segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Inquilinos Intrusos

Eles estão a chegar aí muito rapidamente e eu não tenho outro remédio senão aceitar a sua chegada com resignação. Os inquilinos anteriores agiram da mesma forma. Instalaram-se sem sequer aguardarem as minhas boas vindas e passado um ano, deram lugar a outros. Eu nem me sentia preparada para os receber, assim tão de repente e aceitar que algo mudou ou que algo estaria prestes a mudar. Na verdade, já tinha vindo a notar que os cremes de rosto têm perdido eficácia e a fotogenia havia-me abandonado quando mais precisava dela, mas mesmo assim podiam ter sido mais discretos na abordagem.  Ainda para mais não dá para aplicar o truque das velas, invertendo posições. Se o fizesse teria que retirar a placa dos dentes para bufar as velas. Não me deram alternativa. Trinta e oito. Trinta mais oito. Será que não dá para lançar esses oito numa fase posterior, quando não fizer diferença nenhuma no saldo final. Sei lá, quando atingir os 90 e não der mais para recarregar as pilhas, então aí sim, faria sentido repor esses tais oito desavindos.
Já diz a Vanessa da Mata "... É demais, é pesado....".
A nossa idade podia regular pela medida dos protetores solares. No caso, bastaria preencher na idade 30+. Corresponderia a um moreno pouco intenso. Afinal, vamos perdendo a intensidade de cor e a elasticidade também.
A idade a mais não traz evolução, traz sim confusão mental. Para quê converter em números a nossa idade e baralhar ainda mais o nosso sistema. Prefiro encarar que ganhei 38 créditos para aplicar na minha Vida, no meu crescimento. Temos que encarar a nossa idade como uma benesse por que nos possibilita dar continuidade à nossa Vida e enriquecê-la ainda mais e ainda por cima lucrar com uma fatia de brigadeiro de chocolate húmido e macio e os parabéns por apenas existir. Mil calorias depois e um ano mais velha, continuo a sentir que há muito mais para além de um número par composto por dois algarismos também pares, há Vida, há oportunidade, há tudo aquilo que ainda está para ser e fazer.
Se eles perguntarem por mim, os tais inquilinos de que vos falei, peçam para virem mais tarde que eu ainda estou a fazer o funeral dos 37 :)


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A Guerreira

Nunca desistas de Mim, porque eu Nunca desistirei de Ti. Quando os meus joelhos fraquejarem, a força física sucumbir e a resistência quebrar, conto contigo para me fazeres esquecer o quanto dói. Só tu podes fazê-lo. Só tu sabes fazê-lo. Sabe bem entregar-me nos teus braços e deixar que tu assumas o papel que habitualmente era meu e passares tu a liderar. Ser forte o tempo todo desviou-me daquilo que me faz bem, porque obriguei-me a resistir às sensações boas e más. À medida que elas iam chegando eu ia matando-as a todas sem critério. Não havia tempo para seleccionar. Na minha cabeça soava constantemente É Obrigatório Agir. Neste momento, não quero, não posso, não tenho mais energias para controlar tudo. Vou deixar-me cair às cegas esperando que os teus braços estendidos estejam lá para me amparar na queda. Desta vez sou eu a precisar de Ti. Mesmo de olhos fechados continuo a ouvir-te e a apreciar tua presença. Animas os meus dias. Apesar de eu não poder interagir tanto, nada mudou. Nem quero que mude. Se assim fosse sentiria que algo se perdeu.
Se eu não der pela tua presença, interrompe o meu sono, quero estar desperta para te ver. Não sou dada a sonos profundos. Deixam-me os olhos inchados e diminuem-me a visão.
Nunca pensei vir a desejar ingressar na rotina e rodar a mesma bobine vezes e vezes sem conta. É bom fazer parte do filme em rodagem.
Obrigaram-me a acalmar, eu bem não queria mas se calhar estava a precisar de abrandar. Por isso, para não perder o andamento da carruagem vai-me mantendo informada. Entretanto vou fazendo a lista do que ainda me falta fazer e que dará ainda maior importância à Minha Vida, já que as listas do supermercado ficaram a teu cargo, assim sempre fico com mais tempo livre para outras listas.
Tudo está bem desde que não prolonguemos tristezas e projectemos maus cenários. Que Melhor cenário poderia haver eu e tu, juntos no mesmo espaço, partilhando episódios da nossa Vida e  programando outros ainda mais animados. Não quero pensar no Amanhã. Na minha idade deixou de ser divertido pensar no Amanhã. O Hoje é o que eu tenho de mais garantido e é a ele que me vou agarrar corajosamente e prometo não dar tréguas.
Ainda estás aí?




