segunda-feira, 28 de julho de 2025

CAOS VIRAL

Cada vez que consulto as redes sociais, meu estado de ansiedade dispara.
Não sei o que vou encontrar, nem o que o algoritmo preparou para mim.
Circulam imagens difusas, que alternam entre crianças desnutridas, desamparadas, orfãos entregues a si próprios e férias luxuosas em destinos paradisíacos 
Esta alternância entre o caos e o ilusório modifica-nos e, sem nos apercebermos, torna-nos dependentes de artificialidades, com tendência a normalizar estes dois mundos tão antagónicos e diametralmente opostos. 
A realidade atual coloca em destaque, crianças indefesas, desprotegidas, subjugadas às leis e vontades dos adultos, sem perspectiva de futuro, a quem a infância foi arrancada, entregues à maldade humana, amaldiçoadas, votadas ao abandono, sem cuidados, enfermas, escravizadas e impedidas de viver em paz e explorar a sua felicidade livremente.
O pior disto tudo é que não se trata de um pesadelo ou de uma encenação brutalmente dramática.
Esta é a realidade em que vivemos!
Mais valia sermos engolidos por um tsunami e nascermos de novo.
Se eu e, muitos como eu, não aguentam ver as imagens que circulam, de cenários de guerra, morte, desespero humano e buscam limpá-las com purpurina e trivialidades, o que será, viver nessa carnificina.
Pelos vistos, o Hitler e seus desígnios não morreram.
O propósito é o mesmo. Limpeza étnica e conquista territorial, sacrificando nações inteiras, populações inocentes, vingando um poder insaciável e indomável.
A única coisa que mudou desde o holocausto foram os meios de divulgação dessas imagens e sua reprodução no universo digital, com milhões de visualizações, partilhas, likes e comentários. Imagens virais que circulam descontroladamente, nem parecem reais, de tão bárbaras que são, diante de uma assistência apática, ociosa e impotente.
O que se segue depois disto?
O pior e o melhor convivem no mesmo espaço e ganham a dimensão que lhes quisermos dar.
Parece que não há mais salvação para este mundo e, o melhor mesmo, é nascermos de novo e criar alertas automáticos para corrigir desvios de humanidade. 

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Verão Propagandista

 Em pleno verão, sinto saudades do inverno, do frio, do agasalho de conforto, do ar gélido no rosto, dos lanches caseiros e demorados, no final de semana, do cinema, da chuva, que nos escusa de compromissos, não obrigatórios e que exigem posturas adequadas, sem revelações inesperadas, moderadas e abafadas. Nessas ocasiões, demito-me, mesmo antes de qualquer convocatória. 
Quem me conhece bem sabe que não vou comparecer nesses contextos comuns e repetitivos. O avançar da idade tornou-me intolerante e intransigente com programas, nada nutritivos, demorados, mentalmente indigestos, demasiado comuns e nada atrativos. 
No verão, não há escapatórias, retiradas airosas. Não há recusas, imprevistos de última hora ou desculpas criativas. Os convites à queima-roupa, apanham-nos desprevenidos e intimam-nos a aceitar, sem reservas. Por mais elásticas que sejam as nossas férias, em ambientes controlados e reservados, longe de aglomerados e programas organizados, elas não são vitalícias. 
Apesar da nossa discrição, chegada silenciosa, não anunciada, não há como escapar a equipas treinadas, no terreno, undercover, aparentemente inofensivas e distraídas. No dia seguinte, soam os alarmes e, lá estás tu, no epicentro de um quotidiano pulsante e delirante. O verão retira-te o sono, ativa a tua impaciência, condiciona as tuas escolhas, expõe as tuas imperfeições, desmoraliza-te diante do espelho, rodeia-te de incómodos e artifícios atordoantes. 
Até parece que tenho repulsa ao verão, mas não. Adoro dias longos, banhos de mar, pele bronzeada, ombros nus, refeições leves, pés descalços, noites longas e ligeiramente animadas.
Só não gosto da pressão entusiasta do verão e dos seus aduladores.

terça-feira, 29 de abril de 2025

Ontem foi dia de apagão

Ontem foi dia de apagão.

O impensável aconteceu e, felizmente, durou menos de um dia.

