segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Querido Mês de Agosto



O Mês de Agosto é pior que uma virose infecto-contagiosa. Seu efeito é mais avassalador que uma virose. Agosto é sinónimo de enchentes, excessos, falta de civismo, ruído, música alta, gritaria, afundanços na piscina como se esta fosse exclusividade só de alguns, turistas com ar perdido e cansados de procurar por ajuda de gente capaz, preços inflacionados na restauração, filas para o pão, filas para os gelados, filas de trânsito, filas à entrada das discotecas de elite, filas de espera para comer, taxistas gananciosos que aos poucos vão matando o turismo na região com a sua esperteza saloia, excursões, romarias, muito fogo de artifício com altos patrocínios, angariados pela comissão de festa da terrinha, filas de automóveis que se estendem ao longo da via, aguardando estoicamente por estacionamento no melhor spot, operações stop ao virar da esquina, casamentos sem parcimónia, cheiro intenso a creme protector solar, crianças em euforia gozando de uma liberdade sem freios, desrespeito pelos sinais de trânsito, que ganham a qualidade de placas decorativas em tons de perigo e prevenção, cães incontinentes e donos despreocupados, filas nas caixas dos hipermercados, filas para levantar dinheiro, fila para abastecer nas bombas de gasolina, lixo acumulado, mau serviço, cheiro a churrasco, a indústria paraliza e o comércio ganha expressão com o chamariz dos saldos de fim de estação, incêndios com e sem mão criminosa, aceleras, buzinadelas cheias de carga nas mãos de manipuladores imbecis que carecem de atenção, francês com sotaque português, chicos espertos, ânimos exaltados, ataques de bola arremessadas por pés de pato,  pressa muita pressa, larápios à espreita, mirones, voyeurs ou, simplesmente, pasmões assumidos, garotas a querer parecer mulheres e mulheres a querer parecer garotas, para deleite dos engatatões, início de mais uma temporada de futebol com destaque para as novas aquisições e tema para dominar uma época, não fosse ele o desbloqueador de conversa preferido  dos machos militantes, aspersores de rega descontrolados, motards e seus malditos rateres. É a chegada do silly month. 
O Mês de Agosto faz-me lembrar os domingos de chuva no centro comercial. Só “pobo” aos magotes a ocupar todos os espaços, até os mais apertados, até caber. Socorrooooooooooooooo!
Loucura loucura para aqueles que gostam de viver no inferno e para esquecer, para aqueles que procuram sossego e oportunidade para apreciar sem ficar chocados.
Tudo choca no Mês de Agosto. É um mês que cultiva o mau gosto, a má educação, más atitudes, más posturas, más companhias, mau funcionamento, mau atendimento, que incita ao desgoverno, um mês onde o cumprimento de regras se torna a excepção e não prática corrente, basicamente, um mês sem limites.
Por tudo isto, o Mês de Agosto só é Querido por alguns.
Curioso é perceber que se fragmentarmos a palavra Agosto podemos convertê-la em A gosto, ou seja, o Agosto é assim mesmo, ao gosto dos seus seguidores que o tornam só seu e de mais ninguém, sem cerimónias e quanto mais piroso melhor.  

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Final Feliz

"Quando se ama alguém, tem-se sempre tempo para essa pessoa. E se ela não vem ter conosco, nós esperamos. O verbo esperar torna-se tão imperativo como o verbo respirar. A vida transforma-se numa estação de comboios e o vento anuncia-nos a chegada antes do alcance do olhar. O amor na espera ensina-nos a ver o futuro, a desejá-lo, a organizar tudo para que ele seja possível. É mais fácil esperar do que desistir. É mais fácil desejar do que esquecer. É mais fácil sonhar do que perder. E para quem vive a sonhar, é muito mais fácil viver."