 



terça-feira, 17 de dezembro de 2013

A Maçada do Amor

O que é o Amor. Ninguém me ensinou a Amar, fui vendo e aprendendo e, continuo nessa fase de observação e aprendizagem. Quanto mais me especializo no Amor, mais o acho complicado. Tem dias que o sinto, tem outros que nem o chego a apalpar. Se calhar eu é que não sou assim tão permeável e ele até pode lá estar, mas eu é que não o consigo absorver. Meu maior problema é continuar a achar que Amar é querer estar por perto, dedicar atenção, perscrutar em silêncio, dar a mão, abraçar, apoiar, acolher, marcar presença nas datas importantes e, principalmente, quando mais precisamos, compreender sem julgar, querer ouvir a tua voz, querer ver-te sem pretexto, querer saber de ti, querer estar contigo, não abdicar de ti em favor de interesses egoístas ou atribuir preferência a outro tipo de público com a pretensão de conquistar um fã clube e alimentar assim uma vaidade imensurável. Provavelmente, eu é que estou errada e nem todos partilham da mesma percepção pessoal do Amor. Se calhar esta visão romanceada do Amor é exagerada e grudenta, para aqueles espíritos mais independentes e distraídos. O Mal do Amor é que ele não atinge todos da mesma maneira. Nem todos o sentem da mesma forma e, principalmente, nem todos o sabem honrar.
Amor é acudir, é estar lá, é meiguice, é afecto, é promover o inesperado, é verdade, é lealdade, é fidelidade, é compromisso, é rir e chorar junto, é sofrer por alguém que nunca queremos ver partir, Amar é reconhecimento, agradecimento, gratidão. Sofro só de pensar que um dia não verei as pessoas que mais amo e quanto mais aprofundo o meu pensamento, mais me convenço, que não consigo viver sem elas, fazem-me falta, é a elas que eu recorro e delas me socorro. Todas elas me Amam, disso não tenho dúvida mas, poucas são aquelas que me sabem Amar. Mas o Amor é assim mesmo, complicado e maçador, se pensarmos que se trata de algo que devemos estimar e estimular. Aqueles que têm o Amor como garantido não querem ter esse cuidado, porque acham que nunca o irão perder e, na maioria das vezes, nem dão conta que já o perderam, apesar de tudo parecer normal e a proximidade não ter desaparecido. Estão demasiado ocupados com eles próprios e esqueceram-se de olhar para aquilo e aqueles que realmente têm importância e quando, subitamente, são atingidos por um qualquer vibe de ternura, estranham a fraca receptividade.
E de repente, tudo muda e o que foi tão importante na tua vida deixa de ser porque entretanto amadureceste e foste percebendo que uns merecem mais de ti que outros, não porque ames mais uns que outros, só porque esperaste tanto tempo por esses tais vibes e reacções de ternura e eles tardaram em chegar e tu, inevitavelmente, tiveste que te acolher noutros lugares que agora são os teus lugares de eleição. Agora, olhas para trás e pensas, aquele passado não renasce mais. Foi Bom mas é Passado. Entretanto cresceste e muita coisa mudou. Tu própria tiveste que mudar para conseguires ultrapassar o facto de teres sido preterida por caprichos e vaidades. Mas o Amor é assim, só atrapalha quando mais precisamos dele.

