sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Perspectiva da Vida

Acabaram-se as histórias encantadas com finais felizes. Já nem imaginário criativo temos para criar ou sequer imaginar contextos encantatórios. A realidade consome todo o nosso tempo. Para além disso estamos enfiados em nós mesmos e nas nossas próprias dores o que torna ainda mais difícil descolarmo-nos e sonharmos mais e duradouramente.
Voamos cada vez menos e, certamente, por isso também esboçamos menos sorrisos e contribuímos menos para a nossa própria felicidade.
Os nossos monitores de trabalho limitam a nossa capacidade de enxergar mais longe e quando levantamos os olhos para ver o que se passa à nossa volta já nosso olhar está enfraquecido e sem capacidade de uma visão mais ampla.
Os trajetos são sempre os mesmos quer na ida quer no regresso, o encadeamento de tarefas também não sofre alteração, o ritmo sempre acelerado, os colegas hão de ser sempre os mesmos, até os aborrecimentos são sempre os mesmos e a saturação cresce com a repetição incessante.
Tudo nos passa ao lado, deixamos de nos comover, somos cada vez mais individualistas, descrentes, irresponsáveis pelo outro, mesquinhos, invejosos, caprichosos, soldadinhos de chumbo com pose de altas patentes.
Já nem sabemos o que são convicções próprias. Perdemos a noção de nós mesmos e cultivamos vazios que redundam em relações debéis ou inconsistentes.
Rico e Feliz é aquele que consegue sair da masmorra, saltar vedações, correr como o Tom Sawyer ou o Forrest Gump e retirar peso à Vida.
Run Forrest Run.
Nós corremos efetivamente mas não corremos por Ter Vida mas em função da Vida.
Suportamos o insuportável porque tem de ser, ou melhor, porque preferimos assim a ter que encetar uma mudança da qual não há garantias, só expectativas.
Exigimos demasiado uns dos outros, como se eles fossem a causa de todos os problemas.
Confiamos desconfiando.
Amamos sem tempo.
Carregados de energia artificial e desprovidos de interesse.
Sofremos de Inconformismo resignado.
Fazemos fretes naquilo que nos poderia tornar útéis e melhores.
Não vale a pena e ficamos por aí.
Tudo Eu Tudo Eu.
Queixamo-nos de barriga cheia.
Remoemos para dentro ou baixinho.
Conspiramos a toda a hora.
Apostamos em probabilidades remotas.
Queremos ficar por cima e entoar nosso triunfo
Invocamos o divino para disfarçar nossa bondade.
Achamos sempre que merecemos mais mesmo não o merecendo.
Cada um por Si
Alimentamos o superficial.
E no entretanto, deixamos de ler aquele livro, apreciar aquela paisagem, amar quem nos ama, fazer descobertas, aprofundar conhecimento, criar novas amizades, conviver com o mundo espiritual, progredir, cuidar, respeitar, engrandecer.


quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Boa Mudança

Hoje é dia de mudança. Boa mudança. Chega de dar ouvidos a pessoas que não nos entendem nem nunca irão entender porque sua visão da vida está assente em estacas fixas e inserida em perímetros limitados por uma consciência pouco livre.
Mudar, essencialmente, porque é dessas mentalidades, que nos castigaram tanto no passado, que queremos fugir e que continuam a achar-se exemplos de pessoas bem socialmente.
Ainda bem que há várias pessoas tipo e não um tipo de pessoas. A julgar pelo discurso de alguns muitos de nós nos devemos sentir uns ET'S, perdidos numa tribo que não é a nossa.
Principalmente, não devemos ser aquilo que esperam de nós, por ser o que fica bem ou aquilo que eles acham que melhor nos defende.
Hoje e mais do que nunca é preciso ter audácia para sermos do jeito que somos.
Inacreditável é ter que privar com pessoas que nunca fizeram um exercício interior sobre si mesmas e venham apontar e ditar de que jeito deveremos ser e arrogantemente sugerir o que é melhor para os outros e para a sua convivência interior e exterior.
Devo ter crescido numa dimensão diferente e por isso, por vezes, também me ache diferente não que isso implique boa diferença mas pelo menos sei que sou eu mesma sem pós de arroz.
Falo de pessoas que acham que sabem tudo, falam sobre tudo e opinam sobre tudo quando nem sensibilidade têm para enxergar o óbvio.
Querem apenas mostrar-se e exibir aquilo que não têm em si.
Chegam aos locais e querem dominar, quando o mais importante é fazer a diferença e a diferença só se faz com determinado tipo de sensibilidade, privilégio só de alguns. 