in Diário da tua Ausência
Margarida Rebelo Pinto


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Não estavamos preparados mas sabíamos que ia acontecer. Mesmo assim arriscamos. Assumimos sem pensar naquilo em que nossas Vidas se iriam transformar. Muitas emoções se atropelaram, tantas que algumas ainda estão por descodificar e por pouco não arrasaram connosco. Volto a dizer, não estávamos preparados para abdicar de nós, das nossas vontades, dos nossos ócios e de alguns prazeres também. Apesar de continuarmos a dizer que trouxe felicidade, certo é que também abalou com alguns alicerces pouco sólidos e que ameaçaram ruir caso não tomássemos uma atitude.
Se calhar nós é que não havíamos dado conta que estávamos distantes, na forma de estar, de pensar, de reagir, de exprimir, de encarar a realidade. Muito provavelmente, andávamos distraídos no computador, no trabalho, na leitura, na selecção dos programas de tv, nas saídas a dois no meio da multidão, nos nossos hobbies e de repente temos que colaborar em equipa e criar consensos. Afinal, viemos a descobrir que também há algo que nos desune e em que nos revelamos antagónicos.
Cada um quis impôr suas razões e nenhum estava disposto a aceitar a razão contrária porque afinal estavamos ambos a colaborar para o mesmo e a dar o nosso melhor e nada mais ofensivo do que nosso parceiro para a Vida nos venha apontar erros ou más condutas, quando apesar de todas as contrariedades continuamos ali, presentes, activos, resistentes e a dar tudo de nós.
Quando damos por nós estavamos a discutir miudezas e a esgotar as energias remanescentes, que deveriam ser empregues em algo que ajudasse à regeneração física e psicológica.
Já nem havia tempo para lamber as feridas. Só havia tempo para repetir tarefas e descansar nos intervalos. Qualquer incómodo era encarado com a nossa máxima intolerância, a qual se encarregava de azedar o ambiente e contribuir para silêncios profundos, mágoas, distanciamento emocional, desilusão e uma sensação de perda iminente.
Estavamos demasiado cansados para procurar outras formas de reacção com efeitos apaziguadores. Limitavamo-nos a aliviar o nosso desespero com troca de palavras, mais letais que disparos de bala.
 Fomos obrigados a isolar-nos e cada um fazer a sua própria introspecção e tentar perceber se queríamos continuar a lutar ou desistir a meio. Se valia a pena aceitar nossas diferenças e não deixar que elas pesassem na nossa relação, dando continuidade à nossa história ou então encurtá-la e transformá-la num resumo dos melhores momentos e cada um seguir seu caminho, sem descurar nosso bem mais precioso.
Apesar de alguns saldos negativos, ainda ficamos com algum fundo de maneio para tentar mais uma vez recuperar a felicidade que existia quando estávamos juntos.  