domingo, 10 de novembro de 2013

Universo Feminino


As associações de ideias na Vida de uma Mulher assumem um lugar especial. São as associações de ideias e a colecção de sapatos e carteiras. Imprescindíveis e insubstituíveis, a não ser por mais modelos e feitios diferentes.
Perante uma determinada situação nós mulheres procuramos relacioná-la com algo e quase sempre connosco. Um desabafo, um boato, um acontecimento, um dado novo, uma confidência, uma coincidência recai inevitavelmente numa co-relação com a nossa pessoa. Somos maquiavélicas ao ponto de achar que tudo interfere connosco. Vários exemplos podiam ser dados e todos eles bem familiares ao universo feminino mas mais revelador é seguramente a mania que nós temos de questionar e suspeitar que tudo o que nos é dito quer dizer mais do que aquilo que nos foi revelado. “O que é que ela/ele quis dizer com aquilo”? Esta frase é mítica entre as mulheres.
O que nos preocupa são as entrelinhas. Presunções e subentendimentos são a nossa predilecção. É aqui que incluímos as associações de ideias, usadas para retirar o diálogo do contexto e cobri-lo de duplas intencionalidades.
Para nós tudo tem uma intenção, não existe o dizer por dizer, numa tentativa de apenas exercer um comentário banal e inocente, indutor de quaisquer consequências. Quando não encaramos ou criamos suspeitas com o guião e o guionista apressamo-nos a atribuir outra dinâmica à história e a instalar a confusão.
Achar cabelo em ovo é a nossa especialidade.
Por vezes vamos desenterrar situações de um passado longínquo para justificar determinados comportamentos do presente como se tudo tivesse um carácter repercutório tão dilatado no tempo. Guardamos tudo e por muito tempo e mesmo quando aproveitamos para arremessar algumas dessas coisas que mantemos guardadas, em ocasiões que nos são propícias, não esvaziamos a memória e continuamos a guardar até que nos deixe de ser mais útil.
Não admira que vivamos mais. O nosso memorial é tão vasto que precisamos de muito tempo para o esvaziar.
Cá para mim as mulheres com companheiros são as que vivem por mais tempo, pois os homens são um óptimo descompressor, mas isto é apenas uma teoria minha.
Damos tudo de nós e sem travões mas também reclamamos agradecimentos e exigimos ser acarinhadas. Quando sufocadas, sacudimos as nossas frustrações, as nossas tristezas, as nossas emoções, os nossos receios, as nossas desilusões e mesmo assim eles custam a entender-nos.   

domingo, 3 de novembro de 2013

Um Novo Eu

Porque caímos em tristezas profundas e paralisantes, que nos arrastam para o isolamento? Por mais razões que tenhamos para nos sentirmos assim,  temos que remexer na dor e  decompô-la em situações, episódios, momentos, atos, palavras, omissões, ofensas sentidas mas nunca verbalizadas. Em vez de interiorizar a dor devemos exteriorizá-la sem receio de expor a nossa fragilidade e vulnerabilidade. O fingimento alimenta essa dor e favorece a passagem das recaídas emocionais. Quem se sente sempre bem, sorri constantemente, solta simpatia indiscriminadamente, se presta a moralizar e motivar os outros, nunca se lamenta nem tão pouco se manifesta, está seguramente a fingir. A inconstância faz parte da génese humana. Ela é a responsável pelas revisões que se impõem em diversas fases da nossa Vida. Essas revisões são provavelmente o que nos mantém à tona e não nos deixam colapsar. Aceitar sem nunca contrapôr está a reprimir sua inteligência, seus sentimentos, sua interpretação, seu juízo, sua vontade e por conseguinte a anular-se. Quem procede assim está a carregar a dor e a fazê-la inchar até se tornar insuportável. Certamente seria mais fácil não sentir mas se assim fosse seríamos desprovidos da felicidade ou das sensações de felicidade. Somos bem mais fortes do que julgamos. Só precisamos de nos libertar da culpa e acreditar que merecíamos melhor e que esse alguém ou esses alguéns que não corresponderam enquanto pessoas importantes na nossa vida é porque não souberam amar e infelicidade a delas por não saberem o quanto ficaram a perder.
Podemos não recuperar o que éramos mas podemos sempre construir um novo eu, mais autêntico, mais disponível para amar, mais forte, mais espiritual, mais livre.
Quem procura o amor de estranhos para se sentir incluído e deixa que eles os julguem torna-os emocionalmente dependentes e insatisfeitos. A maior garantia de Amor é amarmos-nos. 
Quem nos ama verdadeiramente está sempre atento a nós, os outros, são estranhos e agem como tal, não guardam memória nem afetos apenas se cruzam connosco por aí.
Quem ama não se esquece de nós e sofre connosco e mesmo quando se sente renunciado em favorecimento de estranhos não deixa de amar. 

