam as forças para lutar por algo que não passa de uma miragem, deixaram de sonhar e a persistência desse estado emocional vegetativo  só recebeu acolhimento na solidão. Já não reconhecem o que em tempos os fez felizes, deixando-se afectar por aquilo que um dia comprometeu essa felicidade e amparados pela incapacidade de se libertarem da dor, isolam-se do mundo. Só eles sabem o que sentem e a intensidade com que o sentem. Nem o Amor que os rodeia, os faz ressuscitar do coma emocional. Tudo é tão profundo, denso e pesado na Vida de quem sofre de solidão, só comparado aos filmes de Hitchcock.
Sentir pena de nós mesmos é um sintoma de solidão, que se cultiva com o reforço dos motivos que justificam a nossa condição de vítimas. Acontece que  para alguns, esse lodo que é a solidão, protege-os daquilo que eles julgam vir a repetir-se caso se entreguem novamente ao destino. O risco é grande. Preferem assim sofrer só uma vez, mas sofrer toda a Vida.   

terça-feira, 10 de maio de 2011

O bicho rasteiro que infecta a nossa sociedade

Haverá pior dor que aquela sentida por quem não convive bem com as conquistas dos outros? A inveja é como um vírus, espalha-se e invade todos os espaços, contaminando todo o sistema receptor que só sabe reagir com indignação a qualquer pessoa que goze de uma melhor disposição que a sua. O que não é difícil. Afinal, quem sente inveja, sofre de má disposição permanente. As glórias dos outros são facadas no seu ego irado. Não sabe admirar o próximo, reconhecer-lhe valor, conceder-lhe destaque, prestar-lhe apreço, conviver com o sucesso dos outros sem se colocar em causa. A inveja é indisfarçável. Manifesta-se como uma reacção química, carregando o nosso corpo de uma tensão nervosa, pronta a disparar em todas as direcções, sem poupar nada nem ninguém. Ela alimenta-se da gordura saturada que a faz inchar de veneno, desperdiçando o que é nutritivo, saudável e que a faz crescer com vitalidade.
Os doentes de inveja são perseguidos por um único demónio, ou seja, eles mesmos. 
Para eliminar melgas, mosquitos, baratas, moscas, formigas e todos aquelas nefastas visitas caseiras temos uma linha completa de inseticidas que se encarrega de as fulminar. Até para erradicar fantasmas existe o popular esquadrão ghostbusters, que assegura um serviço cem por cento eficaz. Para ser imune à inveja não faltam amuletos com promessas vãs. Haverá pior bicho rasteiro que a inveja? Nem os ratos procriam tão rápido. É uma das maiores senão a maior epidemia do século vinte e um. 
Faço um apelo aos cientistas do mundo inteiro que unam suas preciosas massas encefálicas e juntos criem um concentrado químico que evite a propagação dessa peste humana também considerada um dos sete pecados mortais. O Prémio Nobel da Química era garantido e merecido.
Com o apoio de Futre, charters de chineses não demorariam a copiar a fórmula e comercializá-la a um preço bem competitivo.     