domingo, 4 de agosto de 2013

Boas Surpresas


 
Acordei ao som de gargalhadas estridentes, que ecoavam em toda a casa e fizeram estremecer o meu gato persa “centelha”, que aborrecido se esgueirou para o jardim.
Na verdade, aquelas risadas eram me familiares mas, o despertar retumbante atordoou de tal forma o meu pensamento, que este demorou a reestabelecer-se. Precisei de alguns minutos para descobrir o culpado, por aniquilar a tranquilidade do meu sono, mas até que não foi difícil achá-lo. Só podia ser o Vicente e sua espaçosa e generosa forma de ser, que a todos conquista e eu, então, que o diga. Fui impiedosamente arrebatada pela sua envolvência magnetizante. Até hoje, ainda não parou de me surpreender com suas atitudes inesperadas de uma sensibilidade invulgar.
Aliás, nosso primeiro encontro foi no mínimo caricato, porém inesquecível. Estava eu a recuperar de uma cirurgia à tiróide, ainda sob observações médicas e sem data prevista para abandonar a enfermaria, quando sou abordada por um fulano de olhar castiço, em roupão e chinelos a condizer e, sem sinais visíveis de enfermidade. Nem parecia pertencer aquele local.
Da forma como estava vestido associei que, tal como eu, deveria ser inquilino temporário do hospital. Porém, seu contentamento despropositado, levou-me a suspeitar que tivesse fugido da ala psiquiátrica e aterrado na normalidade dos meus aposentos. São inúmeros os quartos de um hospital, mas sem qualquer razão aparente que o justificasse, foi justamente aterrar no meu e atormentar meu sossego. Logo eu, que prezo tanto a minha sanidade mental e evito conviver com a loucura dos outros para não vir a ser contagiada e perder o meu equilíbrio. Tentei não mostrar-me intimidada com sua presença e procurei reagir com normalidade mas, sem prolongar muito o diálogo, para não fomentar nenhum tipo de empatia. Esse era o meu objectivo. Eu digo era, porque se revelou totalmente o contrário.
Não tardou a apresentar-se e tentar ganhar proximidade. Iniciei automaticamente um processo de desconfiança e, para me defender de um possível ataque tresloucado, agarrei o botão de emergência e esperei que a ocasião surgisse. Seus modos educados, sua simpatia e amabilidade amorteceram o meu instinto de defesa, que deixou de estar alerta e fez soltar, sem esforço, o botão de socorro. Algo o tinha atraído aquele local e algo me atraiu nele e me fez acreditar que podia confiar. Certamente, a convalescença deixou-me mais carente e sôfrega de afectos.
Vicente, tal como eu estava hospitalizado e a recuperar bem, de uma operação na coluna. Anos e anos de más posturas, intensa actividade física, excessos de carga. Não que eu tivesse perguntado ou sequer presumido, esta foi a explicação, que ele mesmo, fez questão de revelar e que explicam o seu internamento. Se bem que não me admirou, quando apontou como uma das causas actividade física frequente e excessiva, a julgar pelo seu físico bem torneado, de fazer corar o seu antepassado Adónis. Se quisesse, já teria sacado o acesso à sua conta bancária, tal era a sua permeabilidade e vontade de se expor.
A julgar pelos dedos nus e sem marcas, não é comprometido mas quantas já não foram enganadas pelas aparências e conclusões precipitadas como esta. Prefiro continuar a guardar reservas.
Continuava sem saber o que o tinha atraído até ali e apesar de me achar uma pessoa frontal e sem rodeios, estranhamente, aguardava os próximos desenvolvimentos com expectância.
Finalmente, resolveu desvendar o mistério e acabar com o suspense.
A razão da sua intrusão deixou-me perplexa e ao mesmo tempo enternecida com a sensibilidade demonstrada.
O meu quarto, sem que eu me apercebesse, tinha vista para a praia e sua marginal iluminada, sempre movimentada por casais apaixonados, praticantes incansáveis de jogging, crianças endiabradas, astutos comerciantes, turistas incautos, entre outros. Vicente queria apenas sentir o palpitar da vida no exterior e assistir à mobilidade das pessoas no seu dia-a-dia. Sentia-se engaiolado e impedido de fazer o que mais gosta. Nunca tinha permanecido tanto tempo fechado e estava a detestar a sensação. Já não era muito do seu agrado, apesar de o fazer por consideração, visitar amigos e familiares hospitalizados. Sempre que era obrigado a isso, ausentava-se várias vezes com o pretexto do famigerado vício do tabaco.
Senti que as longas conversas que tivemos o acalmavam e o faziam esquecer desse lugar sinistro que é o hospital, sua mais recente morada temporária.
Foi nesse clima de cumplicidade que partilhamos a mesma janela e usufruímos demoradamente da companhia um do outro com a conivência do staff da enfermaria, que se rendeu à nossa vontade de estarmos juntos.
Naturalmente, criamos uma forte Amizade que se transformou numa crescente relação de Amor que tudo supera, até mesmo gargalhadas sonoras a consumir o meu sono e a fomentar a minha curiosidade. Apesar de tudo, deixei-me estar, sentia-me demasiado cansada para desperdiçar minhas energias com uma anedota ou piada qualquer, além disso, iria precisar de ter mais motivos para me rir de manhã, antes mesmo de encarar uma jornada de trabalho. Por isso, preferi questionar, no dia seguinte, a razão de todo aquele alvoroço nocturno.
Vim a saber que as explosões de riso foram provocadas pela seguinte mensagem, deixada pelo nosso filho Tiago de apenas sete anos:

“Pai e Mãe, a partir de hoje e para sempre, evitem beijos e recados prolongados à porta da escola. Eu sei que vocês me amam. Deixem-me crescer. Os beijos fazem-me encolher e os recados fazem-me chegar atrasado às aulas. Também vos Amo. Respeitem, por favor, meu pedido.
O Vosso Filho Tiago”.

Por fim, eramos dois pais comovidos por ter gerado um filho tão maravilhoso.
Valeu a pena ter esperado pelo dia seguinte e amanhecer com este dado novo. Nosso filho está a crescer e nós vamos ter que conviver com isso e resignarmo-nos às evidências.