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Querido Mês de Agosto



O Mês de Agosto é pior que uma virose infecto-contagiosa. Seu efeito é mais avassalador que uma virose. Agosto é sinónimo de enchentes, excessos, falta de civismo, ruído, música alta, gritaria, afundanços na piscina como se esta fosse exclusividade só de alguns, turistas com ar perdido e cansados de procurar por ajuda de gente capaz, preços inflacionados na restauração, filas para o pão, filas para os gelados, filas de trânsito, filas à entrada das discotecas de elite, filas de espera para comer, taxistas gananciosos que aos poucos vão matando o turismo na região com a sua esperteza saloia, excursões, romarias, muito fogo de artifício com altos patrocínios, angariados pela comissão de festa da terrinha, filas de automóveis que se estendem ao longo da via, aguardando estoicamente por estacionamento no melhor spot, operações stop ao virar da esquina, casamentos sem parcimónia, cheiro intenso a creme protector solar, crianças em euforia gozando de uma liberdade sem freios, desrespeito pelos sinais de trânsito, que ganham a qualidade de placas decorativas em tons de perigo e prevenção, cães incontinentes e donos despreocupados, filas nas caixas dos hipermercados, filas para levantar dinheiro, fila para abastecer nas bombas de gasolina, lixo acumulado, mau serviço, cheiro a churrasco, a indústria paraliza e o comércio ganha expressão com o chamariz dos saldos de fim de estação, incêndios com e sem mão criminosa, aceleras, buzinadelas cheias de carga nas mãos de manipuladores imbecis que carecem de atenção, francês com sotaque português, chicos espertos, ânimos exaltados, ataques de bola arremessadas por pés de pato,  pressa muita pressa, larápios à espreita, mirones, voyeurs ou, simplesmente, pasmões assumidos, garotas a querer parecer mulheres e mulheres a querer parecer garotas, para deleite dos engatatões, início de mais uma temporada de futebol com destaque para as novas aquisições e tema para dominar uma época, não fosse ele o desbloqueador de conversa preferido  dos machos militantes, aspersores de rega descontrolados, motards e seus malditos rateres. É a chegada do silly month. 
O Mês de Agosto faz-me lembrar os domingos de chuva no centro comercial. Só “pobo” aos magotes a ocupar todos os espaços, até os mais apertados, até caber. Socorrooooooooooooooo!
Loucura loucura para aqueles que gostam de viver no inferno e para esquecer, para aqueles que procuram sossego e oportunidade para apreciar sem ficar chocados.
Tudo choca no Mês de Agosto. É um mês que cultiva o mau gosto, a má educação, más atitudes, más posturas, más companhias, mau funcionamento, mau atendimento, que incita ao desgoverno, um mês onde o cumprimento de regras se torna a excepção e não prática corrente, basicamente, um mês sem limites.
Por tudo isto, o Mês de Agosto só é Querido por alguns.
Curioso é perceber que se fragmentarmos a palavra Agosto podemos convertê-la em A gosto, ou seja, o Agosto é assim mesmo, ao gosto dos seus seguidores que o tornam só seu e de mais ninguém, sem cerimónias e quanto mais piroso melhor.  

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Final Feliz

"Quando se ama alguém, tem-se sempre tempo para essa pessoa. E se ela não vem ter conosco, nós esperamos. O verbo esperar torna-se tão imperativo como o verbo respirar. A vida transforma-se numa estação de comboios e o vento anuncia-nos a chegada antes do alcance do olhar. O amor na espera ensina-nos a ver o futuro, a desejá-lo, a organizar tudo para que ele seja possível. É mais fácil esperar do que desistir. É mais fácil desejar do que esquecer. É mais fácil sonhar do que perder. E para quem vive a sonhar, é muito mais fácil viver."