segunda-feira, 13 de julho de 2015

Desilusão

Tudo o que foi será produção da minha memória e as sensações que daí advierem são manifestações da minha vontade de regressar ao passado tal qual um naufrágo agarrado ao salva vidas. Tudo mudou e eu também tive de mudar para me adaptar. Não houve sequer tempo para me recompôr e avaliar com clareza o estado das coisas. No fundo eu já suspeitava que o que é bom um dia iria acabar mas , nunca me preparei para isso e aqui estou eu aos pedaços.
Foi castigo ou aprendizagem ou Ambas? Desilusão, muita Desilusão foi concerteza.
Certamente eu é que não quis ver o óbvio e iludi-me porque precisava acreditar.
Agora, não há perspetivas nem garantias de nada. A dor impôs-se e sabe-se lá quando vai abalar. Logo a seguir virá a revolta e dúvida muita dúvida sobre qual o caminho certo.
Solidão, vazio e descrença são as minhas companhias do momento.
Mas tudo passa. Tem de passar apesar de não melhorar.
O sentimento não será o mesmo, a entrega não será a mesma, a conduta não será a mesma, apesar de tudo permanecer igual. Silêncios, muitos silêncios e vontade de isolar-me do mundo.
Afinal não conquistei nada. Alimentei apenas a ilusão de que comigo poderia ser diferente.
Meu coração está pisado e meu cérebro não consegue processar direito todos os pensamentos que vão chegando.
Os sonhos acabaram e os planos para o futuro também. Não há mais condições para tais empreendimentos. Tudo o que existia deixou de fazer sentido. Perdeu a intensidade e caiu na banalidade. Deixou de ser algo do qual me orgulhava.
Não quero consolo, não quero ouvir experiências de vida dos outros, não quero conselhos, não quero moralismos, não quero advogados de defesa, rejeito tudo. Já nada me serve.
Não me apetece assumir nada.
Não prometo nada.
Pensei ter construído algo sólido e cúmplice mas tudo não passou de um logro.
Acreditei que há valores que se sobrepõem a caprichozinhos pessoais e que todos devemos saber honrar as escolhas que fazemos mas afinal não é bem assim. Há quem prevarique e venha a desvalorizar uma história, pessoas envolvidas e os sentimentos.
É assim a Vida ora doce ora amarga.




sexta-feira, 19 de junho de 2015

Definitivamente Tu

Nasci acompanhada e bem acompanhada. Até hoje. Quando meus olhos perderam a sensibilidade à luz e se abriram, deram contigo e o susto foi enorme. Quem é este ser enrugadinho, babando, cabeludo e sem noção? Apresentaste-te desastrosamente, com um monumental berreiro e eu percebi ,que o caso ia ser sério. Tão sério que, provocaste em mim a mesma vontade e em solidariedade berramos juntas a plenos pulmões. Diante de nós um ser abalado, em apuros.
Crescemos juntas e de mãos dadas permanecemos até nos tornarmos independentes. Tu seguiste um caminho e eu outro, soltamos as mãos mas o apêgo continuou com a mesma intensidade. Continuo a precisar de Ti e tu de Mim.
Já rimos desalmadamente juntas, já choramos juntas, já brigamos, fizemos as pazes, rimos, perdoamos, abraçamo-nos, discordamos, reatamos e voltamos a conquistar-nos sem ressentimentos, sem remexidas, sem feridas abertas. Não há Amor igual.
Sou a força que tu dizes carecer e tu a força que eu reclamo não ter. Sou forte por ti e tu forte por Mim. Acredito mais em ti do que tu em tu mesma, porque conheço bem todo o teu potencial e não me canso de te esparramar essa verdade, tal qual uma tarte merengada que esborracham na nossa cara, só que tu apenas te ocupas do merengue, olvidando o principal.
Quer tu queiras quer não, vou continuar a atirar-te tartes dessas até tu te enxergares e reagires em prol de ti mesma. Caso não saibas mas suspeito que saibas, uma das passas (não são essas, são as primas murchas delas) reservo-a para desejar que sejas e principalmente que saibas Ser Feliz. Nasci a pensar em mais alguém porque sempre exististe tu e cedo também aprendi que não há exclusivos.
Connosco não há cá Amor à primeira vista. Sem opção, fomos convivendo e o Amor cresceu e a continuidade tem ajudado a amadurecê-lo De início de costas voltadas mas olhando por cima do ombro até que a curiosidade levou a melhor e o frente a frente foi inevitável, evoluindo para o lado a lado na placenta, no berço, nos bancos de escola, no recreio, nas visitas escolares, no quarto comum, na mesa das refeições e na Vida.
Cumplicidade é o nosso míddle name. Não confundir com dois em um nem com vidência.
Graças a Deus não temos os mesmos gostos nem fazemos as mesmas opções.
Não te dou o direito de te sentires só nem teres memória curta, porque eu estou aqui. Sou mais disponível que central eletrónica de uma Multinacional de serviços. Para desabafar marque 1, para reclamar marque 2, para boa companhia marque 3, para Te animar marque 4, para uma boa conversa marque 5, para chorar no ombro marque 6, para o que der e vier marque 0 ou assistência personalizada.
Definitivamente Tu ensinaste-me a Amar.