Um aviso, uma avaria, uma manobra de diversão, uma Putin(ice), um ataque informático, um erro humano, uma traquinice do recém falecido Papa Francisco, o fim do mundo, uma encomenda da Al-Qaeda, a malícia e frieza de um génio informático, a querer dar nas vistas ou um fenómeno, ao estilo dos extra terrestres?

Algo foi e o que quer que tenha sido, provocou um susto épico em muitos de nós.

Tal como os negacionistas, há sempre quem relativize tudo, não se deixe abalar e até ache parvo temer o pior.

Custa-lhes admitir que pensaram, ainda que, fugazmente, na possibilidade de ter sido algo programado para nos atingir.

Assumam que também vêm Netflix.

terça-feira, 15 de abril de 2025

Professora Olga Beatriz

Acabei de descobrir que sofro de claustrofobia. Na verdade, descobri há, aproximadamente, duas horas, assim que me enfiei numa sala de aulas com duas dezenas de pais famintos por notícias das suas crias, mais a diretora de turma.
Estupidamente, perguntei se a distribuição dos lugares era por ordem alfabética. Lembrei da saudosa Professora Olga Beatriz (saudosa para alguns, not for me) e do seu método clássico de nos aterrorizar.
A sua familiaridade com as palavras classe, clássica e classificação não era casual. Palavras, aparentemente, inofensivas mas, uma vez saídas da sua boca, soavam à sirene do quartel do comando distrital dos bombeiros.
As chamadas dorotéias, meninas disciplinadas e devotas do método clássico da Regente Doutora Olga Beatriz, dificultavam a nossa integração e, sobretudo, a nossa vontade de aprender. Emendavam os nossos erros, para acumular pontos na caderneta dos clássicos, que não despem o uniforme, nem aos sábados, domingos e feriados.
As classificações eram um sinal claro e inequívoco de que "escovar" a Professora compensa.
Testei essa habilidade, uma única vez, na sala habitual, com casa cheia e o resultado foi absolutamente desastroso. 
O meu teste falhou!
Naquele dia, o aparelho auditivo da professora caiu e perdeu qualidades. 
Bem quis agradar, ao estilo dorotéia, mas não houve boa recepção.
Passados tantos anos e de regresso à sala de aula, parece que nada mudou. As palpitações, o suor nas mãos, a bexiga cheia, o receio de ser chamado ao quadro das tormentas, reapareceram, para invadir a minha paz.
Adopto a atitude exemplar das dorotéias, de joelhos unidos, músculos comprimidos, olhar fixo e mente, sabe-se lá onde e com quem, ou, troco bilhetinhos com os pais do lado e manifesto minha vontade de bazar?
Depois lembro, que estou ali numa missão pelo meu filho, Leandro de Jesus Valente Aguiar Mota.
   

quinta-feira, 27 de março de 2025

Slugger15

Não sei o que são perdas reais.

Desviei-me da realidade e dos demais.

Fechei-me no quarto dos consumos digitais.

Rodeado de amigos virtuais.

Os afetos deixam-me estranho e desconfortável.

Não sei, se é bom ou mau.

Meu mundo é fechado e controlado por vícios e acessos

Não tenho nome, nem identidade.

Apenas, um nickname

Call me Slugger15.

Só me encontras no chat, cheio de ódio nos dedos e vontade de te tirar o ar.

Nesse espaço sinto-me gigante, poderoso e preparado, para matar todos os meus medos, com nomes próprios e banais.

Estes são os meus domínios. 

Até o meu gato Blinder sabe, onde me encontrar.

Não sinto abandono, apenas tensão ocular.

Minha mãe não sabe das minhas missões, planos e ações.

Morreria se soubesse.

Para ela, eu sou o Sebastião.

Nasci prematuro e glutão.

Esquecido por todos, inclusive, pelo meu irmão, que entretanto encontrou a sua paixão.

Meu pai, só o vejo, dia sim, dia não, de fugida para mais um plantão.

Não me tratem por Sebastião, enfraquece o meu lado campeão. 


Prolongamentos de uma vida comum

Ontem fui a uma sessão, organizada pelas psicólogas, residentes na escola, frequentada pelo meu filho e, em representação, de todo o agrupamento, abordaram o tema: A Saúde Emocional de crianças e jovens.