domingo, 16 de junho de 2013

Somos Livres mas não tanto


O nosso futuro nas nossas mãos e o futuro dos outros também. O que torna tudo ainda mais assustador por ser algo tão fundamental nas nossas Vidas, Ter Futuro, Ter Horizonte, Criar prolongamento. Ainda para mais, o que definimos para o nosso futuro, aquilo que idealizámos para o amanhã, muitas vezes deixa de fazer sentido porque a Vida é cada vez mais inconstante e passa por muitas mutações que nos obrigam a alinhar constantemente em novos e diferentes cenários.
Na verdade, nossa liberdade está condicionada. Continuamos a poder fazer nossas escolhas é certo, mas com base no que vai surgindo e se impondo e não com base no que gostaríamos de ter como opção. Nem todos temos essa capacidade de adaptação, precisamos de tempo para assimilar, tempo para compreender e tempo para interpretar o que nos é dado. Os que a têm estão safos e conseguem recriar novos conceitos de felicidade e bem-estar, mas são uma minoria. Estas mudanças causam incómodo porque boicotam nossos planos, sacodem nossas motivações e impõem renovadas pausas de reflexão, interrompem e desviam-nos do caminho traçado, abalam nossas crenças e beliscam nosso espírito optimista. Afinal não somos verdadeiramente livres.
Somos livres perante certas e determinadas possibilidades.
A liberdade é ter alternativa mas também é criar alternativa e é neste último sentido de liberdade no qual nos devemos inspirar, apesar de não haver garantias de nada, apenas nós e o nosso investimento de energias, baseadas numa vontade férrea de progressão.
É um processo longo, arriscado e incerto que nem todos se atrevem a atravessar, até porque obriga a penhorar suas vidas e o preço a pagar é demasiado caro. Por isso, optam por condicionar sua liberdade e comprometer sua felicidade mas continuar a manter o que têm.
Hoje em dia, somos forçados a mudar nossos princípios em função do que queremos conservar e a aceitar aquilo que em tempos contrariava nossa maneira de estar. Para uns pode implicar perda de dignidade mas para muitos isto é viver.
A realidade comanda nossas acções e, por conseguinte, molda-nos às circunstâncias e são essas circunstâncias que hão-de definir quem nós somos.
Somos livres mas não tanto.   

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Tiagooooooooooo :)


 
 
Olá Tiago! Sou eu a tua Mãe, que não se cansa de comunicar contigo e se transforma a cada gesto e ruído teu. Adoro quando me respondes à tua maneira, esbracejando, sorrindo e com teus guinchos harmoniosos, suplicando toda a minha atenção. Qualquer forma de expressão tua me remete para uma infinidade de pensamentos que projectam aquilo que serás no futuro. Apesar de não haver suficiente informação para isso adoro divagar sobre qual será a tua personalidade, os teus traços psicológicos, a tua maneira de ser. Quero estimular´ao máximo os teus sentidos, assistir ao teu processo de desenvolvimento e acompanhar os teus progressos. Quero estar sempre presente na tua Vida.
Contribuir para a tua confiança e auto-estima com manifestações positivas e elogios quando a ocasião o exigir e estou certa que serão várias as ocasiões que me farão orgulhar-me de ti. Apoiar-te nas tuas decisões, não exercer pressão psicológica para que sigas os meus conselhos mas nunca deixar de os dar e tratar para que estes assumam a forma de sugestões sem carácter repercutório, tentar demarcar o certo do errado com explicações bem fundamentadas e de discussão aberta para um melhor esclarecimento e evitar repreensões castigadoras como forma de aprenderes as lições de bom comportamento.
Quero que, assim como eu chamarei a atenção para as tuas atitudes erradas, faças o mesmo comigo e me chames à razão mas, tal como eu, expliques o que têm de errado. Não me poupes. Sou tua Mãe mas estou longe de ser perfeita.
Procurarei ter o discernimento necessário para actuar da melhor forma e ser eficaz no meu papel de Mãe.
Descobri que o Amor não conserta tudo, às vezes até atrapalha quando mistura muitos sentimentos, sofrimento, culpas, medos, cobranças e tendo eu sido vítima disso mesmo, espero sim transmitir-te o meu Amor mas sem te chantagear ou pressionar ou convencer que em nome dele tudo o que eu faço está correcto e é o melhor para ti. O meu Amor servirá para te apoiar e fomentar tua individualidade.
Ninguém me ensinou a ser Mãe. Aliás ninguém me ensinou sequer a ser Mulher. Fui aprendendo e assimilando com as informações que ia recolhendo no percurso da Vida. Orientei-me como pude. Teria sido bom alguma orientação mas não guardo mágoas. Só sei que procurei agir de maneira diferente daquela que agiram comigo e orientar-te sem te roubar a inocência.
Quero que te sintas incluído na minha Vida e à vontade para desabafar comigo sobre o que te atormenta, o que te faz feliz, o que te motiva, tuas escolhas, tuas vitórias, teus desaires, tuas experiências, tuas sensações, desabafar sobre tudo aquilo que possa gerar como consequência o teu alívio e bem estar. O resto podes guardar no teu relicário pessoal para mais tarde recordar.
Acima de tudo quero que tenhas orgulho em ti e penses em mim como alguém que te inspirou a seres Feliz e Melhor Pessoa.
         