terça-feira, 5 de maio de 2015

It takes guts to be happy

É ousado ser Feliz. Requer coragem e boas doses de loucura. As pessoas felizes não prestam atenção aquilo que a grande maioria de nós presta. Vivem numa dimensão diferente que as remete para um estado de ausência, muitas vezes confundido, por alguns, como demência. Pessoas felizes ao contrário do que se possa pensar também entristecem, também se enervam, também se desiludem, mas com a grande diferença de nunca encararem esses acontecimentos que provocam más sensações, como os mais marcantes nem acreditam merecê-los para o resto da Vida. Suas ações promovem a Felicidade porque acreditam ser essa a sua Missão de Vida. 
Pessoas Felizes, onde as podemos encontrar? Em todo o lado e em lado nenhum.
Em todo o lado, em ocasiões diversas e na sua essência e, em lado nenhum, porque não se trata de uma felicidade consolidada. Naturalmente que, há momentos em que somos verdadeiramente felizes mas trata-se de uma felicidade com enquadramentos favoráveis e não de uma Felicidade conquistada pelo nosso espírito.
O que muitas vezes compromete a Nossa Felicidade é o peso que atribuímos aos acontecimentos que vão sucedendo na nossa Vida e o peso que damos à opinião dos outros. Há até aqueles que se agarram de tal maneira a superstições, gerando comportamentos obsessivos compulsivo. Do género, se não bochechar durante dez segundos o elixir na boca, algo de ruim vai acontecer. São masoquistas ao ponto de achar que a sua Felicidade depende destes rituais ou rotinas pessoais.
A desinfeção da boca com elixir só mata cáries e não todas.
Não há bênçãos, não há rezas, não há súplicas, não há sacrifícios, não há penitências que assegurem a sustentabilidade da Felicidade.
O Poder está em Nós, na forma como encaramos a Vida, como abordamos as situações, como comunicamos connosco e com os outros. Principalmente, como comunicamos connosco. Contaminamos o nosso cérebro com reações, expressões, manifestações, porquês, às quais procuramos atribuir razões que consomem o nosso bem estar, indutor da Felicidade.
Para quê encontrar razões? Todos reagem, todos se expressam e todos se manifestam, faz parte do Ser Humano e fazem-no muitas vezes inconscientemente, porque não conseguem dissociar-se do seu legado emocional e educacional. É a sua verdade, a sua perspectiva, a sua razão.
Lá por destoarem da nossa razão, não temos que concordar ou discordar, apenas aceitar que haja outras maneiras de compreensão. São manifestações individuais que revelam muito de nós.
Não precisamos que concordem connosco. Esta não é uma área na qual devamos intervir porque não traz Felicidade. A Felicidade está em nós e na consciência de nós mesmos, da perceção que temos de nós mesmos. Tu é que convences os outros a gostar de ti e não são os outros que te convencem a gostares de ti.