in Diário da tua Ausência
Margarida Rebelo Pinto


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Não estavamos preparados mas sabíamos que ia acontecer. Mesmo assim arriscamos. Assumimos sem pensar naquilo em que nossas Vidas se iriam transformar. Muitas emoções se atropelaram, tantas que algumas ainda estão por descodificar e por pouco não arrasaram connosco. Volto a dizer, não estávamos preparados para abdicar de nós, das nossas vontades, dos nossos ócios e de alguns prazeres também. Apesar de continuarmos a dizer que trouxe felicidade, certo é que também abalou com alguns alicerces pouco sólidos e que ameaçaram ruir caso não tomássemos uma atitude.
Se calhar nós é que não havíamos dado conta que estávamos distantes, na forma de estar, de pensar, de reagir, de exprimir, de encarar a realidade. Muito provavelmente, andávamos distraídos no computador, no trabalho, na leitura, na selecção dos programas de tv, nas saídas a dois no meio da multidão, nos nossos hobbies e de repente temos que colaborar em equipa e criar consensos. Afinal, viemos a descobrir que também há algo que nos desune e em que nos revelamos antagónicos.
Cada um quis impôr suas razões e nenhum estava disposto a aceitar a razão contrária porque afinal estavamos ambos a colaborar para o mesmo e a dar o nosso melhor e nada mais ofensivo do que nosso parceiro para a Vida nos venha apontar erros ou más condutas, quando apesar de todas as contrariedades continuamos ali, presentes, activos, resistentes e a dar tudo de nós.
Quando damos por nós estavamos a discutir miudezas e a esgotar as energias remanescentes, que deveriam ser empregues em algo que ajudasse à regeneração física e psicológica.
Já nem havia tempo para lamber as feridas. Só havia tempo para repetir tarefas e descansar nos intervalos. Qualquer incómodo era encarado com a nossa máxima intolerância, a qual se encarregava de azedar o ambiente e contribuir para silêncios profundos, mágoas, distanciamento emocional, desilusão e uma sensação de perda iminente.
Estavamos demasiado cansados para procurar outras formas de reacção com efeitos apaziguadores. Limitavamo-nos a aliviar o nosso desespero com troca de palavras, mais letais que disparos de bala.
 Fomos obrigados a isolar-nos e cada um fazer a sua própria introspecção e tentar perceber se queríamos continuar a lutar ou desistir a meio. Se valia a pena aceitar nossas diferenças e não deixar que elas pesassem na nossa relação, dando continuidade à nossa história ou então encurtá-la e transformá-la num resumo dos melhores momentos e cada um seguir seu caminho, sem descurar nosso bem mais precioso.
Apesar de alguns saldos negativos, ainda ficamos com algum fundo de maneio para tentar mais uma vez recuperar a felicidade que existia quando estávamos juntos.  