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Amor não correspondido


Almoço de Família às treze horas, sem atrasos. Assim manda a etiqueta. Sara, nada dada a imposições, mais uma vez, falha na pontualidade e deixa todos suspensos aguardando sua chegada. Seus atrasos não são premeditados, seu ritmo é que não sofre nenhum beliscão mesmo sabendo que o tempo não espera. Apressar-se é palavra não grata e faz transpirar, além de acrescentar excesso de responsabilidade e preocupação. Sara não abdica das suas rotinas, só para chegar a tempo a qualquer evento. Todas elas têm que ser cumpridas, nem que para isso chegue atrasada e tenha que se justificar com o injustificável. Sua Família resignou-se a esse seu mau hábito e já encara com humor a sua descarada falta de pontualidade. Meia hora depois, com todos à mesa confraternizando, chega Sara, no seu porte elegante, imperturbável e sorridente, saudando de longe os presentes, desatentos à sua provocação. Sobrou um lugar junto de Abel. Ambos da mesma idade e muito próximos.
Abel nunca deixou de guardar-lhe assento junto a si, garantindo assim um serão bem animado, repleto de novidades. E de facto assim era. Sara nunca o deixava pendurado em vão. Compensava-o com suas histórias que a todos pareciam cansar, menos a Abel, que se deleitava a acompanhar todos os pormenores da devassa. Sara aproveitava-se da rendição do seu primo, pelo seu estilo de vida, para se orgulhar das suas vaidades, sem receio de comprometer a sua privacidade. Adorava expor-se e chocar as elites, tão ocupadas com suas inúmeras reservas em Ser desabridamente. Nem seus pais e irmãos a reconheciam. Eles tão obedientes e rendidos a pressupostos estabelecidos. Apesar de não ser adoptada, sempre destoou do resto da ninhada, que procura a protecção familiar e evita afrontar seus antepassados. Sara é mestre em contrariar, provocar, quebrar regras, destacar-se e desviar atenções, incomodando tudo e todos. Felizmente há quem goste. Abel gosta e muito, nem Sara sabe quanto. Até a sua falta de educação, quando intervala o diálogo para mascar de boca aberta, deixando um cheiro intenso a mentol no ar, não faz esmorecer o seu grande afecto por Sara. Ele conhece-a melhor do que ninguém e sabe que ela é muito mais que aquilo que aparenta. Afinal o Amor é assim mesmo. Vê coisas que mais ninguém vê.
Abel, sem saber, tinha sido atingido por esse torpedo de emoções que só o Amor provoca. Toda a família suspeitava que havia entre eles algo mais que uma grande amizade mas nunca quiseram aprofundar o que se assume contra natura. Abel não sabia identificar seus sentimentos mas reconhecia que na sua presença, sentia-se soberbo. A Tia Custódia, sua mãe, assistia de longe aquela imensa cumplicidade, temendo vir a tornar-se uma desilusão para o seu menino. Sara não era Mulher para Abel. Campeã em provocar desgostos. Certamente, não deixaria de alastrá-lo a Abel que insistia em persegui-la para todo lado. Ela acabaria por se cansar dele e partir sem aviso. Aliás sempre demonstrou não se identificar com o meio onde cresceu, lado a lado com Abel, seu eterno seguidor.
Abel parecia não se importar em sofrer nas mãos de Sara. Ele só não a queria perder de vista, tamanha era a sua obssessão. A intensidade dos seus sentimentos foi aumentando e assustando Sara, que se via encurralada entre a vontade de estar com seu melhor Amigo e o remorso de estar a suscitar algo que não se vai realizar, porque não é do seu desejo. Como se desactiva esta fixação em alguém, sem comprometer a amizade? Sara vive esse dilema. Culpa-se, agora, por ter abusado de Abel só porque lhe aprazia sentir-se amada. Abel reunia aquilo do qual ela mais carecia, compreensão e carinho. A seu lado, conseguia alhear-se do mau ambiente familiar, composto por pais autistas e demasiado agarrados a valores morais que reprimem as diferenças. Sem entender, a rejeição dos seus pais e irmãos, ao seu modo de ser, procura junto de familiares apurar a sua verdadeira origem e poder justificar o porquê de ser alvo de repúdio. Mesmo após saber não existir mistério algum, envolvendo o seu nascimento, que atribua aos seus pais a condição de pais de acolhimento, não se convence e decide demorar-se numa inspecção minuciosa ao espelho, para aferir as suas semelhanças físicas. Até nisso não restavam dúvidas. O nariz sardento, herdou da mãe e as covas, junto aos lábios, foram oferta do seu pai, bem como, a tez morena que a descendência distante Goeza lhe confere. Não há erro. Sara é uma Moreira de Andrade dos pés à cabeça. Moreira por parte da Mãe e Andrade por parte do Pai. Se o espelho não engana, os registos de perfilhação também não, porque é que não existe uma boa base de entendimento entre Sara e seus pais? Uma pergunta à qual Sara não encontra resposta e se cansou de aprofundar. Abel ajudou-a a superar o trauma do patinho feio, que a ninguém pertence nem a lugar nenhum. Como poderia ela viver sem Abel. Seu anjo da guarda, que ela ocupou durante tanto tempo, abusando repetidas vezes da sua dedicação. A pedido de sua Tia Custódia, Sara decidiu que era melhor libertá-lo para que ele pudesse ser Feliz, ainda que ambos venham a sofrer com esse afastamento. Na sua Vida tem sido uma constante, as solicitações para sair de cena e não contaminar o ambiente que se quer feliz e caseiro. Sem ninguém saber, sumiu para parte incerta mas antes deixou uma carta explicando as suas razões embrulhadas em muita mágoa e tristeza. Quem não entendeu esta atitude foi Abel que ainda alimentava a oportunidade de com ela gerar muitos patinhos feios, iguaizinhos a Sara e sua exuberante forma de ser. Bem hajas Sara.
  

