segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

APARIÇÃO NATALÍCIA

 Há sonetos e sonetos!

Assim entendia a direção do liceu feminino, Vargas Melo, frequentado por Amália.

O soneto que Amália ousou ler, longe dos olhares espelhados e atentos, das vigilantes da biblioteca, era um desses. Um incendiário moral, nada educativo. 

Apesar de todas as contrariedades, continuou, mas o embaraço fê-la corar abundantemente e dar por terminada a leitura, para não atrair atenções incriminatórias e ser chamada à sala da reitoria. 

As cócegas na garganta, provocadas pelo pó esvoaçante, descarnado, das lombadas do livro abafado e proibido, fizeram-na tossir descontroladamente e acordar os espíritos de um passado quinhentista. O primeiro a acordar e mais afoito de todos, foi Luís Vaz de Camões.

Apercebendo-se do interesse pelo seu soneto de amor, Camões, decide ressuscitar numa nuvem etérea, envolta num pó cinza e dirigir algumas palavras clássicas, à sua cândida leitora.

- Vejo que a menina se enfeitiçou pela minha poesia lírica, o que muito me apraz.

Amália congelou de medo, medo esse, que fez paralisar os seus movimentos e deixá-la muda. Os efeitos do congelamento ainda duraram uns eternos segundos, até regressar ilesa, ao seu estado normal e conseguir formular uma resposta adequada.

- Na verdade, eu nem deveria estar aqui, a ler às escondidas e corar de desejo. Desejo de sentir o amor e tudo aquilo que diz provocar. Neste momento, sinto-me impura!

A sua elevada inteligência e sensibilidade compreenderam os pensamentos de uma menina, em breve, mulher, perseguida por julgamentos sociais.

Sabia que, teria de usar o tom certo para a manter interessada e evitar que renunciasse a algo que desconhece, mas arde em saber.

- Menina Amália, o amor é tudo menos impuro. Ele é mantimento! – acrescentou o poeta, na esperança de não a perder para o isolamento.

- Como assim, mantimento? – retorquiu, Amália.

Uma vez conquistada a sua atenção, Camões prosseguiu e respondeu a todas as inquietações da sua pupila da atualidade, elevando o amor a todos os seus expoentes.

Entretanto, o intervalo de almoço termina e soa o toque, para retomar as aulas da tarde. Cada um, sumiu para seu lado e nem houve tempo para despedidas épicas.

O tempo voou veloz, pelo menos para Amália, agora mãe, de uma menina chamada Benedita, aluna no mesmo liceu, outrora, exclusivamente feminino.

Benedita está crescida e cheia de vontade de contrariar a autoridade. Pais e professores são os mais visados.

- Acho que, está na hora de chamar o meu bom e velho amigo Camões, para me ajudar a entender que mundo é este, que abre um fosso geracional entre velhas e novas mentalidades – pensou Amália, baixinho.

No tempo de Amália, o amor era recatado, a autoridade não era questionada, as ousadias pagavam-se caro, o trabalho era uma prioridade, os artistas não eram livres, a cultura era comandada pela censura, a justiça obedecia a um estado repressor, não havia liberdade de expressão. Entretanto, muita coisa mudou.

Desta vez, Camões apareceu suavemente e sem sobressalto.

-  Apraz-me saber que exploraste o Amor de que falo no meu soneto – disse Camões, interrompendo o silêncio, sorridente.

- Que bom ver-te! – exclamou Amália, entusiasmadamente.

Felizmente, Benedita tinha saído mais cedo e sobrava tempo para falarem a sós, sobre todas essas mudanças, que foram ocorrendo e desarranjaram as relações interpessoais.

- Amália sinto-te preocupada com a Benedita e suas atitudes afrontosas.

- Entre nós há cinco séculos de distância e uma longa história de destruições e reconstruções. Vejo que aboliram as fronteiras, mas não acabaram com as batalhas territoriais sangrentas – prosseguiu.

- Os ganhos na conquista de uma maior e mais diversa liberdade de expressão, precipitaram o crescimento desenfreado de meios de comunicação alternativos, que ameaçam acabar com a verdade e criar um universo de mentiras escandalosas e perniciosas – acrescentou Camões, do alto da sua sabedoria secular.