quinta-feira, 30 de maio de 2013

Estou de Saída


O dia mal tinha começado, o silêncio ainda reinava em todas as divisões da casa e prometia prolongamento, apenas Vivian permanecia acordada e em pé, vagando pela casa de campo “Monsul”, perdida na seara alentejana de Aljezur. Tudo era tão profundamente calmo e sem perspectivas de mudança, que num espírito inquieto como o de Vivian causava uma ligeira aflição e a sensação de estar perdida numa ilha, distante de todas as oportunidades e da agitação, que parece ser, a única razão que a convence a viver mais e melhor.

Precisava sair daquele marasmo o quanto antes e bater asas para bem longe e poder chilrear de contentamento e vivacidade. Não pertencia aquele lugar encostado ao vazio e envelhecido, sem grandes acontecimentos, condenado ao isolamento e praticamente esquecido.

Um bilhete bastava para comunicar sua fuga, isento de despedidas cheias de pesar e remorsos, por não corresponder às solicitações que a convocam a ficar e resistir em nome do Amor dos seus entes queridos. Por mais que tentasse explicar-se, não iriam compreender seus motivos e, por isso, o único recurso foi evitá-los e virar costas com a promessa de enviar notícias em breve e permanecer sempre em contacto.

Seus movimentos foram cautelosos e amortecidos por pés ágeis e descalços, para não acordar nem alarmar ninguém. Na bagagem levava o essencial, o resto ficava para um dia quando pudesse regressar matar saudades. Não sabia por quanto tempo iria estar ausente nem para onde iria formar uma Vida nova. Nada de certezas, nem garantias mas, muita vontade de arriscar na sua liberdade.

No bilhete constava a seguinte mensagem:

 

“Pai, Mãe, irmãos, estou de saída por algum tempo. Não sei por quanto tempo. Preciso me organizar e orientar minha Vida, até aqui estagnada e sem grandes emoções. Preciso buscar novas sensações. Não encarem como ingratidão da minha parte. Sei bem o que vocês representam para Mim e não esqueço o Amor que nos une e sempre unirá.

Prometo voltar e com novidades boas.

Levo-vos comigo naquela foto de família, tirada junto ao rio e que, tantas risadas provocou, não que seja, para me lembrar de vocês, serve apenas para poder rever-vos sempre que a saudade consumir meu coração.

Um beijo para todos. Amo-vos sem excepção.”

Vivian

 

Á saída verteu uma lágrima de despedida, que depressa enxugou com as costas da mão, livre do peso da bagagem. Estava decidida e o que quer que resultasse da sua decisão não poderia gerar lamentações da sua parte nem recuos. Iria experimentar um outro registo de liberdade e aprender a viver por sua conta e risco. A ter que errar, pensava Vivian, que seja através de escolhas só minhas e não por influência de terceiros.

Na estação de comboios, certamente iria cruzar-se com gente conhecida, não fosse ela viver numa terra demasiado pequena e com muitos lugares comuns, que obrigam a muitos encontros e a uma convivência forçada, para não gerar que os maus comentários se espalhem e o nome da sua família fique manchado por falta de educação ou cortesia. Sabia que ia ser tema de conversa e deixar sua família entregue às línguas afiadas de um povo, preso a uma felicidade remediada.

Tentou passar despercebida e mal o comboio parou no apeadeiro, apressou-se a entrar e num ápice, esgueirou-se para junto da janela, bem no fundo da carruagem, sem nunca largar seus óculos, propositadamente escuros e isentos de emoção.

O sono militante da preguiça e do embalo provocado pela trepidação da carruagem, fizeram-na render-se ao descanso. Não queria pensar mais nem avaliar melhor sua decisão. Daqui para frente queria desfrutar de uma nova corrente de acontecimentos e reter do passado apenas as boas recordações, que quase sempre reportam à sua família.

domingo, 17 de março de 2013

Supremacia da Mulher

O amor, quando se revela... O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Porque esperamos sempre de quem amamos grandes palavras e acções, quando sentimentos verdadeiros e sublimes se fazem sentir através de pequenas coisas como: um olhar amoroso, um silêncio acolhedor, um abraço aconchegante, um sorriso radiante, uma lágrima sentida, um arrepio no corpo...?

