Laura vivia amarrada num emprego sem evolução, que se prolongava de segunda a sexta ininterruptamente. O despertador já estava programado para assinalar o começo do dia às oito da manhã e Laura, obedientemente, sacudia o sono e saltava da cama com grande agilidade e sem tempo a perder. Trinta minutos bastavam para concluir o refrescamento da sua imagem e sair disparada para o emprego. Muitas vezes, a pressa matava a possibilidade de se despedir de Samuel com o beijo a que se tinham habituado, desde que selaram seu compromisso de partilharem todos os momentos das suas Vidas. Samuel ressentia-se com o esquecimento de Laura e ela, culpava-se por mais uma vez despreviligiar aquilo que faz sentido na sua Vida. Apesar destes incómodos emocionais serem uma presença recorrente, nem um nem outro desabafavam o quanto isso os sensibilizava. Quando se reencontravam no final do dia, completamente desgastados com as várias rotinas impostas, já só sobrava tempo para as questões caseiras e remoer o mau estar acumulado. Assim era a sua convivência semanal, que só ganhava algum ânimo no final de semana, mas pouco. Nem Laura nem Samuel questionavam a ausência de dedicação de que careciam. Ambos sentiam que algo de errado se apoderara das suas Vidas mas insistiam em abafar essa sensação e prosseguir, como se isso fosse de menor importância.
No intervalo para café, Laura queixava-se da sua Vida à confidente e Amiga Dulce, que coleccionava dois divórcios litigiosos tão mal vistos pela sua Mãe, defensora do Casamento resistente para sempre. De forma egoísta, Dulce criava em Laura dúvidas se o seu casamento teria salvação e não estaria agastado demais para esperar uma reviravolta. A sua intenção era ganhar mais uma aliada e companheira na solidão.
Por sua vez, Samuel nas suas idas semanais aos jogos de futebol organizado com os amigos, aproveitava para libertar-se da vontade eminente de pecar com a colega, que propositadamente provocava encontros imediatos no edifício da Holding onde ambos trabalhavam. Eleita a Mulher Canhão pelos seus colegas de trabalho e tema principal das conversas machistas no coffee break, para desassossego de Samuel.
De volta a casa, Laura e Samuel suspiravam por melhorias e resignados fechavam-se nos seus mundos interiores. Ele refugiava-se no acompanhamento atento das jornadas futebolísticas e ela, nas séries da Fox. O diálogo era cada vez mais escasso e apenas interrompia o silêncio instalado, para reprogramar as rotinas diárias.
Laura sonhava com vários cenários de romance, onde ela era a Rainha de toda a atenção de Samuel e cobiça dos homens que os expiavam de longe, para grande revolta de suas companheiras enciumadas.
Samuel queria uma Mulher disponível para satisfazer as suas fantasias, para o acompanhar e fazê-lo sentir-se invejado e um Homem poderoso a seu lado.
Algo mágico e magnetizador salvaria este casal tão afundado nas suas próprias mágoas.
Invocar Deus ou outras Entidades Divinas seria em vão. Deus só acode quem tem vontade de mudar o seu estado. Recorrer à memória do tempo em que eram felizes, potencia a colagem dessa imagem ao presente que queremos retocar. Flashes daquilo que está congelado no passado e que nos fez bem, devem ser repassados na nossa mente para que aos poucos nos sintamos convencidos de que é possível reverter a situação actual.
Apesar dos fracos conselhos de Dulce, Laura conseguiu relembrar desse passado Bom com Samuel. Do seu sorriso, da sua cumplicidade, da sua proximidade, do seu sentido de humor, da sua meiguice, do seu apoio, da sua dependência de Laura. Afinal, ambos estavam enganados ao pensar que já não careciam mais um do outro. Laura estava convencida que Samuel já não dependia dela para se sentir Feliz e Samuel remoía o mesmo.
O retrocesso mental no tempo motivou Laura a tomar a iniciativa de partir e deixar uma passagem paga para Samuel no Mural dos Recados e, a seu lado uma mensagem convocando-o a encontrar-se com ela, com a promessa de não se vir a arrepender. A provocação entusiasmou Samuel, que sem hesitar correu para o aeroporto apostado em refazer a sua Vida com a Mulher que o cativou à dez anos atrás naquele bar jazz em Queen's.

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