domingo, 4 de agosto de 2013

Boas Surpresas


 
Acordei ao som de gargalhadas estridentes, que ecoavam em toda a casa e fizeram estremecer o meu gato persa “centelha”, que aborrecido se esgueirou para o jardim.
Na verdade, aquelas risadas eram me familiares mas, o despertar retumbante atordoou de tal forma o meu pensamento, que este demorou a reestabelecer-se. Precisei de alguns minutos para descobrir o culpado, por aniquilar a tranquilidade do meu sono, mas até que não foi difícil achá-lo. Só podia ser o Vicente e sua espaçosa e generosa forma de ser, que a todos conquista e eu, então, que o diga. Fui impiedosamente arrebatada pela sua envolvência magnetizante. Até hoje, ainda não parou de me surpreender com suas atitudes inesperadas de uma sensibilidade invulgar.
Aliás, nosso primeiro encontro foi no mínimo caricato, porém inesquecível. Estava eu a recuperar de uma cirurgia à tiróide, ainda sob observações médicas e sem data prevista para abandonar a enfermaria, quando sou abordada por um fulano de olhar castiço, em roupão e chinelos a condizer e, sem sinais visíveis de enfermidade. Nem parecia pertencer aquele local.
Da forma como estava vestido associei que, tal como eu, deveria ser inquilino temporário do hospital. Porém, seu contentamento despropositado, levou-me a suspeitar que tivesse fugido da ala psiquiátrica e aterrado na normalidade dos meus aposentos. São inúmeros os quartos de um hospital, mas sem qualquer razão aparente que o justificasse, foi justamente aterrar no meu e atormentar meu sossego. Logo eu, que prezo tanto a minha sanidade mental e evito conviver com a loucura dos outros para não vir a ser contagiada e perder o meu equilíbrio. Tentei não mostrar-me intimidada com sua presença e procurei reagir com normalidade mas, sem prolongar muito o diálogo, para não fomentar nenhum tipo de empatia. Esse era o meu objectivo. Eu digo era, porque se revelou totalmente o contrário.
Não tardou a apresentar-se e tentar ganhar proximidade. Iniciei automaticamente um processo de desconfiança e, para me defender de um possível ataque tresloucado, agarrei o botão de emergência e esperei que a ocasião surgisse. Seus modos educados, sua simpatia e amabilidade amorteceram o meu instinto de defesa, que deixou de estar alerta e fez soltar, sem esforço, o botão de socorro. Algo o tinha atraído aquele local e algo me atraiu nele e me fez acreditar que podia confiar. Certamente, a convalescença deixou-me mais carente e sôfrega de afectos.
Vicente, tal como eu estava hospitalizado e a recuperar bem, de uma operação na coluna. Anos e anos de más posturas, intensa actividade física, excessos de carga. Não que eu tivesse perguntado ou sequer presumido, esta foi a explicação, que ele mesmo, fez questão de revelar e que explicam o seu internamento. Se bem que não me admirou, quando apontou como uma das causas actividade física frequente e excessiva, a julgar pelo seu físico bem torneado, de fazer corar o seu antepassado Adónis. Se quisesse, já teria sacado o acesso à sua conta bancária, tal era a sua permeabilidade e vontade de se expor.
A julgar pelos dedos nus e sem marcas, não é comprometido mas quantas já não foram enganadas pelas aparências e conclusões precipitadas como esta. Prefiro continuar a guardar reservas.
Continuava sem saber o que o tinha atraído até ali e apesar de me achar uma pessoa frontal e sem rodeios, estranhamente, aguardava os próximos desenvolvimentos com expectância.
Finalmente, resolveu desvendar o mistério e acabar com o suspense.
A razão da sua intrusão deixou-me perplexa e ao mesmo tempo enternecida com a sensibilidade demonstrada.
O meu quarto, sem que eu me apercebesse, tinha vista para a praia e sua marginal iluminada, sempre movimentada por casais apaixonados, praticantes incansáveis de jogging, crianças endiabradas, astutos comerciantes, turistas incautos, entre outros. Vicente queria apenas sentir o palpitar da vida no exterior e assistir à mobilidade das pessoas no seu dia-a-dia. Sentia-se engaiolado e impedido de fazer o que mais gosta. Nunca tinha permanecido tanto tempo fechado e estava a detestar a sensação. Já não era muito do seu agrado, apesar de o fazer por consideração, visitar amigos e familiares hospitalizados. Sempre que era obrigado a isso, ausentava-se várias vezes com o pretexto do famigerado vício do tabaco.
Senti que as longas conversas que tivemos o acalmavam e o faziam esquecer desse lugar sinistro que é o hospital, sua mais recente morada temporária.
Foi nesse clima de cumplicidade que partilhamos a mesma janela e usufruímos demoradamente da companhia um do outro com a conivência do staff da enfermaria, que se rendeu à nossa vontade de estarmos juntos.
Naturalmente, criamos uma forte Amizade que se transformou numa crescente relação de Amor que tudo supera, até mesmo gargalhadas sonoras a consumir o meu sono e a fomentar a minha curiosidade. Apesar de tudo, deixei-me estar, sentia-me demasiado cansada para desperdiçar minhas energias com uma anedota ou piada qualquer, além disso, iria precisar de ter mais motivos para me rir de manhã, antes mesmo de encarar uma jornada de trabalho. Por isso, preferi questionar, no dia seguinte, a razão de todo aquele alvoroço nocturno.
Vim a saber que as explosões de riso foram provocadas pela seguinte mensagem, deixada pelo nosso filho Tiago de apenas sete anos:

“Pai e Mãe, a partir de hoje e para sempre, evitem beijos e recados prolongados à porta da escola. Eu sei que vocês me amam. Deixem-me crescer. Os beijos fazem-me encolher e os recados fazem-me chegar atrasado às aulas. Também vos Amo. Respeitem, por favor, meu pedido.
O Vosso Filho Tiago”.

Por fim, eramos dois pais comovidos por ter gerado um filho tão maravilhoso.
Valeu a pena ter esperado pelo dia seguinte e amanhecer com este dado novo. Nosso filho está a crescer e nós vamos ter que conviver com isso e resignarmo-nos às evidências.