Fernando Pessoa
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A Mulher que mergulhou nos intas e, que em breve, se prepara para encarar os entas, sofre com a perda de algum protagonismo visual junto das camadas mais jovens e inclusive junto da mesma geração que a sua. Custa a aceitar que a sua beleza e Vaidade não são mais apreciadas, por aquilo que reflectem no espelho, nem pela sua repercussão nos olhares que se desviam à sua passagem, nem pelos comentários abonatórios e em susurro, que dificilmente escapam aos seus ouvidos de tísicas mas, pela sua atitude face à nova versão de Mulher que agora representam e da qual se deviam orgulhar. Naturalmente que, o impacto visual deixará de ser o mais importante nesta nova fase de transformação física, que nos retira certos atributos até ali eficazes na arte de sugerir. O que dantes funcionava na perfeição deixou de ter o mesmo impacto e é essa perda de eficácia que deixa as Mulheres indefesas e carentes de um novo registo que as valorize de uma forma mais sustentável.
Em nada nos dignifica querer continuar a exibir uma imagem de montra bonita e bem arrumada, apenas para criar um género de pessoa que não somos só com o intuito de agradar. Somos muito mais que isso. Nós Mulheres, somos as supremas responsáveis por aquilo que atraímos. Ninguém melhor do que nós próprias para conquistar o que queremos. O problema é que já não sabemos o que é Melhor para nós nem o que nos fica bem. Nossas escolhas são cada vez mais baseadas em carências afectivas, em pressões sociais, nos contextos que nos rodeiam, no avanço impiedoso da idade, na perda da juventude e na liberdade que lhe está agregada, na prisão a uma Vida sem graça e que mate a nossa identidade.
Esquecem-se do seu poder e influência nas relações, o quanto são indispensáveis, sua capacidade transformadora e regeneradora, a repercussão dos seus actos e das suas decisões e do seu efeito sobre aqueles que escolhem amar.
Para quê esperar algo que só existe romanceado nos filmes e livros e, em vez disso, aproveitarmos para construir passo a passo nosso próprio romance, nossa própria história, criar nossa forma de amar, nosso conceito de Amor, afirmar a nossa presença com dedicação, carinho, afecto, diálogo, compreensão, encorajamento, apoio, incentivo, sem pensar no que vamos receber em troca ou no que estamos a lucar com tamanha entrega. Certamente que, nossos actos serão bem interpretados e recompensados.
Evidentemente que, a combinação e empatia de duas almas gémeas não surge logo no formato pretendido, serão precisos alguns ajustes de parte a parte, acompanhadas de doses generosas de paciência, tolerância, diálogo sincero e franco e uma  clara percepção do rumo dos acontecimentos e no efeito que estes exercem sobre nós. Quem melhor que nós Mulheres para ensinar e perpetuar o Amor.
O importante é que tenhamos consciência que podemos evoluir num outro sentido, que apesar de não nos expor tanto, expõe-nos de uma forma menos inútil, mais elevada e faz sobressair o que temos de Melhor. A Nossa essência.


 


quarta-feira, 6 de março de 2013

Meu Anjo

 
Sinto estar mais serena, menos agitada, mais convencida da importância dos meus silêncios. A chegada de um filho transforma-nos, não apenas fisicamente, mas sobretudo psicologicamente. Dá-se um abrandamento nas nossas Vidas. Nossas energias deixam de ser esgotadas com inutilidades ou sequer desperdiçadas com conversas superficiais. Agora é o momento de evoluir num sentido mais construtivo e evocativo dos nossos princípios, da nossa dignidade, das nossas crenças, dos nossos padrões e valores, que devem pautar a Nossa Vida, as nossas relações, a nossa forma de Amar, os nossos afectos.

Aqueles sentimentos destrutivos que alimentamos e ressuscitamos do passado são abafados com a chegada de um Amor superior e puro, que temos possibilidade de fazer crescer e dotar com o melhor de nós próprios.
Sei que nem sempre agirei da melhor forma, mas cuidarei para que o meu filho saiba avaliar o Amor que sinto por ele e que sempre estarei disponível para o entender e apoiar. Procurarei acompanhar a sua Vida de perto e interessar-me sem, no entanto, invadir o seu espaço ou comprometer a sua liberdade. Terei orgulho na sua pessoa, no seu valor e o encorajarei a perseguir os seus sonhos, a lutar por aquilo que quer, a não construir sentimentos de culpa nem sentimentos de inferioridade mas a sustentar uma absoluta crença em si mesmo.
Quero que ele sinta orgulho em mim assim como eu, com toda a certeza, sentirei por ele. O meu filho será, sem dúvida, a minha melhor obra-prima. Não quero com isto dizer que o vou transformar naquilo que um dia idealizei para mim ou customizá-lo à minha medida. Trilhará o seu próprio caminho. Eu apenas serei seu guia.
Uma coisa é certa, a sua presença veio acalmar meu espírito até aqui turbulento e instável, acrescentou maiores certezas à minha Vida e reafirmou aquilo que é realmente importante e verdadeiro.
 