sábado, 4 de abril de 2015

AMANHÃ INCERTO

Viva Mais, Viva Melhor.
Mas Porquê, Viver Menos é Viver Pior?
Não será que a Vida nos prova o contrário?
Ultimamente o que tenho assistido é que Viver mais só tem trazido acumulação de problemas, menos saúde, menos dinheiro, menos segurança, menos amor, menos conforto, menos disponibilidade, mais encargos, menos esperança e mais solidão.
Na verdade, deveríamos chegar a uma certa idade e ser poupados a certos cenários e receber o mesmo tratamento que os anciãos recebem no Japão e na China. Nestes dois países a velhice é sinónimo de sabedoria e respeito. Acreditam que chegados a esta fase atingiram um patamar de desenvolvimento tal que bem merecem ser venerados pela sua experiência, sabedoria, espírito de sacrifício e solicitude.
Na nossa cultura, reagimos diferente, maltratamos aqueles  que vivem por mais tempo e fazemos com que se sintam os despojos do século passado.
Para quê Viver Mais se as garantias de Viver Melhor não passam de pregões publicitários que tentam mascarar a realidade.
Há quem lhes chame Séniores com promessas de maior dignidade, melhor qualidade de Vida, maior bem estar, mais tranquilidade, menos preocupações, maior desafogo e no final, tratam-nos como velhos imbecis.
Não estamos a Viver Melhor, nem de longe nem de perto e o pior disto tudo é que estamos a viver por mais tempo. Poucos são aqueles que se querem aventurar a ter filhos, para evitar cair nesta incapacidade social de viver melhor. Não há condições para Viver, quanto mais Viver Melhor Ainda.
Velhos, Tristes, Deprimidos e Falidos assim somos nós.
Distante vai aquele tempo do orgulho de ser português.
Depois ainda nos pedem para reagir e encarar com leveza tudo isto como se não fosse peso a mais nas nossas Vidas.
Agora entendo porque muitos deles vivem colados ao passado e com vontade de lá regressar, alguns deles regressariam até ao período austero do salazarismo e do orgulhosamente sós.
Comissões de inquérito atrás de comissões de inquérito vamos dando oportunidade de justificarem o injustificável e escaparem de pesadas sentenças, permanecendo exilados nos seus palacetes à prova do ruído de revolta social instalado.
Viva enquanto o deixarem assim é o slogan do sentimento de ser português.  