Para o efeito, convidaram uma enfermeira da unidade de cuidados na comunidade.

A sua exposição sobre de que forma os pais devem contribuir para a saúde emocional dos seus filhos, foi baseada em dados científicos obsoletos e que não refletem a realidade atual. Certamente, fizeram sentido num determinado intervalo temporal, provavelmente, aquele que compreendeu o ano do meu nascimento.

As crianças e os jovens, de hoje, têm acesso a informação diversa, em doses industriais, massivas, vivem numa bolha, carregada de comodismos, cada vez mais, impacientes, agitados, ansiosos e desconectados da realidade.

Eles selecionam o que querem ver e os manipuladores de tendências, percebendo isso, oferecem conteúdo direcionado e nada educativo.

A exigência mental que este tipo de conteúdo oferece é nenhuma, gera habituação e desinteresse por tudo aquilo que implique foco, esforço, trabalho e dedicação.

É composto por passagens de recepção rápida e imediata, entendimento automático, com efeitos nocivos no desenvolvimento psicossocial, sociocultural, intelectual, educacional e mobilidade motora.   

Quando a Senhora Enfermeira convidada, tenta explicar a uma mãe ou pai, consciente, atento, informado, interessado, que é preciso acompanhar, vigiar, sem invadir, orientar, disciplinar, sem autoritarismos, nem permissividades, cuidar e amar, a minha reação é de desconcerto total.

Essa receita, já nós conhecemos e colocamos em prática, diariamente. Porém, não chega.

É preciso muito mais!

Mais intencionalidade, mais interações, mais dinâmicas, outros entendimentos, outras percepções, promover diálogos construtivos, convocá-los a pensar, trabalhar a sua autonomia, desviá-los para aquilo que eles acham não gostar, mas que desconhecem profundamente, inseri-los e integrá-los, através da escuta ativa, livre de julgamentos, entendendo-os, conquistar sua confiança e convidá-los a olhar, ouvir e pensar demoradamente, retirá-los da facilidade, resgatá-los e desviá-los de ambientes comuns e repetitivos, sem benefícios emocionais e mentais permanentes.

Não basta seguir o padrão habitual, ditado por especialistas, ocupados com outras especialidades e, longe, de perceber os “dramas” reais da parentalidade, nos dias de hoje.

Sou totalmente a favor destas iniciativas de âmbito escolar, que convocam a participação dos pais e a sua responsabilização no bem-estar dos seus filhos e sempre que me chamarem, lá estarei.

No entanto, sinto que, estas iniciativas respeitam formalismos, vinculados pelo ministério da educação e estão formatadas, no sentido de alertar, de forma ligeira e pouco explanada, pais e educadores, a intervir na educação dos seus filhos, sem antes, os compreenderem e perceber, os contextos atuais em que eles estão inseridos.  

domingo, 2 de março de 2025

Corrijo e Sigo

Não sou de modinhas

Nem de tendências moderninhas

Não procuro protagonismo

Fujo de eufemismos e de todos os ismos

Minhas expressões não se convertem a seitas, seitans ou grupos de fãs

Prezo a liberdade de pensamento, sem mordaças ou carraças, a perseguir meu entendimento 

Meus erros são autorais, denunciam meu estado transitório, distante dos tais e quais.

Não me lamento, nem me contento

Corrijo e sigo

É o bom que a Vida tem, na certeza de que não somos ninguém, sem a vontade de alguém.


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Tropeços

Saí de noite para fumar.

 Não tive cara para regressar.

 A noite estava fria e eu não, entendia, porque, receava voltar.

Era tudo tão imperfeito, para eu pensar em regressar.

Segui a passo, no meio da neblina.

Contrariei a minha sina.

Tropecei, muitas vezes, na densa neblina.

Esfolei a alma de sentimentos ruins e segui, sempre, em frente, em busca de mudar.

Libertei-me do cigarro e de quem não me quis acompanhar.

Um cenário comum e dominante, difícil de esquecer e apagar. 

Agora, muito distante e para o qual prometo não regressar.

A vida não me quis poupar.

Ensinou-me a viver, aos bocados, na felicidade, que não se detém mas vai e vem.



quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Um Mundo Novo

 A "sorte protege os audazes" ou "A sorte protege os capazes que ousam"?