Amália permanecia calada e pensativa. Afinal, ela sabia que havia motivos para se sentir apreensiva com Benedita, seu futuro e o estado do mundo.

- Porém, tem havido manifestações culturais e artísticas sublimes, que vos distraem de tudo isso e apesar de não bastarem para mudar o estado das coisas, têm o poder de mudar a forma como olhais para a vida, o mundo e representam chamadas de atenção, alertas, para os espíritos mais sensíveis, como os da Benedita, capazes de construir um mundo melhor – prosseguiu Luís Vaz de Camões.

Continua, continua. Estou a gostar de ouvi-lo – pensou ela.

Nesta época natalícia as aparições camonianas são muito comuns na família Vasconcelos. A proximidade de um novo ano, as reuniões familiares atrapalhadas, o balanço dos acontecimentos individuais, os arranjos e desarranjos natalícios, convocam a presença de uma figura história ilustre, do passado artístico português, experiente em missões difíceis.

- Há quinhentos anos que eu sou o recurso de todos os vossos natais – constatou o poeta e dramaturgo português.

- Sou uma espécie de pai natal exclusivo, zarolho, com veia poética e uma visão modernista, a quem todos recorrem, quando algo os incomoda.

Amália anuía com a cabeça, em concordância.

- O Amor é mantimento, minha cara Amália. Não se esqueça disso! – avançou Camões.

Esta era a frase que finalizava todas as suas conversas. Indicava a hora de regressar ao seu passado renascentista.

Mais uma vez, não houve despedidas. O que houve foi uma mudança de cenário, com a entrada apressada de Benedita.

- Mãe, Mãe, tu não vais acreditar o que acabou de acontecer – disse Benedita agitada.

- Cruzei-me com um homem vestido de Camões e senti uma energia boa, que me fez virar. Nesse instante, ele fixa o olhar em mim e diz-me que, o Amor é mantimento!

- Achei bizarro! – exclamou Benedita.  

Amália esboçou um sorriso cúmplice e rematou – Ele disse-me o mesmo!

Incrédula, Benedita, sacudiu a cabeça e questionou a mãe – Como assim?

Por momentos, Amália quis descair-se e relatar as visitas sucessivas, feitas pelo mestre da poesia, desde o tempo da sua mocidade. Conscientemente, travou a tempo. Benedita não iria compreender e só iria remexer ainda mais a sua vida de adolescente inconformada.

- Estou a brincar! Se bem que, essa réplica ambulante de Camões, não disse nenhuma mentira. O Amor é mantimento, é a seiva que nos faz viver melhor. Após este momento reflexivo de Amália, fez-se silêncio e desenhou-se o mote para criar sonetos novos, tendo o amor como protagonista. Um desejo acalentado por Amália para este Natal.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Uvas passas, desejos mirrados

As palavras custam a sair. Acho até que, regelaram e sucumbiram ao frio, dos primeiros dias de janeiro.
O arranque do ano nunca foi fácil e são necessários esforços extraordinários, para sair do estado letárgico, resultante do fecho do ano.
Só de pensar, na repetição dos dias, os mesmos cenários, os conflitos de sempre, frases batidas, mau humor matinal e, nalguns casos, visceral, ressentimentos e um copo cheio de dedadas familiares, que nos deixam ébrios, de uma militância sem progresso, fico doente.  
As doze uvas mirradas, uma por cada desejo manifestado, mas nunca atendido, não impedem esta preguiça dominante de se fixar. É sorrateira como a gata da vizinha e seu pêlo de veludo branco, garimpeiro de reações alérgicas, nos organismos mais expostos. A tentação é sacudi-la, como quem sacode a caspa das ombreiras dos casacos. Apesar das inúmeras tentativas, ela não sai, nem esvoaça para longe. Cola-se à vontade que, não passa de uma boa intenção. Às tantas e sem dares por isso, estás a entoar o mantra da procrastinação.
Acredito que, tal como os bagos de uvas, somos prensados, os sucos são extraídos e reina a confiança que, esta será a melhor colheita do ano. Basicamente, és forçado a abandonar a tua identidade de vinho de mesa corrente e adotar a identidade de um vinho DOP. 
Agora entendo porque tem havido um excesso de fraudes. Todos querem ter o selo de vinho DOP, por estarem fartos de viver na vitrine dos vinhos, com sabor a vinagre.
Os seus sucos são insuficientes, para produzir um vinho de excelência e dispensam quaisquer processos de decantação. Na verdade, desperdiçou-se um bom cacho de uvas que, muito provavelmente, ganharia destaque numa fruteira, em ouro foscado, que serviria de modelo a um pintor realista e apreciador da natureza morta e sua força simbólica.
Nem sempre o lugar onde nos encontramos, permite evidenciar quem somos e expor aquilo que temos de melhor e exulta nossas qualidades e capacidades.