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Sancho, o reconciliador

A separá-los, existia uma mesa, com dois metros de comprimento e, no centro, um candelabro que mais parecia um poste de iluminação caseiro, concebido ao jeito de Joana Vasconcelos, grande e majestoso. Cada um ocupava a sua extremidade e parecia ignorar o óbvio. O silêncio era avassaladoramente incómodo mas, mesmo assim, preferiam-no a dispender energias em vão. Aquele lugar, outrora iluminado e leve, tornara -se sombrio e pesado.
Vieram a adotar as mesmas atitudes que lamentavam nos outros. Perderam a intensidade. Perderam a vontade. Perderam a consideração. Perderam a admiração. Perdeu-se a fantasia. Na verdade, foram perdendo tudo aquilo que sustentava a sua união. Ambos sentiam que precisavam recuperar aquele passado bom e prazeiroso mas esgotaram suas forças na luta pelas suas próprias razões e mágoas e já não conseguiam abrir mão dessa determinação obstinada.
O Sancho, era o único a interromper esse silêncio e a promover alguma interação entre o casal. Sua chegada espalhafatosa ajudava a sacudir aquela nuvem negra que pairava no ar.
 Seu pêlo sedoso, seu olhar meigo, doce e suplicante, não os deixava indiferentes e, rendidos desviavam-se da sua indiferença, por instantes, para lhe dar atenção. Porém, essa manifestação emocional durava muito pouco e o regresso ao isolamento impunha-se novamente. Sancho era o principal responsável e provocador da erupção de sentimentos que emergia das suas almas desencontradas. Sem saber, as suas saídas com o dono para aliviar bexiga e tripa coincidiam com as saídas do cão sorna da vizinha jeitosa do prédio em frente, que inevitávelmente produziam efeitos colaterais na dona do Sancho que via aquilo como um pretexto para se reencontrarem e flirtarem, mesmo debaixo do seu nariz adunco. Ciúme e sentimento de posse esquentavam o ambiente, sempre que Sancho e Ezequiel regressavam do passeio. Nem havia tempo para raspar a sola dos sapatos no tapete da entrada e já Helena subia o tom para reclamar do passeio prolongado. Apesar das suas reações serem provocadas pelo chamado monstro dos olhos verdes (ciúme), negava sempre  e tentava, em vão, convencê-lo de que o motivo da sua súbita irritabilidade revelava apenas preocupação com o Sancho. Ezequiel bem tentava explicar-se mas quanto mais o fazia, mais ela encarava como desculpas para se aproximar da loira de cabelo pranchado e peito siliconado. Que pena o Sancho não poder falar, pensava ela.
Arrependia-se, mais tarde, do folclore explosivo de reações geradoras de discussão, pois sabia bem que Ezequiel só tinha olhos para ela, mesmo nesta ocasião em que estão de costas voltadas. Parecia indiferente mas não passava de disfarce.
Na cama fria que descobriam todas as noites existia um fosso a dividi-los e, cada até amanhã dado  antes de adormecerem, arrastava-os para uma despedida sem retorno.
Sancho estranhava seus comportamentos orgulhosos e enroscava-se no meio dos dois para recuperar hábitos antigos em tempo de união. Lá ia lucrando com festinhas e pedaços generosos de bolo caseiro. Sem querer Ezequiel e Helena retomavam o diálogo, com tendência para evoluir favoravelmente para uma reaproximação e noites mais quentinhas.
Até a morte, por preguiça crónica, do cão sorna, da vizinha matadora, de look arrojado, ajudou a  apaziguar os ciúmes.
A mesa de dois metros de comprimento deu lugar a uma mesa sem extremidades e o único motivo de adorno são as suas mãos entrelaçadas.

sábado, 15 de novembro de 2014

Descontentamento Descontente

Tenho tudo e não tenho nada. Sei de tudo e não sei de nada. Ter tudo e saber tudo ou nada saber e nada ter? Qual destas combinações traz felicidade? Será que a Felicidade é a ausência do saber e do ter ou a totalidade da posse e do Saber?
Ter tudo e saber tudo, não passa de uma crença nossa, que não retrata a realidade. No entanto, não vivemos na completa ignorância nem com ausência de tudo. O que nós sabemos e temos é que pode significar tudo para nós. O nada ter e nada saber não combina connosco. Poderemos ter essa sensação, talvez por ser tão fundamental ter e saber e, por esse especial motivo, cresce em nós o descontentamento de ainda nos parecer insuficiente e esse pouco, parecer nada.
Certamente serão mais leves as ausências sem carências do que os excessos com o total conhecimento de tudo.
Felizes os pobres ignorantes ou felizes os ricos sabichões?
Ter e Saber são dois poderes demasiado pesados e comandar as influências que ambos geram, determina a qualidade do nosso caráter. Os que julgam nada ter e nada saber, não se comprometem nem se deixam corromper por esse duplo poder. Quem comanda, assume o que tem e assume o que sabe e conquista a posição que quiser. Porém o preço a pagar é maior e sem margem de negociação.
Os que dizem viver na ignorância preferem questionar e certezas, são cometas distantes que só provocam interesse sem obsessão. São movidos pela curiosidade e o que têm, jamais chegam a possuir. Enriquecem partilhando.
Afinal não somos donos de nada nem do nosso cão, que a qualquer momento também pode abalar e nos abandonar. Não temos domínio sobre nada nem ninguém e se o temos, é mera ilusão. O que nos é dado também pode vir a ser-nos retirado.
Bem se diz, nunca queiras possuir o que tanto gostas pois corres o risco de vir a depreciá-lo.
Uns colocam barreiras no saber, outros colocam barreiras no ter. Eis a diferença. Liberdade para aprender e contenção na posse do que corrompe. Onde escolhemos colocar essas barreiras, assume importância no sentido que queremos atribuír à nossa Vida. Nem sempre fazemos escolhas que traduzem maior felicidade. Nem sempre essas escolhas traduzem o que queremos. Nem sempre o que queremos é condutor de maior felicidade. Nem todas as escolhas recaem apenas sobre nós.
Muitos de nós só saberão o que é ser feliz quando provarem a infelicidade.
Agarrarmo-nos sempre ao momento seguinte, à ilusão do que pode vir a ser melhor, num descontentamento descontente de quem não sabe o que quer.