De que tipo de capacidade estamos a falar?

Capacidade para fazer o que está certo e comprometer, sem destruir, nem apoderar, ou, servir, exclusivamente, fins próprios.

É dessa capacidade que estamos a falar ou há, outra, que nos está a escapar?

A capacidade de contagiar o grupo, as organizações, a comunidade, o meio envolvente, com efeitos propagativos e coletivos.

O que me parece, baseado numa percepção pessoal, demasiado recorrente, é que a capacidade explorada e desenvolvida é tudo menos generosa, altruísta, agregadora, galvanizadora do bem comum, mobilizadora e transformadora.

O seu propósito é fútil e ganancioso, desprovido de princípios, ética, valores e limites.

Ultimamente, tenho assistido ao esmagamento da integridade, da honestidade, das liberdades individuais, da responsabilidade social, da lealdade, do compromisso e da honra. 

Os esforços, o trabalho, o empenho, a melhoria contínua, a entrega, os sacrifícios, trazem mais problemas do que ganhos. As atitudes vingadoras compensatórias são amorais. Cercadas de poder, cobiça, ambição desmedida, status, fama, visibilidade oca, passeiam o seu charme caro, mas pobre em autenticidade e conteúdo.

A aparência é a cabeça de cartaz, a protagonista, a angariadora de todas as atenções e recompensas.

O sentimento de injustiça é tão demolidor e a mensagem sobre ganhar vantagem e seus fiéis seguidores é tão declarada, que parece convidar a desistir e procurar isolamento nas ilhas Faroé.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

APARIÇÃO NATALÍCIA

 Há sonetos e sonetos!

Assim entendia a direção do liceu feminino, Vargas Melo, frequentado por Amália.

O soneto que Amália ousou ler, longe dos olhares espelhados e atentos, das vigilantes da biblioteca, era um desses. Um incendiário moral, nada educativo. 

Apesar de todas as contrariedades, continuou, mas o embaraço fê-la corar abundantemente e dar por terminada a leitura, para não atrair atenções incriminatórias e ser chamada à sala da reitoria. 

As cócegas na garganta, provocadas pelo pó esvoaçante, descarnado, das lombadas do livro abafado e proibido, fizeram-na tossir descontroladamente e acordar os espíritos de um passado quinhentista. O primeiro a acordar e mais afoito de todos, foi Luís Vaz de Camões.

Apercebendo-se do interesse pelo seu soneto de amor, Camões, decide ressuscitar numa nuvem etérea, envolta num pó cinza e dirigir algumas palavras clássicas, à sua cândida leitora.

- Vejo que a menina se enfeitiçou pela minha poesia lírica, o que muito me apraz.

Amália congelou de medo, medo esse, que fez paralisar os seus movimentos e deixá-la muda. Os efeitos do congelamento ainda duraram uns eternos segundos, até regressar ilesa, ao seu estado normal e conseguir formular uma resposta adequada.

- Na verdade, eu nem deveria estar aqui, a ler às escondidas e corar de desejo. Desejo de sentir o amor e tudo aquilo que diz provocar. Neste momento, sinto-me impura!

A sua elevada inteligência e sensibilidade compreenderam os pensamentos de uma menina, em breve, mulher, perseguida por julgamentos sociais.

Sabia que, teria de usar o tom certo para a manter interessada e evitar que renunciasse a algo que desconhece, mas arde em saber.

- Menina Amália, o amor é tudo menos impuro. Ele é mantimento! – acrescentou o poeta, na esperança de não a perder para o isolamento.

- Como assim, mantimento? – retorquiu, Amália.

Uma vez conquistada a sua atenção, Camões prosseguiu e respondeu a todas as inquietações da sua pupila da atualidade, elevando o amor a todos os seus expoentes.

Entretanto, o intervalo de almoço termina e soa o toque, para retomar as aulas da tarde. Cada um, sumiu para seu lado e nem houve tempo para despedidas épicas.

O tempo voou veloz, pelo menos para Amália, agora mãe, de uma menina chamada Benedita, aluna no mesmo liceu, outrora, exclusivamente feminino.

Benedita está crescida e cheia de vontade de contrariar a autoridade. Pais e professores são os mais visados.