 
 
 

sábado, 2 de março de 2013

Onde se imagina daqui a cinco anos?


Trata-se da pergunta do momento, que tem surgido tanto em contextos formais como informais e que requer muita introspecção pessoal e que alguns evitam fazer-se a si próprios para não ter que questionar o que está para trás, auscultar-se a si próprios, seus comportamentos, sua posição actual, sua margem de progressão, suas capacidades, suas ambições, suas relações, suas condutas e no que estas se têm traduzido para si mesmos e para os outros. Uma simples pergunta na qual estão ramificadas outras questões, também elas pertinentes e que sem as suas respostas não conseguiremos avançar para uma resposta definitiva e conclusiva.
E a pergunta principal que se impõe é: "Onde se imagina daqui a cinco anos?"
Naturalmente que esta pergunta não deve ser colocada a qualquer pessoa, até porque algumas delas hão-de achar ridícula esta abordagem e responder com uma certeza absoluta e inegável que se Deus quiser estarão por aqui mesmo na Vidinha do costume. Para quem gostar da permanência, até que é óptimo e poupa algum desgaste psicológico, porque afinal não têm que rever a sua posição de Vida. O importante é vivermos satisfeitos com isso e não lamentarmos o que nos caiu em sorte.
Porém, espíritos mais elevados e audazes quererão sentir outro tipo de adrenalina e buscar outras fontes de inspiração, que os transportem para outros lugares, outras experiências, outras conquistas, outras vitórias, saborear a Vida de outras maneiras que estimulem seus sentidos inquietos.
Para eles a Vida tem inúmeras possibilidades e quando decidem enfrentar o desconhecido, não pensam em retornar ao que tinham antes. Encaram a mudança como algo positivo, fecham um ciclo e iniciam outro, confiantes que este será mais próspero que o anterior. Para uns parecerá uma loucura movida por uma impulsividade sem precedentes, enquanto para outros representa a convicção daquilo que não se quer e a esperança em si mesmos e naquilo que poderão construir de melhor.
É tudo uma questão de perspectiva.
A maioria desculpa-se com a idade, os filhos, a segurança, a estabilidade, um emprego efectivo, invocam as circunstâncias, tão convenientes quando não se está preparado para enfrentar outras realidades. Se calhar até estamos preparados, só não estamos convencidos de que tal é possível.
Nestas ocasiões não pode haver arrependimentos, nem turn back, pensando sempre que as inciativas que decidimos tomar são a única forma de angariar o Melhor para as nossas Vidas e é aquilo que faz sentido no momento. Não pode haver dúvidas, nem vacilos, nem tristezas, para não criar um mau ponto de partida nem decretar desistências antecipadas.
Haverá mais situações das quais poderemos igualmente retirar prazer, não precisam ser as mesmas situações, nos mesmos termos. O factor novidade e surpresa também fazem falta às nossas Vidas demasiado esquematizadas. Senão pouco sobra para contar ou revelar.
Na verdade, tudo depende da forma como encaramos a nossa Vida e a colagem que fazemos a determinados cenários estáticos e rígidos, onde sustentamos nossas formas de ser e de estar. Quanto mais flexíveis, mais tolerantes, mais sonhadores, mais independentes de convenções, livres de mágoas, àvidos de conhecimento, pessoas que se adaptam facilmente a qualquer contexto, percursores de objectivos e que se sintam livres para abandonar determinados contextos e encarar outros, convencidos de que há mais que uma formúla de Felicidade, mais convictos somos das nossas decisões.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Relações Disfuncionais