terça-feira, 3 de maio de 2011

Luto



Lídia estremeceu com o arrepio que lhe percorreu a espinha, anunciando a chegada de algo nada auspicioso. Apesar da sensação não ter sido agradável, não se mostrou intrigada nem enfatizou o que acabara de sentir. Sacudiu o corpo e libertou-se daquele mau encosto.
Há quem acredite na capacidade de prever acontecimentos desagradáveis. Basta estarmos atentos à nossa percepção sensorial.
Lídia não se intimidava com arrepios nem explorava o seu lado sensorial e, portanto, tratou de encontrar uma lógica para justificar o sucedido e assim abafar o caso. Para ela tudo tinha uma explicação, que retirava ao mais insólito acontecimento toda a sua atipicidade. Quando recebeu a notícia da morte da sua mãe, não associou aquele arrepio desavindo ao prenúncio de algo doloroso na sua Vida. Não conseguiu viver imediatamente a dor, estava mais preocupada com a  preparação da cerimónia fúnebre, reunir a família, participar o falecimento às pessoas mais próximas, marcar presença e receber as condolências por parte dos convocados, chamar a si todo o cumprimento das tarefas inerentes à despedida final e assim adiar conviver com a perda, tão insuportavelmente incómoda.
À distância, Lídia parecia a menos incomodada com a morte da sua mãe, tendo em conta o seu envolvimento prático e energia aplicadas na organização de todo o acto fúnebre. Na verdade, a ausência de sensibilidade nem sempre é sintoma de indiferença ou desinteresse. Pode muito bem ser uma defesa, para não remexer em sentimentos mal resolvidos, que a perda veio revolver. Lídia amava a Mãe, apesar das diferenças que as separavam. Viveram em épocas diferentes e, por isso, a sua proximidade sempre foi comprometida por esta distância de gerações. A predominância do respeito em detrimento da amizade nunca impediu a existência de compreensão, apoio, colo, carinho e muito amor. O que faltou foram as palavras que o orgulho engoliu mas sobraram gestos, afectos, dedicação, atenção, que compensam esse embargo emocional. 
Todos tiveram oportunidade de se despedir da Mãe menos Lídia. A Mãe merecia que ela estivesse presente naquele último momento mas o tempo não foi seu aliado e  é carregada de culpa que cuida dos detalhes com a funerária.
Não podemos recuar nem  recuperar o que ficou para trás. De pouco adiantam arrependimentos ou massacres emocionais. Eles não vão trazer de volta nossos entes queridos.
Mais tarde ou mais cedo, Lídia terá que enfrentar o luto e lidar com essa dor de uma forma menos angustiante. Ela apenas precisa de encontrar o melhor momento para o fazer. Até lá, vai se convencendo que as rotinas a distrairão da dor.
Não conseguimos abafar o amor que sentimos. Nem mesmo aqueles que recusam expor seus sentimentos, com medo de se fragilizarem ou parecerem ridículos, conseguem resistir-lhe. Acontece que, o Amor também faz doer e excesso de amor faz doer ainda mais, principalmente, quando as ligações são fortes e criam dependência. Lídia sentia Amor pela Mãe, tanto, que nunca chegou a expressar-lhe o quanto a amava. Perdera demasiado tempo a medir forças com a Mãe, somente para que ela reconhecesse que não é o único elemento da família preparado para a Vida nem a única a saber aconselhar ou a ajuizar melhor. Lídia queria que a Mãe aceitasse a sua forma de lidar com as situações e a admirasse por isso. O que ela não sabia é que sempre foi admirada, elogiada e eleita como um exemplo a seguir e a sua Mãe só continuou a manifestar-se, com a sua experiência de Vida, por temer perder-lhe o rasto e deixar de lhe ser mais útil.

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...