- Acho que, está na hora de chamar o meu bom e velho amigo Camões, para me ajudar a entender que mundo é este, que abre um fosso geracional entre velhas e novas mentalidades – pensou Amália, baixinho.

No tempo de Amália, o amor era recatado, a autoridade não era questionada, as ousadias pagavam-se caro, o trabalho era uma prioridade, os artistas não eram livres, a cultura era comandada pela censura, a justiça obedecia a um estado repressor, não havia liberdade de expressão. Entretanto, muita coisa mudou.

Desta vez, Camões apareceu suavemente e sem sobressalto.

-  Apraz-me saber que exploraste o Amor de que falo no meu soneto – disse Camões, interrompendo o silêncio, sorridente.

- Que bom ver-te! – exclamou Amália, entusiasmadamente.

Felizmente, Benedita tinha saído mais cedo e sobrava tempo para falarem a sós, sobre todas essas mudanças, que foram ocorrendo e desarranjaram as relações interpessoais.

- Amália sinto-te preocupada com a Benedita e suas atitudes afrontosas.

- Entre nós há cinco séculos de distância e uma longa história de destruições e reconstruções. Vejo que aboliram as fronteiras, mas não acabaram com as batalhas territoriais sangrentas – prosseguiu.

- Os ganhos na conquista de uma maior e mais diversa liberdade de expressão, precipitaram o crescimento desenfreado de meios de comunicação alternativos, que ameaçam acabar com a verdade e criar um universo de mentiras escandalosas e perniciosas – acrescentou Camões, do alto da sua sabedoria secular.

Amália permanecia calada e pensativa. Afinal, ela sabia que havia motivos para se sentir apreensiva com Benedita, seu futuro e o estado do mundo.

- Porém, tem havido manifestações culturais e artísticas sublimes, que vos distraem de tudo isso e apesar de não bastarem para mudar o estado das coisas, têm o poder de mudar a forma como olhais para a vida, o mundo e representam chamadas de atenção, alertas, para os espíritos mais sensíveis, como os da Benedita, capazes de construir um mundo melhor – prosseguiu Luís Vaz de Camões.

Continua, continua. Estou a gostar de ouvi-lo – pensou ela.

Nesta época natalícia as aparições camonianas são muito comuns na família Vasconcelos. A proximidade de um novo ano, as reuniões familiares atrapalhadas, o balanço dos acontecimentos individuais, os arranjos e desarranjos natalícios, convocam a presença de uma figura história ilustre, do passado artístico português, experiente em missões difíceis.

- Há quinhentos anos que eu sou o recurso de todos os vossos natais – constatou o poeta e dramaturgo português.

- Sou uma espécie de pai natal exclusivo, zarolho, com veia poética e uma visão modernista, a quem todos recorrem, quando algo os incomoda.

Amália anuía com a cabeça, em concordância.

- O Amor é mantimento, minha cara Amália. Não se esqueça disso! – avançou Camões.

Esta era a frase que finalizava todas as suas conversas. Indicava a hora de regressar ao seu passado renascentista.

Mais uma vez, não houve despedidas. O que houve foi uma mudança de cenário, com a entrada apressada de Benedita.

- Mãe, Mãe, tu não vais acreditar o que acabou de acontecer – disse Benedita agitada.

- Cruzei-me com um homem vestido de Camões e senti uma energia boa, que me fez virar. Nesse instante, ele fixa o olhar em mim e diz-me que, o Amor é mantimento!

- Achei bizarro! – exclamou Benedita.  

Amália esboçou um sorriso cúmplice e rematou – Ele disse-me o mesmo!

Incrédula, Benedita, sacudiu a cabeça e questionou a mãe – Como assim?

Por momentos, Amália quis descair-se e relatar as visitas sucessivas, feitas pelo mestre da poesia, desde o tempo da sua mocidade. Conscientemente, travou a tempo. Benedita não iria compreender e só iria remexer ainda mais a sua vida de adolescente inconformada.

- Estou a brincar! Se bem que, essa réplica ambulante de Camões, não disse nenhuma mentira. O Amor é mantimento, é a seiva que nos faz viver melhor. Após este momento reflexivo de Amália, fez-se silêncio e desenhou-se o mote para criar sonetos novos, tendo o amor como protagonista. Um desejo acalentado por Amália para este Natal.

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...