Estou quase a chegar aos 50 anos e já se nota.
Todos os dias ganho um sintoma novo e não sei bem o que fazer com ele. Deixo que passe ou corro para as urgências, antes que seja tarde demais?
Agora entendo a minha mãe e seus acessos dramáticos, apesar de ter jurado para mim mesma, que ia ser uma pessoa muito diferente. A juventude deixa-nos convencidas e capazes de atrair os melhores atributos, aqueles que nos hão de levar mais longe e a lugares mais leves e animados.
Nem a frase que ela usou e fez aninhar os nossos ouvidos, mudou. Desta vez, sou eu a adotá-la e não me canso de repeti-la - " Um dia, quando eu não estiver cá, vocês vão dar-me valor e sentir minha falta. Só que, já será tarde".
Aos doze anos somos atacadas pelo monstro vermelho, obrigam-nos a usar soutien e a cruzar as pernas quando usamos saia, os pelos crescem livremente e povoam todas as zonas do nosso corpo, ganhamos ansiedade, irritabilidade e reagimos com agressividade.
Somos invadidas por uma avalanche de emoções e tudo assume dimensões gigantescas e catastróficas como, por exemplo, não ter sido convidada para a festa da amiga popular, que faz sensação sempre que chega à escola, na sua scooter pink, brilhante e berrante. Na verdade, um espelho seu.
Como se não bastasse tudo isto, ainda somos metralhadas pelas tias, avós e amigas da mãe, com a mesma pergunta indiscreta e pobre em criatividade, sobre se já temos namorado.
Nesta fase de mudança física brusca, não há namoros, nem sérios, nem duradouros, só sabemos que nascemos no género feminino e ele veio com dor. Uma dor muito incómoda, que se manifesta todos os meses e custa a passar. Não há lugar a partilhas sobre namorados. As amigas estão no topo das nossas preferências, bem como, as confidências que trocamos, que nos aproximam ainda mais e nos fazem sentir integradas.
À medida que crescemos e nos tornamos jovens mulheres, buscamos referências para criar o nosso look, o nosso perfil, trabalhar a nossa forma física e imagem, de forma cativante e sedutora. Uma nova pressão, a somar a todas as outras e que nos ocupa muito tempo. Esta é a fase do espelho meu, espelho meu, há alguém mais bonita do que eu. Na época, não havia ChatGPT e a pergunta, que carece de resposta, só poderia ser feita ao objeto mudo de cristal.
Há troca de olhares, há sorrisos tímidos, há interesses, há bilhetinhos, há piropos, há encontrões propositados, há escapatória às aulas, há beijos prolongados nos cantos escondidos e não vigiados da escola, há vivacidade, há juventude e vontade de nos expressarmos.
Esta fase seria das melhores, se durasse mais tempo, mas os rapazes são apressados e afirmam querer namorar conosco forever, para nos sentir um pouco mais. Acontece que, os amigos exercem uma forte influência e se ela exigir a sua atenção, eles vão reagir e puxá-lo para junto deles, alegando camaradagem masculina ou falta de um jogador para formar equipa.
Ela até quer mudar de apartado depois deste primeiro rompimento amoroso e só não o faz, porque as melhores amigas não deixam e sua mãe ameaça colocá-la num psicólogo.
Alguns fins de semana deslocada na terra do pai e as longas conversas com as amigas, fizeram-na esquecer do sapo moreno e cabelo à David Beckham. Seguiram-se outros sapos, novas histórias de amor passageiro e a vontade de acertar num, não tão sapo.
E a perseguição continua. Quando é que nos apresentas algo sério e com futuro?
Já estás em idade de casar e se deixas passar muito tempo, perdes a oportunidade de teres filhos. Estes e outros comentários mimosos são feitos por mulheres a mulheres, à queima roupa. As mulheres do meu tempo foram perseguidas e coagidas a repetir o padrão social vigente.
O casamento e os filhos contribuem para o avançar acelerado da idade e, inevitavelmente, para a queda do espelho e a vontade de o encarar. Priorizamos tudo, menos nós próprias. Constatamo-lo e verbalizamos alto esse desconforto, para que nos ouçam e nos poupem, mas continuamos a lutar por uma empreitada familiar equilibrada e feliz.
Quando tudo parece normalizar, eis que chega ela.
A crise suprema, a maior de todas, the greatest of all, aquela que tudo compromete, está a chegar. Os sintomas quintuplicam e os abalos internos são sísmicos e vibratórios. Quem estiver por perto, pode vir a ser atingido e estremecer de medo.
Nem é preciso colocar a tabuleta NÃO ME RECOMENDO, sente-se ao longe.
O que se seguirá a tudo isto?
Quando é que as mulheres podem, finalmente, se sentir plenas.