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Algumas Irritações

  

Bancos Altos de Bar

Sinto-me uma mostrenga a subir para um desses bancos do além. Sou alta e não tenho um ângulo privilegiado de pernas que me permita saltar para cima de um desses canastrões de madeira, sem falhar o alvo. Além do mais, não me entusiasma estar mais próximo do teto e desafiar a gravidade que vai, seguramente, resultar em dor.

 

WC estreitos

Quando comes mal, o serviço é péssimo e ainda levas com um destes na rifa. É o trinómio perfeito para lhes partir a montra, ao estilo dos membros da ETA. Inclusive, perdi a conta às vezes que saí cheia de contusões e perfumei-me de hirudoid, como se fosse protetor fator 50+.

 

Caras de cú na caixa  

Prontas para estragar nosso dia e com a metralhadora carregada de maus modos. O pior disto tudo, é que no meu entendimento, uma atitude destas é, claramente, maldade gratuita e apetece-me revidar, ainda para mais, quando sei que me preocupo em ser gentil e compreensiva, para com quem está a trabalhar e a ganhar o seu ganha-pão. Ativam o meu lado selvagem.

 

Trocas no período de Natal

Nunca encontro o meu tamanho e se desvio para outro artigo, na tentativa de ganhar mais opções ou não é do meu agrado ou alguém toma a iniciativa de se juntar a mim e perseguir os meus gostos, encurralando a minha vontade de concluir a troca.

 

Considerações à mesa que matam o teu apetite

Sabem aquelas pessoas que colocam defeitos em toda a comida que é servida fora de casa? A comida até te está a saber bem, estás a desfrutar do momento e alguém resolve trazer suas notas pessoais sobre a forma como lhe está a saber, que por sinal é má. Saem das refeições a queixar-se da azia e eu, de tê-las ao meu lado.

  

Quando te deixam as asas

Quando isto acontece, prefiro ligar a torradeira e torrar pão. Asas não trazem conforto e eu adoro comida de conforto. Inibem a minha vontade de comer e aumentam a vontade de odiar as pessoas que me fazem isso.

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Tabela de preocupações

Zero preocupações, traz muitos perigos.
Acordei esta manhã com este pensamento - zero preocupações traz muitos perigos.
Será que é possível ter zero preocupações?
Neste mundo?
Provavelmente, só os psicopatas desprovidos de consciência, gozam deste estado de despreocupação total. O resto dos mortais vive ansioso, logo, preocupado.
Até mesmo parados, em descanso, nunca abandonamos o nosso estado de vigilância, fio condutor das preocupações latentes.
A consciência da nossa realidade, o nosso papel no mundo, as nossas responsabilidades, as ligações que criamos, os compromissos estabelecidos, os atrasos, as perdas, as renúncias, as ilusões e desilusões, humanizam-nos. Tudo isso ocupa espaço e arrumá-lo, da melhor forma, para que tudo caiba sem desconforto, gera muita preocupação.
Os psicopatas não desenvolvem esse tipo de ansiedade, nem somam preocupações reais.
O perigo de contrair zero preocupações é, mesmo esse, deixamos de ser pessoas com sentido de humanidade.
Viver bem é cuidar do que nos humaniza e esse cuidado, implica lidar com preocupações existenciais.
Preocupemo-nos em viver, bondosamente, bem.


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

O ato de viver

Quando somos crianças, viver é uma prioridade. À medida que crescemos, banalizamos o ato de viver.