Quantos de nós têm que lidar com relações desta natureza. Não são relações saudáveis, apesar de serem de grande proximidade e que, quase sempre, implicam uma convivência regular. Apesar de crescermos e nos desenvolvermos na presença dessas pessoas, que se supunha serem fundamentais na nossa evolução, suas influências acabam por se transformar num transtorno para as nossas Vidas, de pessoas sensíveis, que esperam ser valorizadas, acarinhadas, respeitadas, compreendidas, consideradas importantes e principalmente amadas.
O mais curioso é que assumimos o papel de vítimas de negligência constante no Amor e mesmo assim insistimos em não abandonar essas pessoas que falham connosco repetidamente e nem se apercebem do mal que nos fazem.
Vê-mo-las constantemente a exibir afectos com pessoas praticamente desconhecidas e sorrir a tudo que elas comentam, encorajá-las, apoiá-las, render-se aos seus encantos e envaidecer-se com os seus convites, como se isso implicasse a entrada exclusiva para um clube restrito de pessoas refinadas e cheias de influência social, tal é a envolvência e magnitude por eles atribuída a este tipo de apêgos sociais. Entregam-se a eles mais do que ao Amor de um filho (a). Preocupam-se exclusivamente com a sua vaidade e é carregados de snobismo que nos ignoram e esquecem-se do que somos ou representamos. Um dia poderemos já não estar por perto ou sequer contribuir para uma visão de Felicidade conjunta, que infelizmente se perdeu. 
De cada vez que investimos tempo de qualidade com as pessoas que aprendemos a amar e descobrimos, que elas não nos dão o devido valor nem estão na mesma sintonia que nós, ficamos cada vez mais angustiados, revoltados, inconformados, confusos e custamos a acreditar que alguém que consideramos e Amamos se tornou egocêntrico, insensível e instável. Por mais tentativas de ressuscitar o passado, ele continua morto e enterrado e parece que só nós acreditamos naquele conceito de Amor puro que nos unia.
A realidade torna-se evidente quando constatamos o quão anormal é, para pessoas como eu e que nos ajudam a interpretar o nosso mau estar constante, não estabelecer uma ligação de confiança com os seus progenitores, pelos quais têm uma grande devoção e amor, que se manifesta de ambas as partes. Para elas, assim como para mim, o que seria normal é conseguir dialogar com as pessoas que amamos sem sermos advertidas, interrompidas, recriminadas, comparadas, rebaixadas, desvalorizadas, negligenciadas, provocadas, ofendidas e que nos levam a acreditar na inutilidade da nossa presença.
Quando queremos chamar a atenção de pessoas que não nos conhecem e negligenciamos aquelas que connosco criaram uma história e nos sabem dar Amor, jamais saberemos dar importância aos verdadeiros afetos e responsabilizarmo-nos por eles.
Aos nossos olhos essas pessoas tornaram-se naquilo que nós rejeitamos nos outros e que nós tanto reprovamos. Pessoas insensíveis, extremamente vaidosas, egoístas, egocêntricas, que destilam simpatia para aqueles que exibem um certo estatuto social e são indiferentes, a todos aqueles que não têm muito para a oferecer a não ser a sua simplicidade de ser e viver. Depois ainda se julgam muito sociáveis e empáticos, quando tudo não passa de uma fantasia montada para alimentar seu ego inchado mas nunca satisfeito.   
 
 
 
  
  

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Me first



As filas prioritárias abrem excepção aos deficientes, gestantes, pais com filhos e em certos casos a pessoas de idade avançada. Até aqui tudo perfeito, o problema está que, há alguns que se acham mais excepção que os outros e então decidam tomar a dianteira e deixar incrédulos aqueles que aguardam na fila pacientemente.
Até nisso se vê o carácter das pessoas que formam essas frentes prioritárias. Detesto colaborar com esse tipo de achincalhamento público. Recorri a uma dessas filas porque já acusava algum cansaço e peso, na minha barriga de futura Mamã e que carecia de algum descanso, pensando eu que resultaria fácil e rápido todo esse processo. Na verdade, o tempo que esperei serviu para constatar que até mesmo nestas situações, não há qualquer tipo de sensibilidade, principalmente da parte de pessoas que partilham do mesmo tipo de condição de fragilidade e parca mobilidade. Nem assim há solidariedade entre iguais.
Acabamos sendo vítimas da competição, por um lugar exclusivo numa zona já de si exclusiva. É desmedida a vontade de protagonismo onde não há motivos para orgulho.
Pensei que imperasse o bom senso, mas afinal surge a necessidade de fundamentar porque razão uns são mais exclusivos que outros, ou melhor, porque é que uns merecem mais que outros e, mesmo assim, não chegamos a um bom entendimento. Haverá sempre abusadores.
Optei por evitar essas filas e recorrer às habituais que, por incrível que pareça, fluem melhor e não se dão atropelos de supremacia na desigualdade.


  

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...