terça-feira, 11 de novembro de 2014

Um dia vais entender

Quando fores crescido vais entender todas as minhas preocupações, a minha vontade de te abraçar e beijar a toda a hora, meus avisos, meus cuidados redobrados, minhas incursões durante a noite ao teu quarto para vigiar o teu sono, minha impaciência, minhas escolhas, as camadas de roupa que te obriguei a vestir, as minhas manias do boné e do protetor solar ao longo do ano, as minhas corridas para te alcançar, cada vez que corrias livre e desimpedido, os fretes que te fiz passar, as minhas insistências, as cantigas que arranhei com a minha voz desafinada, as vezes que te medi a temperatura do corpo, as visitas regulares ao homem da espátula de pau e bata branca, as paranóias com as corrente de ar, o meu olhar cansado, as minhas maluqueiras para te enfiar o maior número de colheres possível de sopa, as minhas cócegas na hora da mudança da fralda, que nem sempre acabavam bem para o meu lado, os rituais de limpeza diários, as considerações trocadas com a tua educadora que te roubaram alguns minutos de brincadeira, o esconde esconde das prendas de Natal que te picavam  a  paciência mas ajudavam-te a valorizar os gestos e conferir um caráter especial aqueles momentos e desvalorizar o pacote, as minhas sessões de sensibilização nas épocas especiais sobre a sorte em teres nascido num seio familiar equilibrado, capaz de oferecer conforto, bem estar, harmonia, os beijos roubados que te dei, as histórias que quiz que conhecesses, as saídas repentinas das festas, antecipando o dia seguinte, a importância dada ao sono e ao descanso, as inúmeras vezes que te afaguei o cabelo contigo a protestar, as vezes que te obriguei a ficar na mesa até todos se levantarem, as gargalhadas que soltei sem que tu nada entendesses mas que mais não eram que explosões de alegria por ti provocadas, a quantidade de vezes que me apanhaste a olhar para ti deslumbrada, os meus nãos, os meus sins, o rompimento do teu nome, vais entender as manhãs stressadas da Mãe, os nomes estranhos que te chamei em frente a estranhos, as vergonhas que te fiz passar, as não cedências às tuas birras, a retirada minuciosa das grainhas, pevides, ossinhos, casquinhas, que não chegam para travar tua voracidade crescente, um dia vais entender isso e muito mais.
Vais entender o que é amar verdadeiramente e o sofrimento que causa. Por enquanto, posso parecer protetora demais, chata, inconveniente, melosa, grudenta, maníaca do absoluto controlo das coisas, exigente, stressadinha mas este exagero todo é porque não consigo calar o imenso Amor que sinto por ti.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Casco encalhado