Gastamos tempo, em vez de viver.

A urgência das crianças em viver é uma declaração de felicidade comovente.

Adultos e crianças têm urgências diferentes. As crianças precisam tocar para sentir e os adultos precisam conquistar para sentir.

A vida entregue a  diferentes pulsações e batimentos, assume diferentes níveis de importância e modos de participação e nem todos estão sujeitos aos mesmos esforços e provações e se para uns, viver implica contrariar um destino traçado, para outros, basta corresponder a um legado que os enche de confiança e orgulho.

Parece que nunca estamos completos, por mais esforços e desvios que façamos, para alinhar com aquilo que vemos funcionar nos outros e achamos combinar com felicidade.

Aquilo que nos assombra e nos paralisa, não os incomoda e sublinha a sua superioridade humana.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

"Num mundo de cegos quem tem olho é rei"

A seguir ao atentado às torres gémeas, este é o pior acontecimento do ano nos Estados Unidos da América e que promete abalar o mundo.
Ainda não eram 8 da manhã em Portugal e Trump já cantava vitória. 
O mundo aos pés de um déspota republicano, com cadastro criminal, que afirma devolver aos americanos, a América gloriosa de outros tempos. 
Um homem fácil de odiar, por tudo aquilo que ele personifica, a quem os americanos depositaram o poder de decidir o que fazer das suas vidas, nos próximos quatros anos.

Kamala não soube seduzir a América ou dizer aquilo que os americanos queriam ouvir. 
Pelo contrário, Trump estudou muito bem o seu eleitorado, a forma como podia propagar a sua mensagem e conquistar mais votantes.

Ganhou o candidato com o melhor pitch.

E agora?

No epicentro das preocupações mundiais estão a invasão da Rússia na Ucrânia e o Conflito entre Israel e Palestina, que desencadearam duas grandes guerras, motivadas por disputas territoriais.

Benjamin Netanyahu e Vladimir Putin, a liderar estas duas guerras às portas da Europa, a proximidade entre Benjamin e Trump, a desconfiança de Putin relativamente às intenções de Trump, as deslocações forçadas das populações dos países em guerra, o fluxo crescente de migrações e o fecho das fronteiras, precipitam cenários nada auspiciosos. 

A liberalização do acesso ao porte de arma e o aumento da criminalidade.

As tarifas que Trump quer aplicar às importações, não só vão abalar a economia global, como encarecer os produtos nas prateleiras e colocar os americanos em grandes apertos.   

O esmagamento das minorias sociais.

A concentração do poder e a tentação de tirar aproveitamento dessa condição. Algo que Trump domina na perfeição.

Agora é a vez de Trump recompensar os amigos influentes com medidas protecionistas dos seus negócios, atribuir cargos públicos de destaque aos seus aliados, favorecer os parasitas do poder.  

A objetificação das mulheres.

O desrespeito pela imprensa, pelos jornalistas, pela liberdade de expressão.

Uma hecatombe de problemas ameaçam abalar o mundo.

Saramago previra esta cegueira generalizada e contagiante.











sábado, 19 de outubro de 2024

De Toalhete em Toalhete

 Toalhetes de mesa, em papel, são uma tentação!

Quem como eu, faz-se acompanhar da sua caneta de estimação, antecipando vir a encontrar um toalhete de papel livre, a cheirar a novo, à sua espera, não resiste em colonizá-lo, com desenhos, frases, desabafos, elogios, devaneios, sensações e um filão de emoções soltas.
O toalhete de papel pode dar início a um projeto profissional, levar à concretização de um sonho, expor as dores, que guardamos cá dentro, avivar memórias, registar momentos, programar viagens, definir metas, promover diálogos internos e muito mais.
Eles existem para descarregarmos algo que nos consome, naquele lapso de momento, de bom e de mau e que. precisamos libertar, para depois sair em modo abandono e dar lugar ao rasto seguinte.
Alguém irá sentar-se no lugar que, por instantes, foi meu, diante de uma nova moldura de papel e deixar suas impressões digitais, borrando as minhas, entretanto, jogadas no lixo ou borrifadas com spray desinfetante. 
Eu, entretanto, muito provavelmente, já estarei do outro lado da rua, ocupada a vigiar o semáforo e seguir viagem, para outras paragens, que me hão de levar a novos toalhetes de papel. 