domingo, 16 de junho de 2013

Somos Livres mas não tanto


O nosso futuro nas nossas mãos e o futuro dos outros também. O que torna tudo ainda mais assustador por ser algo tão fundamental nas nossas Vidas, Ter Futuro, Ter Horizonte, Criar prolongamento. Ainda para mais, o que definimos para o nosso futuro, aquilo que idealizámos para o amanhã, muitas vezes deixa de fazer sentido porque a Vida é cada vez mais inconstante e passa por muitas mutações que nos obrigam a alinhar constantemente em novos e diferentes cenários.
Na verdade, nossa liberdade está condicionada. Continuamos a poder fazer nossas escolhas é certo, mas com base no que vai surgindo e se impondo e não com base no que gostaríamos de ter como opção. Nem todos temos essa capacidade de adaptação, precisamos de tempo para assimilar, tempo para compreender e tempo para interpretar o que nos é dado. Os que a têm estão safos e conseguem recriar novos conceitos de felicidade e bem-estar, mas são uma minoria. Estas mudanças causam incómodo porque boicotam nossos planos, sacodem nossas motivações e impõem renovadas pausas de reflexão, interrompem e desviam-nos do caminho traçado, abalam nossas crenças e beliscam nosso espírito optimista. Afinal não somos verdadeiramente livres.
Somos livres perante certas e determinadas possibilidades.
A liberdade é ter alternativa mas também é criar alternativa e é neste último sentido de liberdade no qual nos devemos inspirar, apesar de não haver garantias de nada, apenas nós e o nosso investimento de energias, baseadas numa vontade férrea de progressão.
É um processo longo, arriscado e incerto que nem todos se atrevem a atravessar, até porque obriga a penhorar suas vidas e o preço a pagar é demasiado caro. Por isso, optam por condicionar sua liberdade e comprometer sua felicidade mas continuar a manter o que têm.
Hoje em dia, somos forçados a mudar nossos princípios em função do que queremos conservar e a aceitar aquilo que em tempos contrariava nossa maneira de estar. Para uns pode implicar perda de dignidade mas para muitos isto é viver.
A realidade comanda nossas acções e, por conseguinte, molda-nos às circunstâncias e são essas circunstâncias que hão-de definir quem nós somos.
Somos livres mas não tanto.   

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Tiagooooooooooo :)


 
 
Olá Tiago! Sou eu a tua Mãe, que não se cansa de comunicar contigo e se transforma a cada gesto e ruído teu. Adoro quando me respondes à tua maneira, esbracejando, sorrindo e com teus guinchos harmoniosos, suplicando toda a minha atenção. Qualquer forma de expressão tua me remete para uma infinidade de pensamentos que projectam aquilo que serás no futuro. Apesar de não haver suficiente informação para isso adoro divagar sobre qual será a tua personalidade, os teus traços psicológicos, a tua maneira de ser. Quero estimular´ao máximo os teus sentidos, assistir ao teu processo de desenvolvimento e acompanhar os teus progressos. Quero estar sempre presente na tua Vida.
Contribuir para a tua confiança e auto-estima com manifestações positivas e elogios quando a ocasião o exigir e estou certa que serão várias as ocasiões que me farão orgulhar-me de ti. Apoiar-te nas tuas decisões, não exercer pressão psicológica para que sigas os meus conselhos mas nunca deixar de os dar e tratar para que estes assumam a forma de sugestões sem carácter repercutório, tentar demarcar o certo do errado com explicações bem fundamentadas e de discussão aberta para um melhor esclarecimento e evitar repreensões castigadoras como forma de aprenderes as lições de bom comportamento.
Quero que, assim como eu chamarei a atenção para as tuas atitudes erradas, faças o mesmo comigo e me chames à razão mas, tal como eu, expliques o que têm de errado. Não me poupes. Sou tua Mãe mas estou longe de ser perfeita.
Procurarei ter o discernimento necessário para actuar da melhor forma e ser eficaz no meu papel de Mãe.
Descobri que o Amor não conserta tudo, às vezes até atrapalha quando mistura muitos sentimentos, sofrimento, culpas, medos, cobranças e tendo eu sido vítima disso mesmo, espero sim transmitir-te o meu Amor mas sem te chantagear ou pressionar ou convencer que em nome dele tudo o que eu faço está correcto e é o melhor para ti. O meu Amor servirá para te apoiar e fomentar tua individualidade.
Ninguém me ensinou a ser Mãe. Aliás ninguém me ensinou sequer a ser Mulher. Fui aprendendo e assimilando com as informações que ia recolhendo no percurso da Vida. Orientei-me como pude. Teria sido bom alguma orientação mas não guardo mágoas. Só sei que procurei agir de maneira diferente daquela que agiram comigo e orientar-te sem te roubar a inocência.
Quero que te sintas incluído na minha Vida e à vontade para desabafar comigo sobre o que te atormenta, o que te faz feliz, o que te motiva, tuas escolhas, tuas vitórias, teus desaires, tuas experiências, tuas sensações, desabafar sobre tudo aquilo que possa gerar como consequência o teu alívio e bem estar. O resto podes guardar no teu relicário pessoal para mais tarde recordar.
Acima de tudo quero que tenhas orgulho em ti e penses em mim como alguém que te inspirou a seres Feliz e Melhor Pessoa.
         