O que necessitava ouvir nunca foi dito e o que precisava desabafar nunca chegou a ser solto. Ambos  amordaçaram os seus sentimentos e deixaram que eles se convertessem em mágoas profundas. Foram convivendo. Ora bem ora não tão bem, com intervalos cada vez mais curtos, nem sequer chegavam a distinguir a sua passagem. Parecia tudo igual, nem os cenários mudavam.
Ele tentando-a convencer da sua invulgar sensibilidade e Bianca desvalorizando suas apregoações.
Algo contaminou a compreensão que tinham um do outro e provocou esse distanciamento não intencional, porém real e incómodo. Ele dizia-se tão sensível mas nunca se mostrou disponível para conversar com Bianca e entendê-la sem julgar. Das raras vezes em que estavam a sós preferia falar a ouvi-la e o tema não mudava e sempre que Bianca tentava desviar recebia vários carimbos, que não lisonjeavam a sua pessoa. Bianca esbarrava sempre num muro alto vedado, que mesmo numa relação privilegiada como a deles e que deveria resultar numa união harmoniosa, preferia dominar. Quer ser sempre a figura dominante. As suas apreciações usualmente discriminatórias comprovam a  sua rejeição. Suas palavras são letais. Seus gestos uma raridade. Foram tantas as ocasiões e as oportunidades para escapar do seu ego mas nenhuma foi superada.
Bianca apesar de ter nascido noutra geração sabe atribuir importância às pessoas, principalmente aquelas que com ela estabelecem uma forte ligação. Essas são as que hão-de permanecer sem reservas.
Bianca pensava sempre errado, agia mal, ajuizava mal, dramatizava demais, interpretava mal os outros, devia ser mais grata, devia comer e calar, devia abafar sua maneira de ser para não agitar os acomodados e acostumados a aceitar injustiças e gente dissimulada. Tudo o que ela devia ser não é.
Há quem se intrigue com pessoas que agem de acordo com o que pensam e não de acordo com o que podem suscitar nos outros. Bianca pertence a essa categoria dos que não usam artefactos para agradar e quando gostam sentem admiração.
Ele carece de atenção não de Amor. Os outros são demasiado importantes e movimentam opiniões que funcionam como vidas para acumular progressos no Candy Crash da Sua Vida.
É uma relação não evolutiva a deles.
Oxalá Bianca consiga libertar-se do peso dessa evidência e aceitar essa pobreza de Amor.





domingo, 12 de outubro de 2014

Pressão positiva

Atingir os objectivos, manter o emprego, destacar-se, ignorar invejas,  atualizar-se, procurar mais conhecimento, conquistar vitórias, estar atento à concorrência, motivar-se diariamente, renovar-se, sair da zona de conforto, responder a todas as solicitações, quer no emprego, quer na família, quer nas relações sociais, quer nas relações conjugais, quer nas relações de amizade, é muita pressão. Como é que querem escapar ao stress. É impossível. Acumulamos demasiados compromissos.
Essa correria retira-nos alguma sensibilidade e capacidade de enxergar para além do óbvio e, por conseguinte, compreender melhor. Se tivéssemos oportunidade de abrandar e até parar para assistir a um apanhado de slides da nossa Vida, iríamos estranhar certos comportamentos em nós. Que pessoa é aquela que ali está? Iríamos interrogar-nos. Somos movidos por forças externas, por pressões várias, que testam a nossa resistência, a nossa escala de valores, o nosso núcleo duro de princípios, o nosso carácter, a nossa verticalidade. Certamente nem todos terão uma boa imagem nossa, até porque nem todos se regem pelos mesmos padrões. Os que nos compreendem seguramente terão boa imagem de nós e não serão necessários esforços alguns para os agradar. Isto num plano pessoal e informal. No plano estritamente formal temos de construir confianças, acreditação no nosso valor, respeito e colocar nossa vida privada num patamar seguro, resguardado de comentários livres. Não falo de mim nem deixo que falem por mim. Esse é o truque.
Os livros abertos perdem interesse e nunca chegam a sair da prateleira, revelam de mais. O carácter de intocabilidade dado à qualidade daqueles que são discretos cria curiosidade e interesse. Não se escondem mas jamais se expõem indiscriminadamente. Nem todos são dignos dos seus desabafos ou partilhas.
Ouvir e guardar silêncio ajuda a ajuizar melhor. Gralhas, é fugir delas. Poluem o ambiente de tão barulhentas e incómodas que são.
Nunca nos esqueçamos dos nossos papéis principais, do que queremos preservar nas nossas Vidas, daqueles que nos apoiam, do nosso percurso até aqui, do tanto que ainda podemos fazer e dos exemplos que queremos deixar como legado.
O facto de nos cruzarmos com seres desalmados ou sem alma não implica que nos convertamos a essa mesma condição. Vivemos num mundo de diferenças.
E a pressão existe para criar continuidade, imprimir andamento, dinâmica, promover diferentes capacidades, para comprovar eficácias e agir. As decisões criam pressões. As escolhas criam pressões. As opções criam pressões. As falhas criam pressões. As Competências criam pressões. As expectativas criam pressões. Os outros criam pressões. A vontade cria pressão. Pressão positiva que nos prende à Vida e ajuda a criar nossa própria história. 
Marcas da nossa passagem havemos de deixar, cuida para que honrem a tua pessoa.



Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...