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Vou sair de fininho!

 Hoje, amanhã e depois não irei estar.

Seria bom que no meu primeiro dia de ausência infinitamente prolongada, haja choros, choros de bebés a nascer.

Eu já cá não ficarei para ver, mas vocês sim e o facto de permanecerem cá, então, é porque a vossa missão continua viva e cheia de intenção.

Se pudesse, escolhia sair de fininho, ao som das vossas gargalhadas, ao som das vossas palavras silabadas, revestidas de amor e com hálito a espumante rosé e beijar-vos-ia de longe, com a certeza de que nada vai mudar este estado de felicidade.

Vou levar-vos comigo, em formato slide e rodar a película dos melhores momentos em loop. Só ainda não escolhi a banda sonora que vai acompanhar o acontecimento. Nada muito pesado e deprimente, nem lamechas. Algo com power, ao jeito do divino.

Ainda não me deram indicação da nuvem onde posso aterrar e quem serão os meus vizinhos do lado. Só espero que me recebam com um café quentinho e gostoso. Será o meu quinto ou sexto, mas uma vez morta, que se lixe, as dependências passam a ser um mal menor 😁

Não esperem por mim. 

Não se deixem consumir pela saudade. O vosso amor sente-se, mesmo estando muito longe. É intenso e perfumado.

Obrigada por tudo!

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Escapei por um triz

Em 2016, Diana Quer, com 18 anos, desapareceu na região da Galiza.

Numa manhã quente de agosto, quando me preparava para sair do aparthotel e passear pelas calles de Salamanca, sou atraída por uma notícia de última hora, que anuncia o desaparecimento de uma jovem madrilena, de 18 anos, a passar férias na Corunha. O seu nome é Diana Quer. 
Entretanto, já se passaram 8 anos e o nome Diana Quer, não me sai da cabeça. Hoje, regressei a esse acontecimento trágico e o que me deixa intrigada é saber o que está na origem desta minha fixação, se não tenho nenhuma relação afetiva com a vítima, nem com a sua família, apenas uma forte empatia pelo sucedido e, infelizmente, este não foi o único acontecimento trágico a merecer destaque noticioso e cujas vítimas são jovens mulheres indefesas, que gostam de sair à noite e se divertir. Todos os dias e cada vez mais, assistimos a casos de mulheres violentadas e mortas por predadores sexuais, que aparentam ser inofensivos e disponíveis para ajudar. 
O cadáver foi encontrado dentro de um poço, numa antiga fábrica de móveis abandonada, na localidade de Rianxo, perto da zona onde vivia o seu assassino. 
O autor do crime tem nome de goma e um sorriso bobo e infantil no rosto. Chamam-no de "El Chicle" e durante anos, esta alcunha pode muito bem, ter ajudado a encobrir os seus crimes, apoiado por uma família, que preferiu ignorar o óbvio e acentuar a sua perturbação mental e criminosa.
Esta história ficou gravada em mim e o meu consciente recusa-se a eliminá-la do seu histórico e, o mais curioso, é que não encontro respostas para esta fixação que, infelizmente, não pertence a nenhum quadro invulgar de tragédia.
Tal como a Diana Quer já fui jovem e estremeço quando penso, poder ter sido alvo de algo parecido e creio que, só não fui, porque algo se intrometeu no caminho e me desviou de todo o mal.
Tudo o que podia dar errado eu fiz e, talvez por isso, eu me obrigue a reviver a história da Diana Quer e pensar na sorte que tive por não acabar como ela.
Algo no meu íntimo me diz que, já tive na mira de ser atacada e escapei por um triz.
Sair com estranhos, que conheci numa noite de diversão, regressar a casa de madrugada, sozinha e a pé, ficar alcoolizada e sem noção do que disse ou fiz, dar boleia a estranhos, receber boleia de estranhos, denunciam o tamanho da minha irresponsabilidade e o quão próxima estive de ser a protagonista de um crime, com o mesmo desfecho da Diana Quer.

 


Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...