quinta-feira, 30 de maio de 2013

Estou de Saída


O dia mal tinha começado, o silêncio ainda reinava em todas as divisões da casa e prometia prolongamento, apenas Vivian permanecia acordada e em pé, vagando pela casa de campo “Monsul”, perdida na seara alentejana de Aljezur. Tudo era tão profundamente calmo e sem perspectivas de mudança, que num espírito inquieto como o de Vivian causava uma ligeira aflição e a sensação de estar perdida numa ilha, distante de todas as oportunidades e da agitação, que parece ser, a única razão que a convence a viver mais e melhor.

Precisava sair daquele marasmo o quanto antes e bater asas para bem longe e poder chilrear de contentamento e vivacidade. Não pertencia aquele lugar encostado ao vazio e envelhecido, sem grandes acontecimentos, condenado ao isolamento e praticamente esquecido.

Um bilhete bastava para comunicar sua fuga, isento de despedidas cheias de pesar e remorsos, por não corresponder às solicitações que a convocam a ficar e resistir em nome do Amor dos seus entes queridos. Por mais que tentasse explicar-se, não iriam compreender seus motivos e, por isso, o único recurso foi evitá-los e virar costas com a promessa de enviar notícias em breve e permanecer sempre em contacto.

Seus movimentos foram cautelosos e amortecidos por pés ágeis e descalços, para não acordar nem alarmar ninguém. Na bagagem levava o essencial, o resto ficava para um dia quando pudesse regressar matar saudades. Não sabia por quanto tempo iria estar ausente nem para onde iria formar uma Vida nova. Nada de certezas, nem garantias mas, muita vontade de arriscar na sua liberdade.

No bilhete constava a seguinte mensagem:

 

“Pai, Mãe, irmãos, estou de saída por algum tempo. Não sei por quanto tempo. Preciso me organizar e orientar minha Vida, até aqui estagnada e sem grandes emoções. Preciso buscar novas sensações. Não encarem como ingratidão da minha parte. Sei bem o que vocês representam para Mim e não esqueço o Amor que nos une e sempre unirá.

Prometo voltar e com novidades boas.

Levo-vos comigo naquela foto de família, tirada junto ao rio e que, tantas risadas provocou, não que seja, para me lembrar de vocês, serve apenas para poder rever-vos sempre que a saudade consumir meu coração.

Um beijo para todos. Amo-vos sem excepção.”

Vivian

 

Á saída verteu uma lágrima de despedida, que depressa enxugou com as costas da mão, livre do peso da bagagem. Estava decidida e o que quer que resultasse da sua decisão não poderia gerar lamentações da sua parte nem recuos. Iria experimentar um outro registo de liberdade e aprender a viver por sua conta e risco. A ter que errar, pensava Vivian, que seja através de escolhas só minhas e não por influência de terceiros.

Na estação de comboios, certamente iria cruzar-se com gente conhecida, não fosse ela viver numa terra demasiado pequena e com muitos lugares comuns, que obrigam a muitos encontros e a uma convivência forçada, para não gerar que os maus comentários se espalhem e o nome da sua família fique manchado por falta de educação ou cortesia. Sabia que ia ser tema de conversa e deixar sua família entregue às línguas afiadas de um povo, preso a uma felicidade remediada.

Tentou passar despercebida e mal o comboio parou no apeadeiro, apressou-se a entrar e num ápice, esgueirou-se para junto da janela, bem no fundo da carruagem, sem nunca largar seus óculos, propositadamente escuros e isentos de emoção.

O sono militante da preguiça e do embalo provocado pela trepidação da carruagem, fizeram-na render-se ao descanso. Não queria pensar mais nem avaliar melhor sua decisão. Daqui para frente queria desfrutar de uma nova corrente de acontecimentos e reter do passado apenas as boas recordações, que quase sempre reportam à sua família.

Acordei o mundo

Najla tinha muita dificuldade em dormir. No seu entender, a vida podia acabar se se deixasse adormecer. Uma convicção implantada, desde a m...